Decisão Monocrática Nº 0310735-14.2017.8.24.0023 do Quinta Câmara de Direito Público, 27-01-2020
Número do processo | 0310735-14.2017.8.24.0023 |
Data | 27 Janeiro 2020 |
Tribunal de Origem | Capital |
Órgão | Quinta Câmara de Direito Público |
Classe processual | Remessa Necessária Cível |
Tipo de documento | Decisão Monocrática |
ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Remessa Necessária Cível n. 0310735-14.2017.8.24.0023 da Capital
Autor: Bruno Botticelli Sell
Réu: Associação Catarinense das Fundações Educacionais - ACAFE
Réu: Estado de Santa Catarina
Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira
DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA
1. Bruno Botticelli Sell moveu ação de rito comum em relação à Associação Catarinense das Fundações Educacionais - ACAFE e ao Estado de Santa Catarina, postulando a anulação de questão formulada na prova objetiva aplicada para provimento de cargo de agente da Polícia Civil (Edital 002/SSP/DGPC/ACADEPOL/2014).
Impugnou a questão 21 do mencionado certame. Mais exatamente, criticou a inclusão da seguinte proposição: "a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito" (tida por correta pela banca).
O argumento do acionante é que o item indagado não constava da lista de tópicos relacionados ao direito processual penal e arrolados no edital. À vista do julgamento favorável a outros candidatos, justa a extensão do mesmo entendimento para seu caso.
Requereu, ainda, o imediato recálculo da pontuação, seguido de sua reclassificação.
A sentença, confirmando a liminar, foi pela procedência do pedido.
Sem recurso, os autos vieram por conta da remessa necessário.
Na sequência, o Procurador de Justiça Américo Bigaton opinou pelo desprovimento do reexame.
2. Há somente a remessa oficial, mas antes de ingressar na questão de fundo, aprecio as arguições de prescrição e de ilegitimidade passiva da banca organizadora.
A Lei 7.144/83, citada pelo Estado de Santa Catarina para fundamentar a insurgência, prevê "prazo para prescrição do direito de ação contra atos relativos a concursos para provimento de cargos e empregos na Administração Federal Direta e nas Autarquias Federais."
Referida legislação, no entanto, não tem aplicabilidade ao caso dos autos haja vista que envolve o Poder Público Estadual, restringindo-se apenas ao âmbito da Administração Pública Federal e de suas respectivas autarquias.
Não se pode, por analogia, criar uma restrição a direito.
Vale, então, a disciplina comum, a do Decreto 20.910/32 que fixa prazo quinquenal para ajuizamento de demandas em desfavor do Poder Público.
Já no que toca à ilegitimidade passiva, tese suscitada pela ACAFE, já se entendeu neste Tribunal que "A instituição contratada como organizadora do concurso público é legitimada para compor o polo passivo da demanda, uma vez que a causa de pedir está diretamente relacionada com sua atuação na elaboração da prova" (AC 0311346-98.2016.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público).
3. De fato, a intervenção do Poder Judiciário em matéria de concurso público não é a regra.
Na linha do sustentado por este Tribunal deve essa intervenção se restringir unicamente a duas situações: (a) a fuga do edital e (b) a ausência de razoabilidade, que se aproxime da teratologia.
Trago, a propósito, alguns desses julgados:
A) CONCURSO PÚBLICO. QUESTÃO DE PROVA. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS. OBEDIÊNCIA DAS REGRAS DO EDITAL.
A intervenção judicial na avaliação realizada pela Banca Examinadora de Concurso deve se restringir ao aspecto da observância do Edital e do cumprimento de suas normas. Evidenciada incongruência entre o conteúdo programático previsto no certame e a matéria exigida na prova, há se reconhecer o excesso, decretando-se a respectiva nulidade. (RN 0307009-03.2015.8.24.0023, rel. Des. Sônia Maria Schmitz)
B) APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DA POLÍCIA CÍVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. QUESTÕES DO CERTAME EM DISCORDÂNCIA COM O CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO EDITAL. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
O edital é a lei que rege o certame. É a lei interna do concurso público e vincula, inexoravelmente, o candidato às suas regras, tendo em vista que o concurso subordina-se aos princípios da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório. (ACMS 2015.055212-7, rel. Des. Pedro Manoel Abreu)
O STJ, a propósito, tem julgado emblemático sobre o tema:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. QUESTÃO DISCURSIVA. CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL.
1 - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível a intervenção do Poder Judiciário nos atos que regem os concursos públicos, principalmente em relação à observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital.
2 - In casu, não se trata de revisão dos critérios estabelecidos pela banca examinadora, mas, sim, de dar ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos. (RMS 28.854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti)
O STF vai na mesma linha:
Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido. (RE 632853, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno)
Por isso, quando o caso trazido à apreciação judicial demonstrar afronta o edital convocatório, é permitida a atuação do Poder Judiciário para afastá-la, desde que em conformidade com os princípios da legalidade e da vinculação ao edital.
4. Prossigo lembrando que a questão 21, objeto deste reexame, continha este enunciado:
21) De acordo com o Código de Processo Penal, assinale a alternativa correta.
A) A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
B) A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas jurisdições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
C) Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado somente mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
D) O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, poderá ser iniciado por determinação da autoridade policial.
E) Nos crimes de ação privada, a autoridade policial não poderá proceder a inquérito quando for a requerimento apenas da vítima, pois depende da aprovação do representante do Ministério Público.
No edital do certame constava isto em seu anexo I (fls. 64):
1.2) PROCESSUAL PENAL - Princípios constitucionais e infraconstitucionais do Direito Processual Penal. Inquérito policial; notitia criminis. Ação penal: espécies. Jurisdição. Competência. Da prova (artigos 155 a 239 do CPP). Da busca e apreensão (artigos 240 a 250 do CPP). Prisão em flagrante....
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