Decisão Monocrática Nº 0314641-83.2017.8.24.0064 do Segunda Vice-Presidência, 18-11-2020

Número do processo0314641-83.2017.8.24.0064
Data18 Novembro 2020
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoSegunda Vice-Presidência
Classe processualRecurso Especial
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Especial n. 0314641-83.2017.8.24.0064/50002, de São José

Recorrente : Estado de Santa Catarina
Procuradores : Flávia Baldini Kemper (Procuradora do Estado) (OAB: 59331/SC) e outro
Recorrido : Marcio Augusto Pinheiro (Representado pelo curador) Marizete Fontoura da Silveira
Advogados : Fabian Freitas Bittencourt (OAB: 25605/SC) e outro
Interessado : IPREV Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina
Advogada : Ana Paula Scoz Silvestre (OAB: 16331/SC)

DECISÃO MONOCRÁTICA

Estado de Santa Catarina, com fulcro no art. 105, inc. III, "a", da Constituição da República Federativa do Brasil, interpôs Recurso Especial contra acórdão da Terceira Câmara de Direito Público, que, por unanimidade: a) negou provimento ao seu apelo e à apelação do Estado de Santa Catarina para confirmar a r. sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de restabelecimento e restituição de proventos c/c cobrança de valores atrasados c/c pedido de liminar" para determinar o restabelecimento da aposentadoria do autor, ora recorrido, e dos respectivos proventos, bem como o pagamento, de uma só vez, das parcelas vencidas, acrescidas dos consectários legais (fls. 325-347); e b) rejeitou os embargos de declaração (fls. 28-45 do incidente n. 50000 e fls. 27-42 do incidente n. 50001).

Em síntese, alegou que a decisão vergastada violou o disposto nos arts. e 92, inc. I, do Código Penal, bem como as disposições do art. 624 do Código de Processo Penal. Discorreu sobre a desnecessidade de instauração de processo administrativo disciplinar e pugnou pela concessão de efeito suspensivo ao reclamo (fls. 1-20 do incidente n. 50002).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 153-157 do incidente n. 50002), vieram os autos conclusos à 2ª Vice-Presidência.

É o relatório.

De plano, adianta-se que o Recurso Especial não reúne condições de ascender à Corte de destino.

1. Da alegada ofensa aos arts. e 92, inc. I, do Código Penal

Inicialmente, cumpre registrar que não se ignora o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser possível, em processo administrativo disciplinar, a cominação da pena administrativa de cassação de aposentadoria decorrente de falta disciplinar punível com demissão, praticada antes do ato aposentatório, quando expressamente prevista na legislação de regência (AgInt no RMS 59972/RJ, Relator Ministro Francisco Falcão, j. em 29.6.2020).

Contudo, a controvérsia posta nos autos é diversa: refere-se ao exame do alcance do efeito extrapenal (= pena de perda do cargo público) decretado em sentença penal condenatória (art. 92, inc. I, do Código Penal) sobre a aposentadoria de policial militar condenado criminalmente, após a reforma, à pena de perda do cargo público.

Pois bem. O Colegiado de origem, diante dessa distinção de situações, à luz dos arts. 5º, incs. II e XXXIX, e 37, caput, da Constituição da República e do art. 1º do Código Penal, concluiu que "a cassação da aposentadoria, com lastro no art. 92, I, alínea "a", do Código Penal, é ilegítima, tendo em vista a falta de previsão legal e a impossibilidade de ampliar essas hipóteses em prejuízo do criminalmente condenado, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade estrita" (fl. 325 do processo digital).

Por oportuno, convém transcrever excertos do acórdão recorrido:

[...]

Como se apanha dos autos, o autor, ora apelado, foi condenado criminalmente nos autos da ação penal n. 064.02.000321-1 (pág. 63/81), à "pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e 44 (quarenta e quatro) dias-multa, à razão de 1/10 (um décimo) do valor do salário mínimo vigente à data dos fatos" (pág. 80), além da decretação da perda do cargo, o que, após a interposição de recursos, foi mantida, com trânsito em julgado em 19-10-2012 (pág. 120).

Por sua vez, a Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, em cumprimento à decisão condenatória criminal que aplicou o efeito extrapenal de perda do cargo público, determinou a exclusão do militar da corporação (págs. 162-164), o que culminou com a cassação da aposentadoria outrora deferida por ocasião da passagem para a inatividade do servidor.

[...]

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o condenado na esfera criminal, com sentença transitada em julgado, por crime praticado em atividade, anteriormente à inativação, como no caso do apelado, torna impossível a cassação automática da aposentadoria como efeito específico da condenação, tendo em vista que não há previsão legal neste sentido. Realizar tal interpretação contra o servidor é ampliar as hipóteses legais contra o condenado, portanto, com expressa vedação legal.

A interpretação extensiva é o processo de extração do autêntico significado da norma, de maneira que, ampliado o alcance das palavras constantes no texto legal, pode-se atender à finalidade do texto. O intérprete deve ampliar o significado da norma legal além do que estiver expresso a fim de alcançar a situação em concreto.

[...]

Doutro lado, embora a concessão de aposentadoria ao servidor público provoque a extinção do vínculo jurídico que mantém com o poder público, é possível que os efeitos dessa conexão sejam projetados à relação que a aposentação inaugura com a Autarquia Previdenciária. Por conseguinte, o servidor, mesmo aposentado, poderá sofrer a imposição de uma sanção disciplinar que tenha como causa um ato cometido enquanto se encontrava no serviço ativo.

Não obstante, é preciso atentar que a demissão, a perda do cargo e a cassação de aposentadoria têm naturezas distintas. As primeiras rompem o vínculo com o poder público, ao passo que a última extingue a relação de natureza previdenciária.

Todas essas sanções, por força do princípio constitucional da legalidade (CF, art. 5º, II; art. 37, "caput"), devem estar previstas em lei. E, especialmente no campo penal, as sanções e os efeitos da condenação devem estar previamente cominados na legislação penal, como expressamente estabelecem o art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, e o art. 1º do Código Penal ("não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal").

Isso anotado, observa-se que a pena de cassação de aposentadoria não pode ser aplicada como sucedâneo da sanção de perda do cargo público imposta como efeito da condenação criminal.

No caso em comento, a lei penal em vigor assinala:

[...]

Verifica-se que o dispositivo prevê como efeito da condenação criminal a perda do cargo mas não a cassação de aposentadoria do servidor público já aposentado quando do trânsito em julgado da sentença respectiva, portanto, ela não é efeito imediato da condenação, nos termos da lei penal, haja vista que esta não pode ser interpretada de forma ampliativa ou analogicamente, quando em desfavor do réu.

Portanto, o art. 92, I, 'a', do Código Penal contém previsão restrita da "perda de cargo, função pública ou mandato eletivo", não contemplando a imposição da pena de cassação de aposentadoria. E, em matéria penal que limitam ou extinguem direitos, a interpretação deve ser feita sempre de maneira restritiva.

Nesse panorama, forçoso reconhecer, no caso concreto, que o efeito da sentença condenatória criminal de cassação de aposentadoria aplicado ao servidor é ilegal, porquanto o comando inserto na sentença penal estava restrito à perda do cargo público. Não poderia a Polícia Militar de Santa Catarina, a despeito da necessidade de cumprir a decisão judicial, aplicar à parte autora uma sanção administrativa (cassação de aposentadoria) que não guarda relação com aquela de natureza criminal.

[...]

A presente situação necessita, por certo, do devido contraditório e ampla defesa, com abertura de processo administrativo disciplinar, o que não ocorreu até o presente momento, de modo que a cassação da aposentadoria do apelado é ilegítima e irregular, por ausência de previsão legal.

[...]

Diante disso, à vista da falta de adequação material do efeito extrapenal de cassação da aposentadoria à norma penal substantiva, impositivo se afigura o restabelecimento do benefício previdenciário em favor do apelado, como bem decidiu a Juíza sentenciante

[...] (fls. 333-340 do processo digital).

E, ao assim decidir, constata-se que a orientação adotada pela Câmara Julgadora não destoou da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "segundo a qual é ilegítima a cassação de aposentadoria do servidor público como efeito da condenação criminal a perda do cargo (art. 92, I, do Código Penal), tendo em vista a falta de previsão legal e a impossibilidade de ampliar tais hipóteses em prejuízo do condenado" (RMS, Relatora Ministra Regina Helena Costa, j. em 7.8.2020).

A propósito, colhe-se da Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. POLICIAL MILITAR. PERDA DA GRADUAÇÃO DE PRAÇA. CASSAÇÃO DOS PROVENTOS DA RESERVA REMUNERADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA. VEDAÇÃO À ANALOGIA IN MALAN PARTEM.

1. A jurisprudência desta Corte firmou no sentido de que a...

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