Decisão Monocrática Nº 0500316-28.2013.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-01-2020

Número do processo0500316-28.2013.8.24.0075
Data13 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0500316-28.2013.8.24.0075 de Tubarão

Apelante : BV Financeira S/A Crédito Financeiro e Investimento
Advogados : Sergio Schulze (OAB: 7629/SC) e outro
Apelado : Hélio Corrêa
Advogado : Cristiano de Paula (OAB: 25851/SC)

Relator: Desembargador Salim Schead dos Santos

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Trata-se de apelação cível interposta por BV Financeira S/A - Crédito, Financiamento e Investimentos contra a sentença una que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial da ação revisional n. 0500316-28.2013.8.24.0075 ajuizada por Hélio Corrêa e improcedente a ação de busca e apreensão n. 0010891-55.2013.8.24.0075, que tem como objeto a cédula de crédito bancário com garantia de alienação fiduciária n. 116084980 (fls. 158-160 dos autos da ação revisional), nos seguintes termos:

1. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido de HÉLIO CORRÊA na AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO n. 0500316-28.2013.8.24.0075

contra BV FINANCEIRA S/A, para o fim de:

a) DECLARAR a incidência das normas insertas no Código de Defesa do Consumidor.

b) LIMITAR os juros remuneratórios à taxa média de mercado, qual seja, 2,27% ao mês e 30,88% ao ano.

c) LIMITAR os encargos moratórios à soma dos encargos remuneratórios e moratórios: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação;

b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% sobre o valor da prestação.

d) DECLARAR descaracterizada a mora do devedor, razão pela qual a incidência dos encargos moratórios somente ocorrerá empós a realização dos cálculos necessários em fase de cumprimento de sentença, caso o devedor não promova o adimplemento da obrigação no prazo que vier a ser assinalado

CONDENO as partes ao pagamento pro rata, das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% do valor da causa, forte nos arts. 85, § 2º, e 86, § único, ambos do CPC.

Contudo, SUSPENDO a cobrança ônus sucumbenciais impostos ao Autor, porquanto beneficiário da justiça gratuita.

2. JULGO IMPROCEDENTE a AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO n. 0010891-55.2013.8.24.0075, forte no art. 485, IV, do CPC.

ARCA o Autor com as despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da causa, em atenção ao art. 85, § 2º, do CPC. (fls. 196-206)

Sustenta, em síntese: a) a inexistência de abusividades contratuais e, em consequência, a impossibilidade de revisão contratual; b) a legalidade da taxa de juros remuneratórios pactuada; c) a viabilidade da cobrança da comissão de permanência; d) o descabimento da repetição de indébito e da compensação de valores; e) a necessidade de manter caracterizada a mora. Requer, ao final, o prequestionamento dos dispositivos legais, a declaração de improcedência da ação revisional e, em consequência, a procedência da ação de busca e apreensão com a inversão do ônus sucumbencial (fls. 209-233).

Intimado, o autor apresentou contrarrazões (fls. 237-245).

É o relatório.

1 - Decido monocraticamente com base no artigo 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil c/c artigo 132, XVI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

2 - Nos termos do Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça, o processamento do presente recurso rege-se pelo Código de Processo Civil de 2015, uma vez que a decisão recorrida foi publicada na sua vigência (24-2-2017 - fl. 208).

3 - O recurso é tempestivo, porquanto a intimação foi efetuada em 24-2-2017 (fl. 208), dando início ao prazo recursal em 1-3-2017, findo em 21-3-2017. O protocolo data de 17-3-2017 (fl. 209), posterior ao preparo (fl. 233). Os demais requisitos de admissibilidade estão presentes.

4 - Da ação revisional 0500316-28.2013.8.24.0075

4.1 - Revisão contratual

Sustenta o apelante que o contrato não pode ser revisado por tratar-se de ato jurídico perfeito.

No entanto, desde a criação do Código de Defesa do Consumidor - plenamente aplicável às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ) -, tornou-se relativizado o princípio do pacta sunt servanda, permitida a modificação e até mesmo a anulação de cláusulas consideradas ilegais ou abusivas (artigos 6º, inciso V e 51, inciso IV), razão pela qual deve-se reconhecer que a revisão contratual não constitui ofensa ao ato jurídico perfeito. Sobre o tema, ensina Claudia Lima Marques:

[...] o princípio clássico de que o contrato não pode ser modificado ou suprimido senão através de uma nova manifestação volitiva das mesmas partes sofrerá limitações (veja nesse sentido os incisos IV e V do art. 6º do CDC). Aos juízes é agora permitido um controle de conteúdo do contrato, como no próprio Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, devendo ser suprimidas as cláusulas abusivas e substituídas pela norma legal supletiva (art. 51 do CDC). É o intervencionismo estatal, que ao editar leis específicas pode, por exemplo, inserir no quadro das relações contratuais novas obrigações com base no Princípio da Boa-Fé (dever de informar, obrigação de substituir peça, renovação automática da locação, etc.), mesmo que as partes não as queiram, não as tenham previsto ou as tenham expressamente excluído no instrumento contratual. Relembre-se aqui, também, o enfraquecimento da força vinculativa dos contratos através da possível aceitação da teoria da imprevisão [...].

Assim, também, a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juízes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária do direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maior pelos interesses sociais envolvidos, pela expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 227).

Nesse sentido:

O banco apelante alega que o contrato é ato jurídico perfeito e deve ser respeitado, pois "não houve qualquer coação a configurar o vício do consentimento" (fl. 162). Contudo, tal entendimento deve ser flexibilizado. Isso porque, conforme entendimento consolidado, os contratos entabulados entre as partes são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se enquadram nos requisitos normativos dos artigos 2º e 3º de tal norma. A matéria em questão restou pacificada nos termos da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras", sendo um direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas" (art. 6º, V, Lei n. 8.078/1990). Logo, há de ser mitigado o princípio da pacta sunt servanda, mormente porque os contratos bancários apresentam nítido caráter de adesão, conforme disciplina o art. 54, caput e § 1º, do CDC. (TJSC, Apelação Cível n. 0010156-22.2013.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Rogério Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 09-11-2017 - participaram do julgamento os Desembargadores Luiz Zanelato e Luiz Antônio Zanini Fornerolli).

Em razão disso, a revisão contratual se presta com fulcro nos princípios expostos nos art. 6º, V, do CDC e arts. 421 e 422 do Código Civil, porque o contrato deve se pautar de acordo com a boa-fé, probidade e atendendo sua função social, visando o relativo equilíbrio das prestações durante a execução e sua conclusão. Desta feita, viável a revisão de cláusulas contratuais quando permeadas de ilegalidade ou abusividade, o que independe da constatação ou não do vício de consentimento, bem como não fere o ato jurídico perfeito. (Apelação Cível n. 0300603-31.2016.8.24.0087, de Lauro Müller, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 6-9-2018).

Por essas razões, deve ser mantida a sentença.

4.2 - Juros remuneratórios

O Magistrado limitou a taxa de juros remuneratórios à média de mercado, por entender que é abusiva a taxa que supera em 10% a média de mercado divulgada pelo Banco Central, razão pela qual se insurge o apelante requerendo a manutenção da taxa pactuada.

A complexidade dessa discussão foi reconhecida pelo Ministro Ari Pargendler em caso semelhante, no qual mencionou a necessidade de análise do contrato revisado, inserido no contexto do mercado financeiro, e a análise do risco de cada tipo de operação. Vale citar:

O tema, com certeza, é complexo, porque o risco de cada operação influi na respectiva taxa de juros. Mas o peso desse componente, e de outros, no custo do empréstimo deve, então, caso a caso, ser justificado pela instituição financeira, o juiz saberá decidir as controvérsias a propósito, se respeitar a racionalidade econômica, representada pelo mercado (Resp n. 271.214/RS, relator para acórdão, Ministro Menezes Direito, DJ de 4-8-2003).

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso submetido ao procedimento da Lei n. 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos), consolidou o entendimento segundo o qual

É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais,...

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