Decisão Monocrática N° 07037578620238070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 15-02-2023

JuizHECTOR VALVERDE SANTANNA
Número do processo07037578620238070000
Data15 Fevereiro 2023
Órgão2ª Turma Cível

Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Héctor Valverde Santanna Gabinete do Desembargador Héctor Valverde Santanna NÚMERO DO PROCESSO: 0703757-86.2023.8.07.0000 CLASSE JUDICIAL: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: RAQUEL NUNES MARTINS SALES AGRAVADO: ENIO BORGES RIBEIRO, EDITORA AMOS LTDA DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que declarou a incompetência do Juízo da Sétima Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília para o processamento e julgamento do feito e determinou a remessa do autos a uma das Varas Cíveis da Comarca de Barueri/SP. Raquel Nunes Martins Sales, ora agravante, afirma que a competência do Juízo não foi escolhida de forma aleatória, mas devido ao local da representação jurídica da autora que, muito embora resida no exterior, estabeleceu sua representação em escritório de advocacia localizado nesta capital federal. Avalia que o Juízo de Primeiro Grau, ao declarar de ofício sua incompetência, contraria a intenção do legislador originário, pois onera excessivamente a consumidora ao obrigá-la a constituir nova defesa em Estado diferente da federação, fato que gerará novos custos e dificultará sua defesa, à revelia de princípios norteadores da legislação consumerista, como o da vulnerabilidade do consumidor e o do combate ao abuso. Argumenta que a jurisprudência deste Tribunal de Justiça não destoa da legislação e tem entendimento no sentido de que o declínio de competência de ofício não pode prejudicar o consumidor, haja vista a previsão de flexibilização da escolha do foro para facilitação de defesa prevista no Código de Defesa do Consumidor. Considera que a manutenção do entendimento trará, além do prejuízo financeiro, a perda da credibilidade da sistemática normativa de proteção ao consumidor, pois os fornecedores, além de desgastarem a consumidora com a ausência de prestação de serviços, serão beneficiados com a facilitação de suas defesas, o que não é razoável ou justo. Requer a antecipação dos efeitos da tutela recursal e, no mérito, pede o provimento do recurso. Preparo efetuado (id 43265619; 43265620). Brevemente relatado, decido. Os recursos não impedem a eficácia da decisão recorrida (art. 995, caput, do Código de Processo Civil). O Relator poderá suspender a eficácia da decisão ou, caso esta apresente conteúdo negativo, conceder a medida pleiteada como mérito do recurso, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso (art. 995, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Há, portanto, dois (2) pressupostos cumulativos a serem considerados pelo relator: a probabilidade de provimento e o perigo da demora, que não estão presentes no caso em exame. As partes devem respeitar as regras objetivas estabelecidas para determinação de competência, sob pena de violação ao princípio do juiz natural. A competência é a medida da jurisdição. A função jurisdicional é distribuída pela Constituição Federal e pelas leis processuais e de organização judiciária entre os órgãos jurisdicionais. Elas fixam os limites para cada um deles processar e julgar as causas que lhes são previamente atribuídas. Há juiz natural para emitir o correspondente provimento jurisdicional para cada ação proposta, estabelecido antecipadamente por norma jurídica válida (art. 5º, incs. XXXVII e LIII, da Constituição Federal).[1] A lei processual elege critérios para determinar a competência do órgão jurisdicional. A competência é fixada pelos critérios material, funcional, territorial e valor da causa. Os critérios de fixação de competência devem ser analisados para identificar o órgão jurisdicional que detém a jurisdição para o caso concreto.[2] O critério material está relacionado à especialização do órgão jurisdicional para apreciar e julgar determinada matéria estabelecida pela lei, com exclusão dos demais órgãos jurisdicionais. O critério funcional está relacionado à função que cada órgão jurisdicional exerce no processo. O critério territorial é a distribuição da causa a órgãos jurisdicionais com a mesma competência e objetiva facilitar a defesa dos direitos das partes e possibilitar ao juízo do local o exercício da função jurisdicional de maneira mais eficiente. O critério do valor da causa considera o proveito econômico pretendido pela parte autora.[3] A competência absoluta está relacionada aos critérios material e funcional. Prevalece o interesse público na fixação da competência absoluta, que se caracteriza por ser improrrogável e insuscetível de modificação por convenção das partes. A incompetência absoluta pode ser alegada pelas partes ou pelo Ministério Público, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, ou declarada de ofício pelo juiz ou tribunal (art. 64, § 1º, do Código de Processo Civil). A competência relativa está vinculada aos critérios territorial e valor da causa. Prevalece o interesse ou comodidade das partes, especificamente quanto ao autor para viabilizar o acesso ao Poder Judiciário ou em relação ao réu para facilitar a sua defesa. Pode ser modificada por convenção das partes interessadas ou por lei pela conexão ou pela continência. Prorroga-se a competência relativa se não for arguida pelo réu em preliminar de contestação ou pelo Ministério Público nas causas em que atuar (art. 65 do Código de Processo Civil). O órgão jurisdicional inicialmente incompetente para decidir a causa torna-se competente de forma definitiva.[4] A Súmula n. 33 do Superior Tribunal de Justiça orienta que o magistrado não pode reconhecer de ofício a incompetência relativa. O enunciado originou-se dos Conflitos de Competência n. 245, 872, 1.496, 1.506, 1.519 e 1.589. A orientação é bastante utilizada como base para resolver conflitos de competência territorial. A experiência jurídica, no entanto, demonstra a inadequação de se aplicar o entendimento sem verificar se os fundamentos determinantes se estendem a casos significativamente distintos. As situações fáticas discutidas nos precedentes que levaram à elaboração do enunciado da Súmula n. 33 do Superior Tribunal de Justiça envolviam partes com alguma relação com o foro escolhido. O caso concreto é substancialmente diferente, pois o foro foi escolhido sem respeito às normas e sem justificativa plausível. Outro aspecto relevante é que nenhum dos precedentes discutiu o abuso do direito na escolha aleatória de foro sem qualquer conexão com a demanda, seja o domicílio das partes, seja o local do fato ou da coisa ou o local do cumprimento da obrigação. As súmulas dos tribunais devem se ater às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação (art. 926, § 2º, do Código de Processo Civil). A aplicação do entendimento aos casos posteriores ocorre por analogia, com base nos parâmetros do caso concreto considerados como relevantes pelo tribunal para fixar a orientação.[5] O entendimento exposto na Súmula n. 33 do Superior Tribunal de Justiça continua aplicável, porém é necessário considerar que foi firmado há mais de trinta (30) anos. A realidade mudou sensivelmente ao longo das décadas. Uma das mudanças mais significativas diz respeito ao processo judicial eletrônico. Noventa e sete inteiros e dois décimos por cento (97,2%) dos novos processos ingressaram na Justiça em formato eletrônico em 2021. Foram vinte e sete (27) milhões de casos novos ingressados pelo sistema virtual.[6] A tramitação virtual dos processos pôs fim às barreiras geográficas, que funcionavam como uma espécie de estabilizador natural das demandas entre os foros próximos das partes. Havia barreiras físicas para litigar em comarcas distantes, especialmente por elevar os custos da demanda. A alegação da agravante Raquel Nunes Martins Sales de que a manutenção da decisão agravada irá obrigá-la a constituir nova defesa em Estado diferente da federação, o que gerará novos custos e dificultará sua defesa, não se...

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