Decisão Monocrática N° 07172564020238070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 18-05-2023

JuizMARIO-ZAM BELMIRO
Número do processo07172564020238070000
Data18 Maio 2023
Órgão4ª Turma Cível

Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador Mário-Zam Belmiro Rosa NÚMERO DO PROCESSO: 0717256-40.2023.8.07.0000 CLASSE JUDICIAL: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: MUCIO MARIANO GONCALVES AGRAVADO: BANCO DO BRASIL S/A, ITAU UNIBANCO S.A., MERCADO CREDITO SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., NU FINANCEIRA S.A. - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, BANCO INTER SA, CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, BANCO SANTANDER (BRASIL) SA, BANCO BRADESCO SA, CAPEMISA SEGURADORA DE VIDA E PREVIDENCIA S/A D E C I S Ã O Cuida-se de agravo de instrumento (ID 46438793) interposto por MUCIO MARIANO GONÇALVES contra decisão proferida pelo Juízo da 12ª Vara Cível de Brasília que, nos autos da ação de repactuação de dívidas movida pelo agravante em face do BANCO DO BRASIL S/A e Outros, indeferiu o pedido de concessão de justiça gratuita, bem como o de tutela de urgência para limitar os descontos dos empréstimos a 30% (trinta por cento) da remuneração líquida do autor. Eis o teor da decisão combatida (ID 154946826 - autos de referência): Trata-se de ação de repactuação de dívidas fundada no CDC, arts. 104-A e seguintes, em que a parte autora, sustentando a inconstitucionalidade do Decreto Federal nº 11.150/2022, que regulamentou o mínimo existencial e o fixou em 25% do salário-mínimo, apresenta vários pedidos a título de tutela de urgência, bem como a gratuidade de justiça e a tramitação pelo Juízo 100% digital. Não junta os contratos de empréstimo e pede para que os réus exibam esses documentos com prazo mínimo de 30 dias antes da data da audiência de conciliação, para que a autora possa adequar a sua proposta de pagamento aos documentos que vierem a ser exibidos. DECIDO. 1. Gratuidade de justiça O autor juntou contracheque que demonstra que é militar do Exército Brasileiro e que, após os descontos compulsórios e descontos de alguns empréstimos consignados, sobra-lhe a quantia líquida de R$8.422,02 para manter a sua sobrevivência. Embora tenha juntado comprovantes de despesas com prestação de carro, telefone, água e energia, e tenha afirmado, na tabela da pág. 17 da petição inicial, que ainda paga com escola do filho R$2.677,57 (valor não comprovado), o que totaliza despesas mensais de R$7.333,85, o autor recebe em valores líquidos, mesmo após pagar os empréstimos, bem mais do que a média da população em geral. Ademais, verifica-se que tudo indica que a compra do veículo, que gerou uma parcela de R$3.344,60 mensais, é a primeira de 54 parcelas, vencida em 28/03/2023. Ou seja, parece que o autor acabou de comprar um veículo, mesmo tendo despesas elevadas de água, energia e talvez com educação do filho. Não se sabe, ademais, se o filho do autor é ou não seu dependente, porque não foi juntada a certidão de nascimento. De tudo o que se expôs, verifica-se que a situação financeira do autor, apesar da quantidade e valores dos empréstimos, não indica impossibilidade total de arcar com as despesas do processo. Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de gratuidade de justiça. 2. Tutela de urgência O autor pede, principalmente, a limitação dos descontos dos empréstimos, consignados e em conta corrente, a 30% dos seus rendimentos. Invoca jurisprudência antiga como fundamento. Entretanto, não está evidenciada a probabilidade do direito. Com efeito, a jurisprudência que o autor invoca para limitar os descontos das parcelas dos empréstimos a 30% de sua remuneração vem sendo superada, pois mais recentemente a tendência tem sido de considerar que, respeitado limite dos consignados, os demais empréstimos contraídos para desconto em conta corrente inserem-se na liberdade e autonomia de vontade do consumidor, não sendo correta a limitação dos descontos a 30%, pois não há previsão legal para tanto, e não é cabível a analogia em relação aos empréstimos consignados. Adoto esse entendimento, de que o limite não se aplica aos empréstimos não consignados, cujos pagamentos são efetuados mediante desconto em conta corrente ou conta salário. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do STJ, há duas categorias a serem examinadas, na matéria referente à limitação de descontos que comprometem o salário dos consumidores: A) os descontos decorrentes do empréstimo consignado, que são autorizados de forma irrevogável e irretratável em folha de pagamento, regulados, para os celetistas, pela Lei 10.820/2003, e limitados a 35% (trinta e cinco por cento) dos vencimentos do correntista, sendo 5% destinado exclusivamente para amortização de despesas e saque por meio do cartão de crédito; para os servidores públicos do Distrito Federal, os descontos são regulados pelo art. 116 da Lei Complementar Distrital nº 840/2011; e para os servidores públicos federais, são regulados pela Lei 8.112/90; B) os descontos, em conta bancária comum ou conta salário, de prestações de contratos de empréstimos realizados pelo correntista, os quais são lícitos e não sofrem a limitação a 30% (2ª Seção do STJ, RESP 1.555.722/SP e Ag. Int. no REsp 1500846/DF). A jurisprudência do TJDFT vem evoluindo no mesmo sentido, ou seja, de que os descontos em conta-corrente não estão sujeitos ao limite de 30% dos rendimentos. Prestigia-se a autonomia da vontade no momento de contratar. Registre-se que, normalmente, os descontos em conta corrente encontram-se amparados em cláusulas contratuais que os autorizam. O Exmo. Sr. Desembargador Álvaro Ciarlini, no AGI nº 0740395-26.2020.8.07.000, interposto pelas instituições financeiras nos autos do processo nº 0705318-96.2020.8.07.0018, desta 12ª Vara Cível de Brasília, proferiu decisão para conceder efeito suspensivo à decisão que havia deferido tutela de urgência para limitar descontos de empréstimos em conta corrente a determinado percentual, distinguindo de forma clara a disciplina legal dos empréstimos consignados e dos empréstimos com desconto em conta bancária. Transcrevo trecho da decisão: ?Na presente hipótese a questão devolvida ao conhecimento deste Egrégio Tribunal de Justiça consiste em avaliar a possibilidade de limitação aos descontos procedidos diretamente na conta bancária do agravado em virtude dos negócios jurídicos de mútuo celebrados entre as partes. Em relação a essa questão, convém observar que nos empréstimos contratados para pagamento com desconto em conta corrente não deve haver a limitação de 30% (trinta por cento) determinada pela Lei nº 8.112/1990, Lei Complementar distrital nº 840/2011 ou pelo Decreto local nº 28.195/2007. Ressalte-se ainda que não há vedação legal para a contratação de empréstimos por intermédio de desconto em conta corrente. Aliás, a designação de margem para esses descontos somente pode ser estabelecida pelo próprio titular da conta, pois somente ele conhece sua capacidade de endividamento, convém insistir. (...) Diante desse cenário, a determinação de limitação de todos os descontos contratados pelo correntista, com a imposição à instituição financeira do recebimento do que lhe é devido em prazo maior e diferente do que fora ajustado pelas partes, importaria em mitigação, sem suporte legal, do princípio da força obrigatória dos contratos. Por essas razões, não se afigura possível a manutenção da mencionada limitação dos descontos procedidos na conta corrente do agravado.? Além disso, os preceitos atinentes ao superendividamento, acrescidos ao Código de Defesa do Consumidor pela Lei 14.181/21, não são aplicáveis para questionar a validade de cláusulas de contratos celebrados antes da sua vigência. Nesse sentido, o art. 3º da Lei 14.181/2021, que só permite a aplicação da nova lei a contratos anteriores no tocante aos efeitos por eles produzidos após a entrada em vigor da nova Lei. Assim, não há como cogitar da invalidade dos contratos, por vedação expressa do art. 3º da Lei 14.181/21. Ressalte-se que a nova Lei não previu como medida possível para solucionar o problema do superendividamento a limitação de valores de parcelas descontadas na folha e/ou em conta corrente a um percentual da remuneração do devedor. Como já afirmado, essa medida foi uma construção jurisprudencial, fundada na analogia em relação aos limites estabelecidos para os empréstimos consignados, mas o STJ tem afastado essa possiblidade de aplicação analógica. No dizer do Exmo. Sr. Desembargador Relator do Acórdão TJDFT 1420846, Hector Valverde Santana: "O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento segundo o qual é lícito o desconto de prestações decorrentes de contratos de empréstimos bancários, ainda que a conta na qual incidem as cobranças seja a mesma utilizada para o recebimento de salário, e que não há que se aplicar a limitação legal existente para os contratos de empréstimo consignados em folha de pagamento, por serem hipóteses diversas." Ainda como fundamento para decidir, transcrevo ementas de dois julgados do TJDFT que reforçam a necessidade de se observar o entendimento do STJ na matéria: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. MÚTUO BANCÁRIO. DESCONTO EM CONTA CORRENTE NA QUAL RECEBE O SALÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. APLICAÇÃO DO LIMITE LEGAL DE TRINTA POR CENTO (30%) PARA AS CONSIGNAÇÕES EM FOLHA DE PAGAMENTO, POR ANALOGIA, AOS DÉBITOS EM CONTA CORRENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A 2ª Sessão do colendo STJ fixou o entendimento de que "em se tratando de mero desconto em conta-corrente - e não compulsório, em folha, que possui lei própria -, descabe aplicação da analogia para aplicação de solução legal que versa acerca dos descontos consignados em folha de pagamento". Assim, inviabiliza-se a suspensão dos descontos autorizados pelo próprio correntista em sua conta corrente em decorrência de empréstimos pessoais celebrados com o banco credor, bem como a limitação dos abatimentos ao percentual de trinta por cento (30%) da remuneração depositada mensalmente. 2. Apelo provido. (Acórdão 1278397, 07065187520198070018, Relator: ARNOLDO CAMANHO,...

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