Decisão Monocrática N° 07296297420218070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 20-09-2021

JuizALVARO CIARLINI
Data20 Setembro 2021
Número do processo07296297420218070000
Órgão2ª Turma Cível

Poder Judiciário da União Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Gabinete do Desembargador Alvaro Ciarlini Autos nº 0729629-74.2021.8.07.0000 Classe judicial: AI ? Agravo de Instrumento Agravante: Francisco Ribeiro de Sousa Agravado: SW4 Imóveis Ltda D e c i s ã o Trata-se de agravo de instrumento interposto por Francisco Ribeiro de Sousa contra a decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Taguatinga-DF, nos autos do processo nº 0708492-15.2021.8.07.0007, assim redigida: ?Trata-se de pedido de tutela de urgência formulado pela parte autora, que requer: ?(...) c) Seja deferida a medida liminar, pelos fundamentos acima expostos, nos termos do art. 300 e seguintes do Código de Processo Civil, com a devolução da quantia paga indevidamente, de R$ 441,40, a ser destinada ao ?saldo ? devedor? na presente relação contratual, em favor da demandante; c.1) Seja deferida a medida liminar, pelos fundamentos acima expostos, nos termos do art. 300 e seguintes do Código de Processo Civil, com a consequente limitação anual do IGPM para taxa de 1% + inflação do ano anterior, no caso do ano de 2020 foi de 4,52%, sendo aplicado tal metodologia até o término do presente contrato; c.1.1) Requer em sede de liminar que sejam realizados os depósitos em juízo, atualmente, na quantia de R$ 2.510,50. O valor citado deve ser depositado até que sejam finalizadas as obras estruturais do condomínio, conforme projetos aprovados; c.1.2) Os depósitos das prestações mensais em juízo, mencionados acima, ficam condicionados com o pedido de não haver restrição no CPF da parte autora junto aos órgãos de restrição; c.2) Em sede de medida liminar, subsidiariamente, nos termos do art. 300 e seguintes do Código de Processo Civil, requer em atenção ao princípio da subsidiariedade, em remoto caso de recusa do exposto acima, a parte demandante requer que seja aplicada a troca do IGPM pelo IPCA ou outro indexador que o juízo entenda ser pertinente para reequilibrar a relação contratual; (...)? Fundamenta seu pedido na alegação de que a pandemia da COVID-19 afetou a economia, causando aceleração imprevisível sobre o IGPM, devendo ser restabelecido o equilíbrio na relação entre as partes, conforme artigos 478 a 480 o Código Civil. O pedido de tutela de urgência somente pode ser acolhido quando, nos termos do artigo 300 do CPC/2015, se acha configurada a probabilidade do direito alegado e o perigo de danos ou riscos ao resultado útil do processo. Segundo a doutrina, ao eleger o ?conceito de probabilidade do direito?, ?... o legislador adscreveu ao conceito de probabilidade uma ?função pragmática?: autorizar o juiz a conceder ?tutelas provisórias? com base em cognição sumária, isto é, ouvindo apenas uma das partes ou então fundado em quadros probatórios incompletos (vale dizer, sem que tenham sido colhidas todas as provas disponíveis para o esclarecimento das alegações de fato). A probabilidade do direito que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica ? que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder ?tutela provisória?.? (MARINONI, Luiz Guilherme et alii, Novo curso de processo civil, vol. 2, São Paulo, RT, 2015, p. 203) No que concerne ao requisito do ?perigo de danos ou riscos ao resultado útil do processo?, a doutrina ensina que: ?O risco está relacionado com a efetividade da tutela jurisdicional, mas, indiretamente, diz respeito ao próprio direito material, subjetivo ou potestativo. Está vinculado à duração do processo e à impossibilidade de a providência jurisdicional, cuja eficácia esteja em risco, ser emitida imediatamente. O risco a ser combatido pela medida urgente diz respeito à utilidade que a tutela definitiva representa o titular do direito. Isso quer dizer que o espaço de tempo compreendido entre o fato da vida, em razão do qual se tornou necessária a intervenção judicial, e a tutela jurisdicional, destinada a proteger efetivamente o direito, pode torná-la praticamente ineficaz. Nesse período podem ocorrer fatos que comprometam sua atuação efetiva. É o fenômeno que a doutrina italiana denomina de período da infruttuosità.? (BUENO, Cássio Scarpinella (coord.), Comentários ao código de processo civil, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 931-932) Em que pese às bem alinhadas razões sustentadas pela parte autora, não vislumbro, na espécie, a configuração dos requisitos legais para a concessão da tutela provisória de urgência reclamada. É fato público e notório que a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), assim decretada pela Organização Mundial de Saúde desde 11/03/2020, produziu efeitos negativos nos mais diversos setores sociais, impondo lamentáveis perdas de vidas humanas, prejuízos econômicos, limitações de direitos, incertezas e insegurança quanto ao futuro, e, dentre outros, a inexorabilidade de adaptações na vida quotidiana dos indivíduos, das empresas e das instituições públicas. Como destacou o diretor-geral da OMS ao comunicar a decisão desta entidade internacional à imprensa, ?todos os países devem encontrar um bom equilíbrio entre proteger a saúde, minimizar as disrupções econômicas e sociais e respeitar os direitos humanos?. Em um contexto social com tamanhas e abruptas mudanças, causadas por um fato extraordinário, imprevisível e de repercussões imprevisíveis, não causa surpresa o surgimento de conflitos de interesses e direitos, como demonstra o sem-número de ações judiciais ajuizadas desde aquela data visando à revisão de contratos privados com base na teoria da imprevisão e na alegação de onerosidade excessiva, circunstância que reclama do Estado-juiz a sempre necessária atuação serena, equilibrada, razoável e proporcional, visando à justa composição dos interesses em litígio e mirando, especialmente, a função social do contrato (arts. 317 e 421 do Código Civil), máxime no âmbito de contratos que têm por objeto bem jurídico tão valioso e socialmente relevante quanto os contratos de financiamento imobiliário, que, em última instância, visa a assegurar o direito constitucional à moradia. Em relação ao conflito de interesses instaurado na presente relação processual, destaca-se, de um lado, as alegações do autor de que, com a oficialização do estado de pandemia, houve a deterioração da Economia, culminando no alegado desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, a justificar a pretensa revisão contratual; de outro lado, as pretensões presumidas da parte requerida, retratadas nas diversas cláusulas do contrato. No confronto das teses e argumentos desenvolvidos pelas partes, nesta fase incipiente do processo, tenho que, num juízo superficial de cognição sumária, própria da análise da tutela jurisdicional provisória, não assiste razão à parte autora. Dispõe o artigo 421 do Código Civil consagra a função social do contrato ao dispor que ?a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato?. Outrossim, o parágrafo único deste dispositivo legal, com a redação dada pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.784/2019), expressamente prevê que ?nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.? Nesse sentido, o simples fato de a norma legal positiva ter estabelecido que a revisão contratual deve ser admitida apenas excepcionalmente já seria suficiente para afastar a possibilidade de acolhimento do pedido de tutela de urgência ora formulado pela autora. Mas, além disso, os reveses experimentados pelo indivíduo em sua vida econômica privada não produzem efeitos diretos na relação contratual firmada com outrem, podendo, no máximo, ensejar a rescisão do negócio jurídico, diante de eventual impossibilidade concreta de se dar continuidade ao adimplemento das obrigações assumidas, via de regra a requerimento da parte lesada e mediante o pagamento de eventuais sanções civis previstas no contrato, como prevê o artigo 475 do Código Civil. Assim se conclui porque, seja à luz do art. 317 do Código Civil (teoria da imprevisão), seja conforme o artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor (teoria da base objetiva do contrato), a onerosidade excessiva que autoriza a revisão do contrato diz respeito à superveniente e imprevista desproporcionalidade da prestação a cargo do fornecedor em relação à contraprestação assumida pelo consumidor, relação esta que não é afetada na espécie, uma vez que, ao menos nos limites próprios desta fase processual, a obrigação assumida pela parte ré (entrega do imóvel objeto da promessa de compra e venda) persiste tendo o mesmo valor econômico e jurídico à época da contratação, a despeito das flutuações ocorridas no cenário econômico, não tendo sido afetados em suas circunstâncias intrínsecas (base objetiva). Nesse sentido, como já assinalou o colendo Superior Tribunal de Justiça: ?(...) 3. A intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometa o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica. (...) 5. A teoria da base objetiva, que teria sido introduzida em nosso ordenamento pelo art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor - CDC, difere da teoria da imprevisão por prescindir da previsibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por...

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