Decisão Monocrática N° 07307518820228070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 26-09-2022

JuizDIVA LUCY DE FARIA PEREIRA
Número do processo07307518820228070000
Data26 Setembro 2022
Órgão1ª Turma Cível

Órgão 1ª Turma Cível Classe Agravo de Instrumento Processo n. 0730751-88.2022.8.07.0000 Agravante(s) Antonio Peracchia Agravado(s) Banco do Brasil S.A. Relator(a) Desembargadora DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA D E C I S Ã O Trata-se de agravo de instrumento interposto por Antonio Peracchia Vieira contra decisão proferida pelo juízo da 25ª Vara Cível de Brasília (Id 135898749 do processo de referência) que, nos autos de ação de produção antecipada de provas requerida pelo ora agravante em desfavor do Banco do Brasil S.A., processo n. 0733159-49.2022.8.07.0001, declinou da competência, determinando a remessa dos autos para uma das Varas Cíveis da Comarca de Alto Taquari ? MT, nos seguintes termos: Cuida-se de exibição de documentos proposta por ANTONIO PERACCHIA, residente em outra unidade da Federação (Alto Taquari-MT), em desfavor de BANCO DO BRASIL S/A, referente à Ação Civil Pública nº 0008465-28.1994.4.01.3400 (94.0008514-1). Decido. Os documentos perseguidos servem para instruir liquidação de sentença, determinou a redução do percentual de correção monetária incidente sobre as cédulas de crédito rural firmadas entre os mutuários e o Banco do Brasil S/A à época dos expurgos inflacionários decorrentes do Plano Collor I, bem como condenou a recalcular os valores pactuados e devolver aos mutuários a diferença entre o percentual cobrado (84,32%) e o efetivamente devido (41,28%). Na hipótese particular dos autos, a parte ajuizou a ação preparatória apenas em desfavor do Banco do Brasil S/A, sociedade de economia mista cujas demandas são julgadas pela Justiça Comum Estadual, a teor do que dispõe o Enunciado nº 508 da Súmula do STF: ?compete à Justiça Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco do Brasil S/A.? Não há dúvida de que a relação jurídica que fundamenta a pretensão da parte autora submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor. Cumpre, portanto, aferir a regularidade da distribuição da demanda à luz das regras de competência específicas aplicáveis ao caso. Adoto como razão de decidir os fundamentos brilhantemente alinhavados pelo ilustre Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO no julgamento do AGI nº 0740726-71.2021.8.07.0000. Ressaltou-se naquela assentada que, como consequência da internet e das tecnologias por ela viabilizadas, a noção de território físico, no processo, desapareceu, foi liquefeita. Tudo foi integrado. O Banco do Brasil S/A possui agências bem estruturadas em todo o território nacional, presente em 96,6% das cidades brasileiras[1], o que autoriza o ajuizamento da ação no foro de residência do consumidor ou do local onde contratou o serviço. No caso, a ré tem agência na cidade de Ponta Grossa-PR, conforme consulta realizada em seu sítio eletrônico[2]. A possibilidade de o consumidor demandar em seu domicílio tem o intuito de facilitar o acesso à Justiça, na medida em que aproxima do Poder Judiciário a análise da controvérsia, permitindo a observação de eventuais particularidades, as quais, muitas vezes, são inerentes a determinadas regiões, para oportunizar a solução mais adequada ao caso concreto. A partir de estudos feitos pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ[3], as custas processuais cobradas no Distrito Federal representam um dos valores mais baixos no Brasil, configurando a menor taxa judiciária do território nacional. Essa questão, todavia, não pode servir como parâmetro para nortear a distribuição de processos a este Tribunal, o que prejudicará a prestação jurisdicional e dificultará a administração da Justiça, cuja quantidade de Servidores, Juízes e Desembargadores observa preceitos da Lei de Organização Judiciária local, considerando estatísticas que incluem números de habitantes das regiões administrativas e não em amplitude nacional. Este Tribunal de Justiça é o único com competência estadual sujeito à Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, conhecida como "Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos". Mesmo mantido pela União, esta Corte não pode desconsiderar sua condição de Tribunal local, projetado e dimensionado para uma população de cerca de três milhões de habitantes. Entretanto, está sendo transformado em "Tribunal Nacional" graças às facilidades do processo judicial eletrônico e à rapidez na sua prestação jurisdicional, o que justificou o "Selo Excelência" outorgado pelo CNJ como melhor Tribunal do Brasil em 2021[4]. Esse mérito está comprometido pela enormidade de ações como esta, que vieram à sua distribuição por critérios absolutamente aleatórios, prejudicando a prestação jurisdicional devida aos cidadãos locais. Se a propositura desta ação custasse o preço do deslocamento físico, não seria assim. Mas, como não custa quase nada, além de tudo as custas são ínfimas, propõe-se uma ação a milhares de quilômetros de distância do domicílio do consumidor. De uma forma hábil buscam-se meios processuais para escolher o Juiz aleatoriamente, afastando-se dos Juízes locais, o que é inadmissível e inconstitucional. Acrescente-se que no terceiro trimestre de 2021 ? não há dados oficiais mais recentes ? o Banco do Brasil S/A contava com 76,9 milhões de clientes ativos[1]. Em termos relativos, se todos os consumidores resolvessem demandá-lo na Justiça do Distrito Federal, este Tribunal deveria ser, só na Segunda Instância, quase o dobro da composição do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ? dimensionado para atender a população de aproximadamente 46 milhões de habitantes[5] ?, que conta com 360 Desembargadores, enquanto o TJDFT tem apenas 48 Magistrados. O fato de o fornecedor ter sede no Distrito Federal não sustenta a competência aleatória em casos como este. A Lei não instituiu apenas a ?sede? como critério de competência. Reitere-se que a parte mutuária residia na cidade de Alto Taquari-MT (domicílio omitido na petição inicial, mas que foi declinado na procuração e comprovante de endereço), sendo que os seus patronos têm domicílio em Maracaju-MS, mas a ação fora distribuída em Brasília/DF, local no qual o autor não tem domicílio e não foi a agência na qual a cédula foi emitida e registrada. Ora, se não há prejuízo relevante diante de tamanha distância entre o jurisdicionado e seu advogado, e entre estes e o Juízo aleatoriamente escolhido, por certo também não haverá obstáculos substanciais para que a pretensão seja exercida no foro de domicílio da parte demandante. É certo que a noção de território físico desapareceu, pois o acesso ao judiciário encontra-se literalmente à mão do jurisdicionado, através do avanço no uso de smartphones e outras plataformas digitais. Mas ainda é preciso controlar a competência sob pena de total desconstrução do conceito de Juiz Natural e de desorganização judiciária, sobrecarregando ou esvaziando Tribunais e Juízos em geral. Nesse contexto, a conduta da parte credora, ao promover a ação em foro diverso do seu domicílio, sem qualquer base fática ou jurídica razoável, viola e distorce as regras de competência. Isto porque, não é autorizado ao consumidor escolher o Juízo que mais atenda aos seus interesses ou de seus procuradores, especialmente em razão do próprio sistema de distribuição de competências, que prevê e está a incentivar a descentralização da Justiça justamente para facilitar o acesso dos cidadãos e equilibrar a distribuição dos feitos, de sorte que a presente decisão apenas cumpre o que está no contrato celebrado entre as partes e o que determinam as normas de regência. Ademais, registre-se que o processo judicial eletrônico já foi implementado em quase todas as Varas do país, não havendo prejuízo imediato à defesa dos interesses da parte autora. Destaque-se que a jurisprudência consolidada do STJ orienta que a ação seja ajuizada no domicílio do consumidor, quando se tratar de execução individual de sentença coletiva caracterizada pela existência de relação consumerista (Tema nº 480 dos Recursos Repetitivos, REsp nº 1243887/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 12/12/2011). Aliado a isso, verifica-se ainda que a Corte Superior formou-se jurisprudência dominante a definir que a competência em lides relativas ao CDC é absoluta, o que autoriza o reconhecimento da incompetência, já que não há nos autos elementos em sentido contrário, devendo o Juiz, de ofício, declinar da competência à luz do artigo 44 do Código de Processo Civil. Afastada, por conseguinte, a tese do Enunciado nº 33 da Súmula daquela Corte Superior, editada em outro contexto, há quase 30 anos, quando não havia processo judicial eletrônico, tampouco limitação de gastos orçamentários do Poder Judiciário da União. Assim, o foro de domicílio da parte demandante, da agência onde foi firmado o contrato e do local onde a obrigação deve ser cumprida ? onde aliás está registrada a cédula de crédito rural, é competente para processar as demandas em que a pessoa jurídica for parte ré, e não a sua "sede", ex vi do artigo 53, inciso III, alíneas "b" e "d", do Código de Processo Civil, que deve ser analisado de forma lógico-sistemática em harmonia com as demais regras de competência, razoabilidade e proporcionalidade. A título exemplificativo, confiram-se elucidativos julgados da Corte Superior e deste Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONFIGURAÇÃO. DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. PRECEDENTES. IMPROVIMENTO. 1. Claro no acórdão recorrido que se trata de relação de consumo. Dessa forma, conforme jurisprudência recente desta Corte, a competência é absoluta e deve ser fixada no domicílio do consumidor. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 687.562/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 01/06/2015) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÉDULA RURAL. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1075 DO STF. JULGAMENTO. COMPETÊNCIA. AÇÃO PROCESSADA NA JUSTIÇA FEDERAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. FORO DO DOMICÍLIO DO...

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