Decisão Monocrática N° 07370455920228070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 08-11-2022

JuizDIVA LUCY DE FARIA PEREIRA
Número do processo07370455920228070000
Data08 Novembro 2022
Órgão1ª Turma Cível

Órgão 1ª Turma Cível Classe Agravo de Instrumento Processo n. 0737045-59.2022.8.07.0000 Agravante(s) Luis Brinck Agravado(s) Banco do Brasil S.A. Relator(a) Eventual Desembargadora DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento interposto por Luis Brinck contra decisão proferida pelo juízo da 4ª Vara Cível de Brasília (Id 140126716 do processo de referência) que, nos autos da liquidação provisória de sentença coletiva requerida pelo ora agravante em desfavor do Banco do Brasil S.A., processo n. 0739429-89.2022.8.07.0001, declinou da competência, determinando a remessa dos autos para uma das Varas Cíveis da Comarca de Conceição das Alagoas - MG, nos seguintes termos: Trata-se de ação de procedimento de liquidação provisória de sentença agitado por LUIZ BRINCK em face de BANCO DO BRASIL S/A, partes qualificadas nos autos. Em apertada síntese, a parte autora pretende a liquidação de sentença coletiva proferida na ação Civil Pública n. 0008465- 28.1994.4.01.3400 em face do Banco do Brasil S.A., da União Federal e do Banco Central do Brasil. Inicialmente, reconheço ser extremamente duvidosa a competência do Juízo Estadual para processar a fase de cumprimento de sentença de um título constituído no Juízo Federal. A competência se fixa no ato da distribuição do processo de conhecimento e não no momento do início do procedimento de cumprimento de sentença. É um flagrante burla do princípio do Juiz Natural. Verifico que a parte autora reside em Conceição das Alagoas/MG. Embora o Banco do Brasil tenha sede no Distrito Federal, tal ente possui agências e escritórios de advocacia contratados para a sua defesa em todo território nacional, inclusive na residência do autor. Além disso, a emissão dos extratos pretendidos pode ser feita em qualquer agência do Banco do Brasil. Da inconstitucionalidade da aleatoriedade da Distribuição O comportamento da escolha aleatória de Brasília é uma burla ao Princípio Juiz Natural (art. 5º, XXXVII, da CF). Assim como ofende a regra do artigo 93, XIII, da CF. Acresça-se, ainda, o valor das custas baixas aqui no DF, em contraposição a outros Estados. A escolha aleatória de Brasília/DF suprime o conhecimento da matéria pelo Juízo do domicílio dos Réus (aqui se compreende o local onde o fato foi praticado) e do Juízo do domicílio da parte autora. Este comportamento fere o princípio do Juízo Natural, garantia constitucional (art. 5º, LIII, da CF), porquanto suprime o conhecimento da pretensão pelo Juízo do autor ou do réu e escolhe aleatoriamente um Juiz/Juízo (Brasília) para processar a julgar o feito. Se a escolha recaísse numa comarca com um único Juiz, as partes estariam escolhendo um Juiz, o que é extremamente perigoso. Respeitar o princípio acima, é salvaguardar o princípio da imparcialidade e evitar a alegação de suspeição que possa recair sobre a aleatoriedade da escolha. A isenção do Judiciário é o norte a ser seguido. A regra do artigo 93, XIII, da Constituição Federal é clara ao disciplinar que: ?art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...)XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população;?. A distribuição aleatória ofende diretamente a regra constitucional que disciplina a organização dos Poderes da República, mas especificamente a organização do Poder Judiciário, porquanto remete para o Judiciário do Distrito Federal, que não é o domicílio das partes, a obrigação de solução de um conflito. Os impactos são de diversas ordens, pois atinge inclusive o princípio da garantia de duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). O professor José Miguel Garcia Medina assim leciona: Em atenção à regra segundo a qual o processo deve ter duração razoável (CF, art. 5º, LXXVIII), o art. 93 contém disposições que, se observadas, podem contribuir para que os atos processuais se desenvolvam mais celeremente. (...). É evidente que, para que a prestação jurisdicional se realize em tempo razoável, não basta a criação de mecanismos processuais diferenciados. A existência de juízes em quantidade condizente com a quantidade de demandas judiciais e a população local é condição essencial para o desenvolvimento célere do processo (art. 93, XIII). De acordo com o art. 93, XV, a distribuição de processos será imediata. Isso significa que, assim que uma ação é ajuizada, ou assim que um recurso ingressa no Tribunal, a parte tem direito de saber para qual das varas ou qual das câmaras ou turmas o recurso será dirigido. Viola a Constituição Federal, assim, o procedimento consistente em reter os recursos no setor de distribuição, enquanto as câmaras ou turmas do Tribunal não diminuem a quantidade de processos que perante elas tramitam. A respeito, cf. comentário ao art. 5º, LXXVIII. (Constituição Federal Comentada - Ed. 2022,Editor:Revista dos Tribunais Constituição Federal comentada Título IV. Da Organização dos Poderes Capítulo III. Do Poder Judiciário Seção I. Disposições Gerais Art. 93. Página RL-1.36 https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/93667770/v7/page/RL-1.36 ) Portanto, o fenômeno recente da invasão de uma enormidade de ações de pessoas não domiciliadas no Distrito Federal afetará diretamente o princípio da duração razoável do processo e a própria organização judiciária do Distrito Federal. A título de curiosidade, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios está enfrentando em todas as suas turmas uma situação que chega a ser esdrúxula. O Governo do Estado de Goiás privatizou a empresa de energia do Estado do Goiás e fez inserir uma cláusula de eleição de foro, onde escolhem o Juízo de Brasília para processar e julgar ações entre as partes, derivada da relação contratual. Nesta mesma linha, Shoppings, condomínios e partes de outros Estados estão escolhendo aleatoriamente Brasília/DF como o foro competente. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios não pode ser transformado num Tribunal Nacional para processar e julgar todas as causas que as partes queiram. Por fim, o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios é o único com competência estadual sujeito à Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, conhecida como "Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos". Mesmo mantido pela União (art. 21, XIII, da CF/88), esta Corte não pode desconsiderar sua condição de Tribunal local, projetado e dimensionado para uma população de cerca de três milhões de habitantes, a invasão de processos pertencentes a outros Estados trará dificuldades de cunho orçamentário. Portanto, são quatro argumentos de índole constitucional que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios não está enfrentando: - ofensa ao principio do Juiz Natural (art. 5º, LIII, da CF); - ofensa a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF); - ofensa da organização do Poder Judiciário (93, XIII, da DF); e - ofensa a Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016 (teto dos gastos). Da ofensa do princípio da boa-fé É cediço que as relações jurídicas devem ser, antes de mais nada, pautadas pela boa-fé, ferramenta importante para uma sociedade justa e solidária. A boa-fé em última análise é forma que o sistema encontrou para permitir que os hermeneutas estudem e analisem a ética das partes. A palavra ética é extremamente estéril no nosso linguajar, ao ponto da maioria sequer compreender o que esta significa, mas de forma simples, a ética é tão somente o estudo do comportamento dos contratantes. Para tanto, o estudo da boa-fé passa pela análise dos chamados deveres anexos a informação, a lealdade e a confiança/cooperação. Ou seja, a conduta das partes deve ser analisada sob estes prismas. Neste sentido, a professora Teresa Negreiros assevera: No âmbito contratual, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido de recíproca cooperação, com consideração dos interesses um do outro em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a existência jurídica do contrato celebrado. (Teoria do contrato: novos paradigmas. Renovar: Rio de Janeiro, 2ª ed., pag. 122/123) Frisa-se, ainda, que o princípio da boa-fé objetiva possui, basicamente, três funções na relação contratual, quais sejam: instrumento hermenêutico (art. 113, do CC); fonte de direitos e deveres jurídicos (art. 421, do CC); e limite ao exercício de direitos subjetivos (art. 187, do CC). No Código de Processo Civil a boa-fé é um comportamento esperável de todas as partes (art. 5º), ou seja, uma regra genérica. A escolha aleatória, é uma tentativa de escolher o Juízo de Brasília e retirar do foro do local onde o ato foi realizado, que é o de domicílio da parte autora, para o conhecimento da matéria. Há uma falta de lealdade contratual e processual, com a finalidade de escolher um Juízo distante do local dos dados e do domicílio da parte autora. A quebra da lealdade contratual nos leva a reconhecer a existência de uma abusividade na escolha do Juízo de Brasília. Portanto, são dois argumentos de índole infraconstitucional: - ofensa ao princípio da boa-fé; - a abusividade do direito de escolha aleatória. Dessa forma, forçoso concluir que não faz nenhum sentido o ajuizamento da ação nesta Circunscrição Judiciária. O caso extrapola a mera competência territorial relativa, cuja declinação de ofício é vedada pela Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça, e atinge a organização do Poder Judiciário, que possui envergadura constitucional, conforme previsto no teor do art. 93, inciso XIII, da Constituição Federal: ?o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população?. É notório o ajuizamento em massa de ações da mesma natureza apresentadas nesta circunscrição, em que os autores residem nos mais diversos Estados do país. Tal discrepância prejudica a gestão do Tribunal de Justiça...

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