Decisão monocrática Nº 0805972-64.2020.8.10.0000 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, 4ª Câmara Cível, 01-10-2021

Data de decisão01 Outubro 2021
Número do processo0805972-64.2020.8.10.0000
Ano2021
Classe processualConflito de Competência Cível
Órgão4ª Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática


QUARTA CÂMARA CÍVEL

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NO 0805972-64.2020.8.10.0000 — SÃO LUÍS

Suscitante: Juízo de Direito da 15ª Vara Cível do Termo Judiciário de São Luís

Suscitado: Juízo de Direito da 6ª Vara de Família do Termo Judiciário de São Luís

Relator: Desembargador Marcelo Carvalho Silva

DECISÃO

I – Relatório

Trata-se de conflito de competência instaurado pelo Juízo de Direito da 15ª Vara Cível em face do Juízo de Direito da 6ª Vara de Família, ambos do Termo Judiciário de São Luís.

O presente incidente foi instaurado nos autos da execução de alimentos promovida por Valéria Cristina Martins Santos e Fernanda Cristina Martins dos Santos, menores representadas por sua genitora, Ana Cristina Araújo Martins, em desfavor de José Adriano dos Santos Filho, na qual é cobrada dívida no valor de R$ 572,90 (quinhentos e setenta e dois reais e noventa centavos), decorrente de sentença homologatória de acordo junto ao 1º CEJUSC – Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania.

Entendendo que houve equívoco procedimental, pela não observância da regra contida no inciso II do art. 516, do Código de Processo Civil, o qual determina que o cumprimento da sentença deve ser proposto perante o juízo que decidiu a causa no 1º grau de jurisdição, o juiz suscitado determinou a redistribuição dos autos ao Juízo da 15ª Vara Cível de São Luís, ora suscitante.

O juízo suscitante, no entanto, considera-se incompetente para conhecer e julgar o feito, justificando que a controvérsia dos autos refere-se à homologação de acordo pré-processual, nos termos da Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Afirma que, reconhecido como título executivo judicial, em atenção ao disposto no art. 515 do CPC, tal acordo deve ser cumprido perante o juízo competente, no caso, a Vara de Família.

Ao apresentar as suas informações, o juízo suscitado manifestou-se nestes termos:

Em atenção à requisição de informações solicitada nos autos de Conflito de Competência nº 0805972-64.2020.8.10.0001, suscitado pelo Juiz de Direito da 15ª Vara Cível em face do Juiz de Direito da 6º Vara de Família, tenho a informar o que se segue:

Inicialmente, cabe informar que o cumprimento de sentença ajuizado por Ana Cristina Araújo Martins, representando as filhas menores, Valéria Cristina Martins Santos e Fernanda Cristina Martins dos Santos, em face de José Adriano dos Santos Filho (que dera origem ao presente incidente) fora distribuído para a antiga 6ª Vara de Família do Termo Judiciário de São Luís, extinta pela Resolução de nº 542020 do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e que, conforme a Resolução nº 54/2020, passou a ser a Vara Especial do Idoso e de Registros Públicos.

A atual 6ª Vara de Família, para onde fora remetida a requisição de informações, antes intitulava-se como 7ª Vara de Família, todavia, com a extinção da antiga 6ª Vara, assumiu a nomenclatura desta.

Como já esclarecido, não se trata do mesmo Juízo que determinou a redistribuição dos autos de cumprimento de sentença por supostamente inobservar a regra descrita no inciso II do art. 516 do Código de Processo Civil/2015 e tampouco fora o Juízo que proferiu o despacho manifestando-se pela incompetência.

Registre-se também que esta Unidade Jurisdicional inclina-se pela competência da Vara de Família para processar e julgar os autos de cumprimento de sentença objeto do presente conflito de competência, visto que se trata de matéria afeta à Vara de Família, que, inclusive, é a que possui especialização para julgar as ações de alimentos.

Por fim, considerando que os autos de cumprimento de sentença foram originalmente distribuídos para a antiga 6ª Vara de Família, manifesta-se, caso seja do entendimento desta Egrégia corte pela competência da Vara de Família, que os autos objeto do conflito de competência nº 0805972-64.2020.8.10.0001 sejam redistribuídos, por sorteio, para uma das seis Varas de Família do Termo Judiciário de São Luís ante a inexistência de qualquer tipo de acessoriedade/dependência com a atual 6ª Vara.

É a exposição.

II – Desenvolvimento

II.I – Modelo constitucional do processo civil

In Constituição da República 30 Anos Depois (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019), uma coletânea de estudos em homenagem ao Ministro LUIZ FUX, na apresentação, os três Coordenadores, ABHNER YOUSSIF MOTA ARABI, FERNANDO MALUF e MARCELLO LAVENÈRE MACHADO NETO, expressam com habilidades doutrinárias e hermenêuticas que:

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a sétima de nossa história, foi editada com a pretensão de inaugurar novos tempos em nossa nação, propugnando por valores que conduziriam, durante sua concretização, a uma maior promoção da cidadania e igualdade material. Em 2018 nossa Constituição chega aos 30 anos. Já é a segunda mais longeva de nosso período republicano e apresenta, ainda, perspectivas de longos anos de vigência. Além de ser este um momento de celebração de seu aniversário, é tempo também de se fazer um balanço entre aquilo que o texto prometia, e o que se conseguiu alcançar e os pontos em que ainda podemos – e devemos – avançar. O que será que constituímos nesses 30 anos?

Continuam os Coordenadores (ob. cit., p.13), in verbis:

Apesar dos avanços, ainda há muito em progredir. Por definição, os direitos fundamentais envolvem em seu conceito aspectos de progresso e de historicidade, como indicadores de sua concepção aberta e dinâmica, construída ao longo do tempo, que conduz a um contínuo caminhar. Ainda que assim não fosse, há enunciados normativos constitucionais que ainda não foram concretizados em sua inteireza, comprometendo a eficácia plena da cidadania então idealizada para a nova sociedade brasileira.

O legislador, ao verificar o vácuo no Código de Processo Civil de 1973, conhecido como Código Buzaid, quanto ao não abraçar os valores e normas constitucionais, o atual CPC/2015, que denomino nos meus sentires (ou sentenças) de Código Fux, fez com que este, logo no primeiro momento, expresse:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

O Mestre CASSIO SCARPINELLA BUENO deita, nas considerações iniciais dos Comentários ao Código de Processo Civil: “(...) em última análise, voltado ao estudo da atividade-fim do Poder Judiciário, o exercício da função jurisdicional evidencia-se a indispensabilidade de seu estudo dar-se a partir da Constituição Federal. É ela – e não as leis – que moldam o “ser” (ou melhor, o dever-ser) do Estado brasileiro, inclusive de seus órgãos jurisdicionais.” (p. 21).

E separa de forma metódica:

O art. 1º, nesse sentido tem a missão de lembrar os aplicadores de direito processual civil como um todo e do Processo Civil em particular, que ele deve ser interpretado, antes de tudo, a partir da própria Constituição Federal; que ele só pode vincular seus destinatários na exata medida em que tenha observado o observe o “modelo constitucional”.

No outro parágrafo continua (ob. cit., p. 23):

(...) o que se espera do intérprete e do aplicado do direito é a busca pela possível compatibilização, aplica-se a lei devidamente conformada ao “modelo constitucional”, verdadeiro processo de “filtragem constitucional”. Se não, deve prevalecer a Constituição Federal sobre a disposição infraconstitucional, irremediavelmente, inconstitucional.

LÊNIO LUIZ STRECK e outros tratam da matéria nos Comentários ao Código de Processo Civil (p. 28). O dado hermenêutico do art. 1º do novo Código Fux ficou no pincel de LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, e ele ratifica, in verbis:

(...) o dispositivo encerra uma obviedade. Não somente as normas processuais, mas qualquer outra há de ser construída e interpretada de acordo com a Constituição da República. São várias as normas da Constituição Federal que contemplam preceitos de ordem processual. As normas fundamentais constitucionais aplicam-se ao processo.” (...) O conteúdo do art. 1º do CPC é constitucional. Violá-lo é violar a Constituição.

JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA (ob. cit., p. 33) ensina:

No contexto democrático, o modo como se manifestam e relacionam os sujeitos do processo deve observar as garantias mínimas decorrentes do due process of law. Assim, interessam, evidentemente, as regras dispostas no Código de Processo Civil e em outras leis, mas, sobretudo, a norma constitucional. Entendemos que os princípios e valores dispostos na Constituição Federal constituem o ponto de partida do trabalho do processualista.

A lição de nosso melhor doutrinador brasileiro, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (Código de Processo Civil Anotado, 20. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016):

Na parte geral o Novo Código dispensou grande atenção à constitucionalização do processo, dedicando seus doze artigos iniciais para definir aquilo que denominou de Normas Fundamentais do Processo Civil, dentre os quais merecem destaque os princípios do contraditório sem surpresas; da cooperação entre partes e juiz na atividade de formulação do provimento jurisdicional; da sujeição de todos os participantes do processo ao comportamento ao comportamento de acordo com a boa-fé; da duração razoável do processo; da dignidade da pessoa humana; da eficiência da prestação a cargo do Poder Judiciário; da submissão do próprio juiz ao contraditório; da fundamentação adequada das decisões judiciais; da vedação de privilégios da ordem de julgamento das causas. Entre as normas fundamentais figura também a que estimula a prática da justiça coexistencial (juízo arbitral, conciliação e mediação).

Realçam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Código de Processo Civil Comentado, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 195/196), in verbis:

Antes de o processo civil ser ordenado pelo texto normativo do CPC, como preconiza o texto comentado, o processo deve subordinar-se aos valores e princípios constitucionais, como aqueles que fundamentam a República(soberania, cidadania, segurança jurídica, Estado...

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