Decisão monocrática Nº 0806278-28.2023.8.10.0000 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, 3ª Câmara Criminal, 28-04-2023

Data de decisão28 Abril 2023
Número do processo0806278-28.2023.8.10.0000
Ano2023
Classe processualMedidas Investigatórias Sobre Organizações Criminosas
Órgão3ª Câmara Criminal
Tipo de documentoDecisão monocrática


Gabinete Desembargadora SÔNIA AMARAL

TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

MEDIDAS INVESTIGATÓRIAS SOBRE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS N° 0806278-28.2023.8.10.0000

REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO MARANHÃO

REQUERIDOS: EM SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATORA: DESEMBARGADORA SÔNIA MARIA AMARAL FERNANDES RIBEIRO

DECISÃO

1 Relatório

Trata-se de pedido cautelar de busca e apreensão de documentos e outras medidas assecuratórias requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO MARANHÃO em face das seguintes pessoas físicas e jurídicas:

LUIS FELIPE OLIVEIRA DE CARVALHO

ANTONIO JOSÉ DE MAGALHÃES NETO

SAMUEL MARTINS COSTA FILHO

AZMOM P LTDA

TALIHINA RODRIGUES DE CARVALHO

LILIANE GATINHO VIANA

ANTÔNIO JACKSOM LOPES DA SILVA

LYA FERNANDES COSTA ALVES

L F C ALVES EIRELI

THAIS ABREU MELO MARTINS COSTA

THAIS A M MARTINS COSTA

LABORATÓRIO PRONTOLAB

CONSTRUSERVICE EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA

FELIPE OLIVEIRA CANAVIEIRA EIRELI

INGEO AMBIENTAL LTDA

INFATEC COMERCIO E SERVIÇOS TECNOLÓGICOS EIRELI

WR COMÉRCIO E CONSTRUÇÃO

WELKER CARLOS ROLIM

C S CONTROLE E SERVIÇOS LTDA – ME

O referido pedido tem por finalidade a produção de provas no Procedimento Investigatório Criminal n° 032448-750/2022, com o objetivo de apurar ocorrência de organização criminosa, fraude em licitação, peculato, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o prefeito do Município de Santa Inês/MA, LUIS FELIPE OLIVEIRA DE CARVALHO e outros investigados.

Aduz o Ministério Público que a investigação iniciou-se a partir do encaminhamento de provas compartilhadas pela Polícia Federal após a Operação Free Rider, na qual apurou-se suspeitas de montagem e direcionamento de licitações, com pagamento de propina de empresas que ao final beneficiam o prefeito de Santa Inês e pessoas ligadas a ele.

Diz ainda o órgão ministerial que o esquema criminoso, em tese, funcionava de modo que os procedimentos licitatórios fraudulentos eram arquitetados e facilitados por dois articuladores que atuavam ao lado e a mando do chefe do poder executivo municipal, ANTÔNIO JOSÉ DE MAGALHÃES NETO e SAMUEL MARTINS COSTA FILHO.

A investigação revelou que a maioria dos contratos firmados de forma fraudulenta no município de Santa Inês ocorria através do procedimento de adesão fraudulenta à ata de registro de preços de outros municípios. As empresas envolvidas transferiam parte do dinheiro público recebido em pagamento para empresas ligadas aos articuladores, as quais, ao final, transferiam altos valores para o prefeito de Santa Inês.

Por fim, acrescentou o Parquet que foi possível identificar quatro núcleos da organização criminosa: político, operacional, econômico e administrativo, e cada um deles atuava de forma estruturalmente ordenada, com evidente divisão de tarefas e, em tese, obtendo direta e indiretamente vantagens econômicas indevidas.

Dispenso relatar neste tópico mais detalhes acerca do funcionamento da organização criminosa, tal como narrado pelo Ministério Público, vez que os abordarei nos tópicos seguintes.

1.1 Argumentos do requerente

1.1.1 Diante das suspeitas de crimes de fraude em procedimento licitatório, corrupção ativa, peculato, organização criminosa e outros que podem ainda ser comprovados na investigação, revela-se a necessidade de busca e apreensão, bloqueio e sequestro de valores e bens, com o objetivo de obter provas e impedir a destruição de provas essenciais à futura instrução processual, bem como evitar que os criminosos defenestrem seu patrimônio e garantir a futura reparação dos prejuízos causados ao erário.

Pelo exposto, pugnou o Ministério Público pelo deferimento de medidas de busca e apreensão domiciliar e pessoal em face dos requeridos, bem como o bloqueio e sequestro de contas bancárias, bens imóveis, automóveis, aeronaves e embarcações.

Oportuno pontuar, também, que foi formulado pedido de afastamento de sigilos bancário e fiscal, em face dos mesmos fatos e argumentos ora expostos, em trâmite nos autos do Proc. nº 0806371-88.2023.8.10.0000.

Em despacho de ID 24844840, após verificar a inacessibilidade das provas mencionadas pelo Ministério Público - Relatórios de Inteligência Financeira do COAF e conversas extraídas do celular de um dos investigados -, determinei a juntada das provas relevantes aos autos.

A diligência foi devidamente cumprida pelo Ministério Público, que depositou neste juízo cópia das provas mencionadas em mídia física (pen drive), dada a impossibilidade de juntada aos autos eletrônicos no PJe.

É o relatório.

Decido.

2 Linhas argumentativas da decisão

2.1 Breves considerações acerca da busca e apreensão e outras medidas assecuratórias no processo penal

A Constituição Federal Brasileira, em sua extensa lista de direitos e garantias individuais, assegura a todos a inviolabilidade do domicílio dos indivíduos (art. 5º, XI da CF).

Por óbvio, contudo, que não existem direitos absolutos - nem mesmo o supracitado. Por isso mesmo que o próprio texto constitucional estabelece a possibilidade de mitigação dessa garantia em determinadas situações excepcionais, tais como em caso de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro, ou mediante determinação judicial - esta última hipótese se verifica, dentre outras medidas, na expedição de mandados de prisão ou busca e apreensão, por exemplo.

Nesse sentido, a busca e apreensão domiciliar consiste em procedimento regulado por lei, cuja finalidade precípua é a obtenção de fontes materiais de prova e se afigura como medida cautelar plenamente válida, desde que cumpridos os requisitos legais e constitucionais para sua execução.

Na legislação penal, o procedimento é regulado principalmente pelos arts. 240 a 250 do Código de Processo Penal. A norma elenca as seguintes hipóteses:

Art. 240. (...)

§1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

Desse modo, inobstante a importância constitucional conferida ao direito à inviolabilidade domiciliar, não restam dúvidas acerca da possibilidade de mitigação desse direito quando o interesse público exigir. Por evidente que tal relativização é excepcionalíssima, e somente se justifica se verificada inequivocamente a presença dos requisitos necessários para tanto.

Assim, para o deferimento da busca e apreensão, nos termos da legislação processual penal, exige-se que tal medida esteja ancorada em fundadas razões, bem como que seja demonstrada a utilidade da medida em relação às finalidades elencadas na norma.

A mesma fundamentação é válida para o pedido de medidas assecuratórias - bloqueio e indisponibilidade de bens. Tal medida afeta diretamente o direito à propriedade, também garantido constitucionalmente (art. 5º, caput e inc. XXII). No entanto, tal qual o direito à inviolabilidade domiciliar - e, em verdade, todas as garantias individuais -, esse também pode ser mitigado quando configuradas as hipóteses e requisitos legais.

As medidas assecuratórias, dentre as quais se inclui o sequestro e o bloqueio de valores, consistem em medidas cautelares de natureza patrimonial, fundadas precipuamente no interesse público, pela possibilidade de perdimento de bens como efeito extrapenal da condenação, e, secundariamente, no interesse privado do ofendido pela reparação do dano causado, servindo, também, para garantir o pagamento das despesas processuais e das penas pecuniárias ao Estado. Encontram previsão tanto no Código de Processo Penal, nos arts. 126 a 144-A, quanto na Lei nº 9.613/98 (“lavagem de dinheiro”).

Além disso, trata-se de importante instrumento de repressão às movimentações financeiras proporcionadas por crimes contra a Administração Pública e outros correlatos, especialmente quando praticados por organizações criminosas. O enfrentamento à criminalidade organizada perpassa, invariavelmente, pelo confisco do dinheiro e dos bens que esses grupos possuem.

E, a exemplo de todas as cautelares, além das finalidades acima descritas, é necessária a demonstração mínima de indícios da prática de atividades delitivas. Assim, passo a analisar, no tópico seguinte, a presença dos requisitos exigidos para decretação da medida excepcional.

2.2 Das fundadas razões para justificar o pedido

De início, não há dúvidas quanto à finalidade de persecução penal do presente pedido, vez se encontra associado a Procedimento Investigatório Criminal (PIC) instaurado no âmbito do Ministério Público Estadual, voltado à apuração da prática de crimes de organização criminosa, fraude em licitação, peculato, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Prefeito de Santa Inês/MA, LUÍS FELIPE OLIVEIRA DE CARVALHO e outras pessoas suspeitas de participar no esquema criminoso.

Oportuno apontar que o PIC instaurado pelo Ministério Público Estadual teve início após compartilhamento de provas pela Polícia Federal obtidas através da Operação Free Rider. Assim, já existe inquérito policial em trâmite no âmbito da Justiça Federal que apura os mesmos fatos ora narrados. No bojo do referido inquérito é investigado um suposto esquema de fraude em licitações envolvendo a Prefeitura de Santa Inês e a empresa Droga Rocha Distribuidora de Medicamentos Ltda. Nesse processo foi determinado, inclusive, o afastamento do prefeito LUÍS FELIPE OLIVEIRA DE CARVALHO da função pública, além de outras medidas cautelares em face dos demais investigados, fato que logo virou notícia veiculada em diversos noticiários.

Desse modo, resta patente que o pedido de busca e apreensão formulado pelo Ministério Público destina-se à apuração da prática de delitos, enquadrando-se em...

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