Decisão monocrática Nº 0814380-44.2020.8.10.0000 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Segundas Câmaras Cíveis Reunidas, 25-08-2021

Data de decisão25 Agosto 2021
Número do processo0814380-44.2020.8.10.0000
Year2021
Classe processualAção Rescisória
ÓrgãoSegundas Câmaras Cíveis Reunidas
Tipo de documentoDecisão monocrática (Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão)


SEGUNDAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS

AÇÃO RESCISÓRIA NO 0814380-44.2020.8.10.0000 – SÃO LUÍS

Autor: Sebastião dos Santos

Advogados: Carlos Luiz Olimpio Bacelar (OAB/MA 6.737) e Carlos Herbet Medeiros Olimpio (OAB/MA 19.221)

Réus: Sebastião Lopes de Sousa e Edna Bastiane Prad

Relator: Desembargador Marcelo Carvalho Silva

DECISÃO

I – Relatório

Trata-se de ação rescisória, com pedido de tutela de urgência, proposta por Sebastião dos Santos objetivando desconstituir a decisão monocrática proferida pelo Desembargador JOSÉ DE RIBAMAR CASTRO, que, nos termos do art. 932, inc. IV, “a”, do CPC (Código Fux) e da Súmula 568, do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento à Apelação Cível nº 0801459-97.2019.8.10.0029 (id. 8076907), para manter a sentença recorrida, a qual, nos autos da ação de imissão na posse ajuizada pelos então apelados Sebastião Lopes de Sousa e Edna Bastiani Prado em desfavor do então réu/apelante, ora autor, julgou procedentes os pedidos contidos na inicial para determinar a imissão definitiva na posse e devolução do bem imóvel descrito na inicial em favor dos então autores/apelados, ora réus.

Na petição inicial, o autor alega que figurou no polo passivo da ação reivindicatória proposta em seu desfavor por Sebastião Lopes de Sousa e sua mulher, Edna Bastiane Prado, em fevereiro de 2019, “serem legítimos proprietários, por justo título e aquisição legal do imóvel constituído por um terreno, onde já foi construído um galpão, limitando-se pela frente com a Rua 24 de Outubro, pela lateral direita com a propriedade de Emiliano Cruz, pela lateral esquerda com a Avenida Paulo Ramos e pelos fundos com a propriedade da Igreja Batista Luz e Vida, com uma área total de 176,46m², o qual foi objeto do Contrato de Aforamento nº 3.960, celebrado em outubro de 1991 pelo Município de Caxias com Antônio Augusto de Melo Lobão, quando o ora réu, Sebastião Lopes de Sousa, exercia o cargo de Prefeito Municipal de Caxias.

Assevera que o aforamento foi objeto de alienação firmada entre o então foreiro, Antonio Augusto de Melo Lobão, e o então autor/apelado, ora réu, Sebastião Lopes de Sousa, também no ano de 1991.

Aduz que, no mês de agosto de 2009, o Município de Caxias autorizou a transferência do aforamento em favor do réu, Sebastião Lopes de Sousa, ocasião em que esta autorização foi levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis daquela cidade, no Livro de Registro Geral de Imóveis nº 2-AR, às fls. 188, Matrícula 14.119, datada de 12 de agosto de 2009.

Argumenta, entretanto, que, “em análise aos documentos apresentados pelos Réus, não diz respeito a nenhuma Escritura Pública de Compra e Venda do aludido Imóvel, mesmo porque se trata de bem público – de domínio público, porém, aforado com cláusula de enfiteuse. Da mesma forma, também não se visualiza qualquer contrato de compra e venda do referido bem imóvel, celebrado entre o Poder Público Municipal e o Sr. Sebastião Lopes de Sousa.”

Por outro lado, afirma que “a área do imóvel aqui em disputa diz respeito ao objeto da Matrícula nº. 541, registrada no Livro 2–C, às fls 43, Registro R-27 541, Livro de Registro do Cartório de Imóveis, da cidade de Caxias, datado de 7 de março de 1.978 – Aforamento emitido em favor de filhos de Emiliano Ferreira da Cruz e Maria das Dores Silva Cruz, tendo como transmitente a Prefeitura Municipal de Caxias, cuja posse foi transferida ao Sr. Sebastião dos Santos, mediante Recibo de Compra e Venda, datado do dia 1º de fevereiro do ano de 1.993, ocasião em que foi imitido na posse do referido imóvel, onde permanece até a presente data e onde exerce as suas atividade comerciais no ramo de serralheria.”

Repisa que “o contrato de enfiteuse ou aforamento emitido em favor do Sr. Antonio Augusto de Melo Lobão, e transferido em agosto de 2009 ao Sr. Sebastião Lopes de Sousa, trata-se da mesma área do imóvel urbano, objeto da Matrícula nº 541, R-27-541, Livro de Registro Geral de Imóveis, 2-C, às fls. 43, do Cartório de Registro de Imóveis da cidade de Caxias, registrado em favor dos filhos do Sr. Emiliano Ferreira da Cruz e Maria das Dores Silva Cruz, e como tal não pode sobrepor-se ao contrato de enfiteuse ou aforamento já existente anteriormente, desde as remotas datas do ano de 1978, cuja posse foi adquirida pelo [ora autor], o Sr. Sebastião dos Santos, em fevereiro do ano de 1.993”

Diz que, em decorrência da “inexistência de aquisição legal do bem aqui em litígio”, os réus são carentes do direito de ação para reivindicarem “por não ostentarem a qualidade de legítimos senhores e proprietários do referido imóvel, vez que os poderes inerentes ao domínio são de propriedade exclusiva do Município de Caxias”, não tendo os réus ostentado e exercido o direito de posse.

Assevera que o julgamento antecipado dos pedidos impossibilitou “comprovar-se que o bem imóvel em disputa judicial trata-se do mesmo bem imóvel, e não de áreas diversas/diferentes entre si, objetos de Contratos de Enfiteuse ou Contratos de Aforamentos em favor do Município de Caxias/MA, com a incidência de 02 (dois) Registros e Matrículas diversas sobre o mesmo bem imóvel.”

Nesse contexto, o autor fundamenta a sua pretensão rescisória nas hipóteses previstas nos incisos V (violação manifesta a normas jurídicas) e VIII (erro de fato), ambas do art. 966, do Código Fux.

Em relação à primeira hipótese, o autor sustenta que “não comporta ação reivindicatória em busca de domínio alheio, em favor de suposto titular de direito real, por não dispor ao mesmo tempo de domínio útil do referido bem imóvel, de propriedade exclusiva do poder público municipal de Caxias, vinculado a 02 (dois) contratos de enfiteuse ou aforamento.”

Quanto ao outro fundamento rescisório, referente à decisão rescindenda fundada em erro de fato, assevera que “não pende nenhuma existência de domínio útil sobre o imóvel aqui em disputa, em favor dos réus, isso porque o contrato de enfiteuse ou aforamento não outorga a transmissão de domínio útil ao ferreiro/enfiteuta/arrendatário.”

Ao final, requer a concessão de tutela provisória para suspender a execução da decisão rescindenda, e, no mérito, a procedência da sua pretensão rescisória.

II – Desenvolvimento

O autor pretende desconstituir a decisão unipessoal da lavra do Desembargador JOSÉ DE RIBAMAR CASTRO, que negou provimento à Apelação Cível nº 0801459-97.2019.8.10.0029 (id. 8076907), mantendo integralmente a sentença então recorrida, proferida nos autos da ação reivindicatória proposta pelos ora réus, Sebastião Lopes de Sousa e Edna Bastiani Prado, que julgou procedentes os pedidos para determinar a imissão definitiva dos então autores/apelados na posse do imóvel em questão.

Não há dúvida de que a ação rescisória é instrumento legítimo posto pelo ordenamento jurídico para viabilizar a desconstituição da coisa julgada. Porém, as hipóteses para o cabimento dessa via excepcional são restritas, não se permitindo a realização de juízo de reexame ou retratação, conferindo-se nova interpretação de lei ou análise de fatos da causa, com finalidade de corrigir suposta injustiça da decisão rescindenda.

No caso dos autos, a ação rescisória está fundamentada nas hipóteses dos incisos V e VIII, do art. 966, do Código Fux, que assim estabelecem:

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

V - violar manifestamente norma jurídica;

(...)

VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado. (grifei)

A violação de que trata a hipótese do inciso V, do art. 966, do Código Fux, suficiente para legitimar a rescisão de sentença ou acórdão, somente ocorre quando o órgão julgador aplica interpretação manifestamente contrária ao conteúdo da norma jurídica. Essa “violação” deve ser aberrante, evidente, flagrante, cristalina, teratológica, extravagante, que dispense o reexame dos fatos e das provas da causa.

É o que leciona, o festejado processualista mineiro HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

Andou bem, ainda, o novo Código quando substituiu, no permissivo da rescisória, a expressão violação de “literal disposição de lei” (que sempre foi polêmica) por violação “manifesta”. Doutrina e jurisprudência já se harmonizavam em torno do entendimento de que, para o fim de cabimento da rescisória, “viola-se a lei não apenas quando se afirma que a mesma não está em vigor, mas também quando se decide em sentido diametralmente oposto ao que nela está posto, não só quando há afronta direito ao preceito, mas também, quando ocorre exegese induvidosamente errônea”.

Quando a lei anterior falava em violação à literalidade de disposição de lei, queria realmente exigir, para cabimento da rescisória, que a sentença houvesse cometido uma ofensa frontal, evidente, à norma legal, de modo aberrante ao preceito nela contido; e não cogitava do modo como que os fatos fossem analisados, nem tampouco do modo de interpretar a lei, quando mais de um entendimento dela se poderia extrair.

Violação manifesta, referida pelo art. 966, V, do novo Código exprime bem a que se apresenta formal e evidente à norma, e não a que decorre apenas de sua interpretação diante da incidência, sobre determinado quadro fático.

(in Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, 47.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 854-855) (grifei)

Nesse conceito, repiso, não deve ser cogitada a justiça ou injustiça no modo de interpretar a lei, sendo irrelevante, para fins de aplicação do juízo rescisório, a invocação da melhor interpretação da norma jurídica aplicada pelo julgador, escapando do seu alcance reexame de questões fáticas ou reexame de provas.

Em suma, a decisão rescindenda que viola manifestamente norma jurídica é aquela que, de forma aberrante e teratológica, analisa os fatos enquadrando-os a um preceito legal totalmente diverso e estranho àquela...

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