Decisão monocrática Nº 0824084-13.2022.8.10.0000 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, 4ª Câmara Cível, 16-05-2023

Data de decisão16 Maio 2023
Número do processo0824084-13.2022.8.10.0000
Ano2023
Classe processualConflito de Competência Cível
Órgão4ª Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática


QUARTA CÂMARA CÍVEL

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NO 0824084-13.2022.8.10.0000

Suscitante: Juízo de Direito da 5ª Vara Cível De Imperatriz

Suscitado: Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Imperatriz

Relator: Desembargador Marcelo Carvalho Silva

DECISÃO

I – Relatório

Adoto o relatório contido no parecer ministerial (Id. 24855320), in verbis:

O presente conflito de competência é suscitado pelo Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Imperatriz que recusou a distribuição por sorteio dos autos, após declinação de competência pelo Juiz da 4ª Vara Cível de Imperatriz, para conhecer e julgar a ação de adjudicação compulsória c/c retificação de registro imobiliário ajuizada por Francisco Pereira Cardoso em face de Markwli da Silva Anjos e outros. Na ação, o requerente pleiteia a expedição de carta de adjudicação que supra a outorga e possibilite o registro de seu nome. na condição de proprietário do imóvel, matriculado sob o n° 19.140, L n° 2 - CE, fis. 140, do Cartório 7" Oficio Extrajudicial de Imperatriz, bem como a consequente retificação da área no registro público, para constar os limites e confrontações do imóvel ali matriculado de acordo com o contrato de compra e venda celebrado entre os litigantes. O suscitado, para quem o processo foi distribuído originariamente, sustenta que a causa deveria ser conhecida pelo juízo comum cível, pois a demanda em questão é a adjudicação compulsória de imóvel e pleito de indenização sendo o pedido de retificação de matrícula insuficiente para estabelecer a competência exclusiva desta 4ª Vara Cível, no caso concreto. Por sua vez o suscitante afirma que o pedido de retificação de registro imobiliário é suficiente para atrair a competência absoluta do juízo da 4ª Vara Cível de Imperatriz

II – Desenvolvimento

II.I – Modelo constitucional do processo civil

In Constituição da República 30 Anos Depois (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019), uma coletânea de estudos em homenagem ao Ministro LUIZ FUX, na apresentação, os três Coordenadores, ABHNER YOUSSIF MOTA ARABI, FERNANDO MALUF e MARCELLO LAVENÈRE MACHADO NETO, expressam com habilidades doutrinárias e hermenêuticas que:

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a sétima de nossa história, foi editada com a pretensão de inaugurar novos tempos em nossa nação, propugnando por valores que conduziriam, durante sua concretização, a uma maior promoção da cidadania e igualdade material. Em 2018 nossa Constituição chega aos 30 anos. Já é a segunda mais longeva de nosso período republicano e apresenta, ainda, perspectivas de longos anos de vigência. Além de ser este um momento de celebração de seu aniversário, é tempo também de se fazer um balanço entre aquilo que o texto prometia, e o que se conseguiu alcançar e os pontos em que ainda podemos – e devemos – avançar. O que será que constituímos nesses 30 anos?

Continuam os Coordenadores (ob. cit., p.13), in verbis:

Apesar dos avanços, ainda há muito em progredir. Por definição, os direitos fundamentais envolvem em seu conceito aspectos de progresso e de historicidade, como indicadores de sua concepção aberta e dinâmica, construída ao longo do tempo, que conduz a um contínuo caminhar. Ainda que assim não fosse, há enunciados normativos constitucionais que ainda não foram concretizados em sua inteireza, comprometendo a eficácia plena da cidadania então idealizada para a nova sociedade brasileira.

O legislador, ao verificar o vácuo no Código de Processo Civil de 1973, conhecido como Código Buzaid, quanto ao não abraçar os valores e normas constitucionais, o atual CPC/2015, que denomino nos meus sentires (ou sentenças) de Código Fux, fez com que este, logo no primeiro momento, expresse:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

O Mestre CASSIO SCARPINELLA BUENO deita, nas considerações iniciais dos Comentários ao Código de Processo Civil: “(...) em última análise, voltado ao estudo da atividade-fim do Poder Judiciário, o exercício da função jurisdicional evidencia-se a indispensabilidade de seu estudo dar-se a partir da Constituição Federal. É ela – e não as leis – que moldam o “ser” (ou melhor, o dever-ser) do Estado brasileiro, inclusive de seus órgãos jurisdicionais.” (p. 21).

E separa de forma metódica:

O art. 1º, nesse sentido tem a missão de lembrar os aplicadores de direito processual civil como um todo e do Processo Civil em particular, que ele deve ser interpretado, antes de tudo, a partir da própria Constituição Federal; que ele só pode vincular seus destinatários na exata medida em que tenha observado o observe o “modelo constitucional”.

No outro parágrafo continua (ob. cit., p. 23):

(...) o que se espera do intérprete e do aplicado do direito é a busca pela possível compatibilização, aplica-se a lei devidamente conformada ao “modelo constitucional”, verdadeiro processo de “filtragem constitucional”. Se não, deve prevalecer a Constituição Federal sobre a disposição infraconstitucional, irremediavelmente, inconstitucional.

LÊNIO LUIZ STRECK e outros tratam da matéria nos Comentários ao Código de Processo Civil (p. 28). O dado hermenêutico do art. 1º do novo Código Fux ficou no pincel de LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, e ele ratifica, in verbis:

(...) o dispositivo encerra uma obviedade. Não somente as normas processuais, mas qualquer outra há de ser construída e interpretada de acordo com a Constituição da República. São várias as normas da Constituição Federal que contemplam preceitos de ordem processual. As normas fundamentais constitucionais aplicam-se ao processo.” (...) O conteúdo do art. 1º do CPC é constitucional. Violá-lo é violar a Constituição.

JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA (ob. cit., p. 33) ensina:

No contexto democrático, o modo como se manifestam e relacionam os sujeitos do processo deve observar as garantias mínimas decorrentes do due process of law. Assim, interessam, evidentemente, as regras dispostas no Código de Processo Civil e em outras leis, mas, sobretudo, a norma constitucional. Entendemos que os princípios e valores dispostos na Constituição Federal constituem o ponto de partida do trabalho do processualista.

A lição de nosso melhor doutrinador brasileiro, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (Código de Processo Civil Anotado, 20. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016):

Na parte geral o Novo Código dispensou grande atenção à constitucionalização do processo, dedicando seus doze artigos iniciais para definir aquilo que denominou de Normas Fundamentais do Processo Civil, dentre os quais merecem destaque os princípios do contraditório sem surpresas; da cooperação entre partes e juiz na atividade de formulação do provimento jurisdicional; da sujeição de todos os participantes do processo ao comportamento de acordo com a boa-fé; da duração razoável do processo; da dignidade da pessoa humana; da eficiência da prestação a cargo do Poder Judiciário; da submissão do próprio juiz ao contraditório; da fundamentação adequada das decisões judiciais; da vedação de privilégios da ordem de julgamento das causas. Entre as normas fundamentais figura também a que estimula a prática da justiça coexistencial (juízo arbitral, conciliação e mediação).

Realçam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Código de Processo Civil Comentado, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 195/196), in verbis:

Antes de o processo civil ser ordenado pelo texto normativo do CPC, como preconiza o texto comentado, o processo deve subordinar-se aos valores e princípios constitucionais, como aqueles que fundamentam a República(soberania, cidadania, segurança jurídica, Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político), confirmam a democracia e resguardam os direitos fundamentais dos cidadãos e de toda pessoa, (CF 5º) e permitem a existência de sociedade civil livre e organizada. Isto porque, sendo a CF a ordem fundamental que dá a direção do ordenamento jurídico, nada mais natural que o processo civil se submeta a todas determinações dela emanadas, para cumprir o papel que lhe é próprio, de pacificação do espaço privado de vivência dos cidadãos, na República, pelo exercício legítimo do Poder Jurisdicional do Estado.

Nesta decisão não posso esquecer a posição do Mestre LÊNIO STRECK em Hermenêutica, Jurisdição e Decisão:

E, portanto, queríamos que os juízes não fossem “boca da lei”. Tenho defendido que com a vitória da democracia, não é necessário mais fazer esse tipo de aposta. Aliás, se eu fosse fazer uma escolha, no atual momento, melhor mesmo é que os juízes sejam a “boca que pronuncia a Constituição”.

É verdade. A nossa Carta Federal, que denomino como Bíblia Republicana Constitucional em razão do livro do já Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB...

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