Decisão Monocrática Nº 0900024-21.2015.8.24.0135 do Quarta Câmara de Direito Público, 16-08-2019

Número do processo0900024-21.2015.8.24.0135
Data16 Agosto 2019
Tribunal de OrigemNavegantes
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação / Remessa Necessária n. 0900024-21.2015.8.24.0135 de Navegantes

Apelante : Estado de Santa Catarina
Procuradores : Felipe Barreto de Melo (OAB: 32701BS/C) e outro
Apelado : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotor : Marcio Gai Veiga (OAB: 25539/SC)
Apelado : Município de Navegantes
Advogados : Linda Brittes Mandelli (OAB: 25046/SC) e outro
Interessado : Henrique Gregório Ebele

Relator(a) : Desembargadora Vera Copetti

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Trato de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, na Comarca de Navegantes, contra o Estado de Santa Catarina e o Município de Navegantes, como substituto processual do idoso Henrique Gregório Eberle, alegando que este padece de angina pectoris (CID I20.9), necessitando fazer uso contínuo dos medicamentos Atorvastatina 20mg e Selozok 50mg.

Pontuou que solicitado o fornecimento do tratamento, administrativamente, o pedido foi negado, sob o fundamento de que os fármacos não se acham padronizados, nos programas oficiais do Ministério da Saúde, para tratamento da patologia de que padece o interessado.

Requereu a concessão de tutela antecipada e, ao final, a procedência dos pedidos, para condenar os réus ao fornecimento do tratamento ao beneficiário e "a todos mais que da medicação necessitarem" (pp. 01-11). Juntou documentos (pp. 12-19).

Pela decisão de pp. 20-21 foi deferida a tutela antecipada, apenas em relação ao interessado.

Citados, os réus contestaram a pretensão (pp. 39-55 e 58-67) e o Estado de Santa Catarina, concomitantemente, interpôs agravo retido em desfavor da decisão que concedeu a tutela antecipada, se insurgindo contra a multa diária e o prazo fixado para cumprimento da decisão (pp. 31-38).

Foram apresentadas réplica (pp. 77-81) e contrarrazões ao agravo retido (pp. 74-76).

Sobreveio a sentença, de parcial procedência, de pp. 82-91, estando o seu dispositivo assim redigido:

"Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido exordial, para confirmar a tutela antecipada já deferida e resolver o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC.

Deverá o interessado comprovar a necessidade dos medicamentos trimestralmente junto à Farmácia Municipal, sob pena de suspensão do fornecimento, exceto se se tratar de medicação controlada, hipótese na qual, para obtê-la, apresentar mensalmente na Farmácia Municipal o receituário original, que será retido pela Municipalidade, em atendimento das exigências da Portaria MS 344/98.

Isento os réus do pagamento das custas processuais, nos termos do art. 33 da LC 156/97, do Estado de Santa Catarina.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Sentença sujeita ao reexame necessário"

Inconformado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (pp. 97-108) e, sustentou, nas razões, a existência de alternativas terapêuticas disponíveis na rede pública de saúde; a inexistência de prova nos autos quanto à sua ineficácia e, ainda, que não foi provada a imprescindibilidade dos fármacos postulados em favor do beneficiário.

Disse, também, que está ausente a demonstração da hipossuficiência do beneficiário e de seu núcleo familiar, do que decorre a improcedência do pedido.

De forma subsidiária, requereu a autorização para fornecimento do fármaco de acordo com seu princípio ativo e não pelo nome comercial e a exclusão e/ou redução da multa diária ou sua conversão em sequestro.

Contrarrazões às pp. 112-122.

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça, inclusive para reexame necessário, por determinação do togado singular.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. César Augusto Grubba, pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, acolhendo-se apenas o apelo em razão da conversão da multa cominatória em sequestro de valores e à necessidade de menção do nome do princípio ativo do medicamento a ser fornecido (pp. 151-159).

Este é o relatório.

Decido monocraticamente, o que faço amparada pelo disposto no art. 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil (CPC) e art. 132, inciso XIV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, eis que a matéria posta à apreciação encontra-se pacificada no âmbito deste Sodalício.

Analisados os autos, tenho que o caso reclama o reconhecimento, de ofício, da nulidade da sentença combatida, tendo em vista a ocorrência de inegável cerceamento de defesa, diante da não realização de prova pericial - a qual é tida como indispensável em feitos como o presente - assim como da realização de estudo social e/ou juntada de documentação visando a comprovação da hipossuficiência financeira do substituído.

É sabido que, quando verificada, a nulidade pode ser reconhecida a qualquer momento processual e grau de jurisdição, inclusive ex officio, independente da manifestação da parte.

Em igual sentido, precedente desta Corte de Justiça:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N. 8.429/92). IRREGULARIDADES EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO TENDENTE À CONCESSÃO DO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. PLEITO DE ENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS NOS ARTS. 10, CAPUT, VIII, E 11, CAPUT, I, DA LEI N. 8.429/92. SUPOSTO DIRECIONAMENTO DO RESULTADO À EMPRESA DA QUAL É SÓCIO O EX-PREFEITO MUNICIPAL. FORTES INDÍCIOS DA OCORRÊNCIA DOS ATOS QUE, EM TESE, CONFIGURARIAM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NECESSIDADE, TODAVIA, DE DILAÇÃO PROBATÓRIA, SOBRETUDO PROVA TESTEMUNHAL, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO, COM AMPLA POSSIBILIDADE DE INFLUIR NA DECISÃO. INSTRUÇÃO IMPRESCINDÍVEL PARA A CORRETA SOLUÇÃO DA QUAESTIO. BUSCA DA VERDADE REAL. EXEGESE DO ART. 130 C/C O ART. 437, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA, DE OFÍCIO. "Existindo necessidade de dilação probatória para aferição de aspectos relevantes da causa, o julgamento antecipado da lide importa em violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa" (Apelação Cível n. 2007.035781-4, de Joinville, rel. Des. Ricardo Roesler, j. em 26/10/2010). A decretação do cerceamento de defesa, mesmo que de ofício, não constitui ofensa às normas processuais, tendo em vista que a ampla defesa é um princípio basilar do processo consagrado constitucionalmente (art. 5º, LV, da Constituição Federal). (...) RECURSO VOLUNTÁRIO E REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADOS. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.035525-6, de São José, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 04-11-2014 - grifei).

Ainda, para a caracterização da nulidade, necessária a existência de dano processual, já que não há como reconhecer nulidade se dela não decorrer qualquer prejuízo - "pas de nullité sans grief". Homenageiam-se, assim, os princípios informativos do processo, em especial a eficácia e celeridade processual.

A doutrina corrobora:

A invalidade processual é sanção que somente pode ser aplicada se houver a conjugação do defeito do ato processual (pouco importa a gravidade do defeito) com a existência de prejuízo. Não há nulidade processual sem prejuízo (pas de nullité sans grief). A invalidade processual é sanção que decorre da incidência de regra jurídica sobre um suporte fático composto: defeito + prejuízo. Sempre - mesmo quando se trate de nulidade cominada em lei, ou as chamadas nulidades absolutas. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento - 19. Ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, p. 457).

No caso telado, como já referido, entendo pela imprescindibilidade da dilação probatória. Nesse sentir, a decisão que julga o feito de forma antecipada, sem conferir às partes oportunidade para comprovação de suas alegações, traz claro prejuízo, já que viola os princípios do contraditório e a ampla defesa.

Frente ao contexto da judicialização na área da saúde, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a controvérsia instalada no Tema n. 106 de repercussão geral, sobre a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, cuja ementa do julgado tem o seguinte teor:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.

1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.

2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.

3. Tese afetada:...

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