Decisão Monocrática Nº 0900158-48.2015.8.24.0135 do Quarta Câmara de Direito Público, 10-01-2020

Número do processo0900158-48.2015.8.24.0135
Data10 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemNavegantes
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação / Remessa Necessária n. 0900158-48.2015.8.24.0135 de Navegantes

Apelante : Estado de Santa Catarina
Procurador : Felipe Barreto de Melo (OAB: 32701/SC)
Apelado : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotor : Marcio Gai Veiga (Promotor)
Interessado : Salete Sipriani

Relator(a) : Desa. Vera Copetti

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Trato de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, na Comarca de Navegantes, contra o Estado de Santa Catarina, como substituto processual de Salete Sipriani, alegando que esta é portadora de transtorno de ajustamento (CID F43.2) e necessita fazer uso contínuo do medicamento Pristiq 100mg (succinato de desvenlafaxina).

Pontuou que a substituída não possui condições de custear o tratamento e que solicitado seu fornecimento, administrativamente, o pedido foi negado, sob o fundamento de que o fármaco não se acha padronizado, nos programas do Ministério da Saúde, para o tratamento da moléstia que acomete a substituída.

Requereu a concessão de tutela antecipada e, ao final, a procedência do pedido, para condenar o réu, em definitivo, no fornecimento dos fármacos à substituída e "a todos mais que da medicação necessitarem" (pp. 01-10). Juntou documentos (pp. 11-18).

Pela decisão de pp. 19-20 foi concedida a antecipação de tutela almejada. Todavia, apenas em relação à interessada.

Citado, o réu contestou a pretensão (pp. 29-46) e, concomitantemente, interpôs agravo retido em desfavor da decisão que concedeu a tutela antecipada, insurgindo-se contra o prazo fixado para o cumprimento da decisão (pp. 25-27).

Houve réplica (pp. 53-61).

Sobreveio a sentença, de procedência, de pp. 62-69, estando o seu dispositivo assim redigido:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE, em partes, o pedido da exordial, confirmando a tutela antecipada, para determinar que o Estado de Santa Catarina forneça o medicamento Pristiq 100mg (succinato de desvenlafaxina), na quantidade e forma prescrita à p. 14 e pelo tempo necessário, em prazo não superior a 30 dias, conforme princípio da razoabilidade.

Oficie-se o Estado de Santa Catarina, por intermédio da Gerência Regional de Saúde desta Comarca, para o pronto e integral cumprimento desta decisão, sob as penas da lei.

Determino a comprovação, a cada 3 meses, da enfermidade que acomete a paciente, na forma antes especificada.

Isento o demandado do pagamento das custas processuais, nos termos da Lei Complementar n. 156/97 do Estado de Santa Catarina.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

O ente estadual interpôs recurso de apelação (pp. 75-88), requerendo, preliminarmente, o conhecimento e apreciação do agravo retido.

No mérito, sustentou a existência de alternativas terapêuticas disponíveis na rede pública de saúde e que inexiste nos autos prova de sua ineficácia. Disse que não há provas do alegado na inicial quanto à imprescindibilidade do fármaco postulado em favor da beneficiária, assim como quanto ao atendimento do requisito da hipossuficiência previsto em incidente de resolução de demandas repetitivas, do que decorre a improcedência do pedido.

De forma subsidiária, requereu autorização para fornecimento do fármaco de acordo com seu princípio ativo e não pelo nome comercial e a exclusão e/ou redução da multa diária ou sua conversão em sequestro.

Contrarrazões às pp. 129-136.

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça, inclusive para reexame necessário, por determinação do togado singular.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jacson Corrêa, opinando "pelo não conhecimento do Agravo Retido, bem como pelo conhecimento e para que se negue provimento ao recurso e à remessa necessária, mantendo-se incólume a sentença de fls. 110-115, por seus próprios termos e fundamentos" (p. 108-113).

Pela decisão de pp. 117-121 determinei o envio dos autos à Turma de Recursos; contudo, os autos foram restituídos a este Sodalício.

É o relatório do essencial.

Decido monocraticamente, o que faço amparada pelo disposto no art. 932, incisos III e VIII, do Código de Processo Civil (CPC) e art. 132, inciso XIV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, eis que a matéria posta à apreciação encontra-se pacificada no âmbito deste Sodalício.

Inicialmente, em razão da devolução dos autos, reanaliso e firmo a competência recursal deste Tribunal de Justiça, não havendo falar em aplicação do rito do Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei n. 12.153/09), eis que a ação em tela foi proposta em 19-06-2015 (p. 01), anteriormente, portanto, ao marco temporal estabelecido pelo Grupo de Câmaras de Direito Público a partir do qual consideram-se instalados os Juizados Especiais da Fazenda Pública, objeto de seu Enunciado XI, verbis:

Nos termos da 1ª Conclusão do Grupo de Câmaras de Direito Público (DJE n. 2.023, p. 1-2, de 17-12-2014), ratifica-se que são da competência recursal do Tribunal de Justiça as ações cujas petições iniciais tenham sido protocoladas até 23 de junho de 2015, ressalvados os casos anteriores a essa data em que houve inequívoca adoção do rito da Lei n. 12.153, de 22 de dezembro de 2009.

Solvida a questão da competência, analisados os autos, tenho que o caso reclama o reconhecimento, de ofício, da nulidade da sentença combatida, tendo em vista a ocorrência de inegável cerceamento de defesa, diante da ausência de dilação probatória no que atine à comprovação da hipossuficiência financeira da substituída e de seu núcleo familiar.

É sabido que, quando verificada, a nulidade pode ser reconhecida a qualquer momento processual e grau de jurisdição, inclusive ex officio, independente da manifestação da parte.

Em igual sentido, precedente desta Corte de Justiça:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N. 8.429/92). IRREGULARIDADES EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO TENDENTE À CONCESSÃO DO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. PLEITO DE ENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS NOS ARTS. 10, CAPUT, VIII, E 11, CAPUT, I, DA LEI N. 8.429/92. SUPOSTO DIRECIONAMENTO DO RESULTADO À EMPRESA DA QUAL É SÓCIO O EX-PREFEITO MUNICIPAL. FORTES INDÍCIOS DA OCORRÊNCIA DOS ATOS QUE, EM TESE, CONFIGURARIAM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NECESSIDADE, TODAVIA, DE DILAÇÃO PROBATÓRIA, SOBRETUDO PROVA TESTEMUNHAL, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO, COM AMPLA POSSIBILIDADE DE INFLUIR NA DECISÃO. INSTRUÇÃO IMPRESCINDÍVEL PARA A CORRETA SOLUÇÃO DA QUAESTIO. BUSCA DA VERDADE REAL. EXEGESE DO ART. 130 C/C O ART. 437, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA, DE OFÍCIO. "Existindo necessidade de dilação probatória para aferição de aspectos relevantes da causa, o julgamento antecipado da lide importa em violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa" (Apelação Cível n. 2007.035781-4, de Joinville, rel. Des. Ricardo Roesler, j. em 26/10/2010). A decretação do cerceamento de defesa, mesmo que de ofício, não constitui ofensa às normas processuais, tendo em vista que a ampla defesa é um princípio basilar do processo consagrado constitucionalmente (art. 5º, LV, da Constituição Federal). (...) RECURSO VOLUNTÁRIO E REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADOS. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.035525-6, de São José, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 04-11-2014 - grifei).

Ainda, para a caracterização da nulidade, necessária a existência de dano processual, já que não há como reconhecer nulidade se dela não decorrer qualquer prejuízo - "pas de nullité sans grief". Homenageiam-se, assim, os princípios informativos do processo, em especial a eficácia e celeridade processual.

A doutrina corrobora:

A invalidade processual é sanção que somente pode ser aplicada se houver a conjugação do defeito do ato processual (pouco importa a gravidade do defeito) com a existência de prejuízo. Não há nulidade processual sem prejuízo (pas de nullité sans grief). A invalidade processual é sanção que decorre da incidência de regra jurídica sobre um suporte fático composto: defeito + prejuízo. Sempre - mesmo quando se trate de nulidade cominada em lei, ou as chamadas nulidades absolutas. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento - 19. Ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, p. 457).

No caso telado, como já referido, entendo pela imprescindibilidade da dilação probatória. Nesse sentir, a decisão que julga o feito de forma antecipada, sem conferir às partes oportunidade para comprovação de suas alegações, traz claro prejuízo, já que viola os princípios do contraditório e a ampla defesa.

Frente ao contexto da judicialização na área da saúde, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a controvérsia instalada no Tema n. 106 de repercussão geral, sobre a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, cuja ementa do julgado tem o seguinte teor:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO...

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