Decisão Monocrática Nº 0901914-87.2018.8.24.0038 do Segunda Vice-Presidência, 22-07-2020

Número do processo0901914-87.2018.8.24.0038
Data22 Julho 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoSegunda Vice-Presidência
Classe processualRecurso Especial
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Especial n. 0901914-87.2018.8.24.0038/50000 de Joinville

Recorrente : João Francisco Kroetz
Advogados : Cristiano Korbes Steffen (OAB: 26347/SC) e outro
Recorrido : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Procs.
de Just. : Abel Antunes de Mello (Procurador de Justiça) e outro

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

João Francisco Kroetz, com fulcro no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, interpôs Recurso Especial contra os acórdão proferidos pela Segunda Câmara Criminal, que, por unanimidade, negou provimento à Apelação interposta contra a sentença que o condenou, mantendo a condenação pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, e, de ofício, readequou a pena de multa (fls. 236-246).

Em síntese, alegou violação ao art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, diante do mero inadimplemento tributário da conduta que lhe foi imputada e da falta de dolo, razão pela qual deve ser absolvido. Alega, ainda, o dissídio jurisprudencial (fls. 1-14 do incidente 50000).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 24-32 do incidente 50000), vieram os autos conclusos a 2ª Vice-Presidência.

É o relatório.

1. Alínea "a" do art. 105, III, da Constituição da República

Alega a defesa a violação ao art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, diante do mero inadimplemento tributário da conduta que lhe foi imputada e da falta de dolo, razão pela qual deve ser absolvido.

A questão foi examinada pela Corte Estadual nos seguintes termos (fls. 239-247):

O recorrente calcou sua argumentação no fato de não considerar crime o não recolhimento de ICMS sem que tal conduta derive de ação fraudulenta, portanto, sem dolo específico de locupletação em desfavor do Fisco, devendo-se reputar o comerciante em tal situação como simples inadimplente tributário, e jamais como criminoso, cabendo contra ele, apenas, o ajuizamento de ação de execução fiscal.

Tal entendimento, no entanto, é sistematicamente rechaçado por esta Corte de Justiça.

[...]

Desse modo, inegável a caracterização do tipo penal descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, que trata de crime omissivo contra a ordem tributária, consistente em "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos", quando o agente, mesmo cobrando de terceiros o ICMS, não o repassa o valor de tributo ao Fisco.

[...]

Fácil perceber, portanto, que o imposto em questão (ICMS) difere-se dos demais pelo fato de que não é suportado pelo sujeito passivo da obrigação fiscal (contribuinte de direito), pois é agregado ao valor da mercadoria ou serviço posto em circulação, e acaba por ser suportado pelo consumidor final. O comerciante é tão somente intermediário na relação tributária.

[...]

E, por fim, quanto ao entendimento de que para a configuração do delito deve estar configurado o dolo específico de fraudar o Fisco, sabe-se que não é o que ocorre com os delitos previstos no art. 2º da Lei n. 8.137/90, para os quais basta a simples perpetração da conduta para que esteja demonstrado o dolo em praticar o ilícito.

[...]

Diante do quadro apresentado, não há falar-se em atipicidade na conduta de deixar de recolher tempestivamente aos cofres públicos o ICMS que integrou o preço de mercadorias efetivamente transacionadas.

Vencidas as teses iniciais, necessário reconhecer que, in casu, a materialidade delitiva restou comprovada por meio do termo de inscrição em dívida ativa n. 18001457961 (p. 6), das DIME's (p. 8/28) e dos demais documentos acostados aos autos, d'onde se conclui o não recolhimento de ICMS devido pela empresa "Thermofibra Industrial LTDA EPP", durante o período de janeiro a outubro de 2017, cujo valor atualizado totaliza R$ 137.193,31 (cento e trinta e sete mil, cento e noventa e três reais e trinta e um centavos), incluídos valores de juros legais e multa.

A autoria, por sua vez, está amplamente comprovada por meio da prova documental e oral constante nos autos, as quais dão conta de que, à época dos fatos, o recorrente era o responsável pela administração da sociedade empresária, exercendo poderes de comando, gerência e zelo pela sua regularidade fiscal, conforme se denota da leitura do contrato social (p. 34/37).

[...]

Logo, uma vez que o apelante, na qualidade de proprietário e administrador da pessoa jurídica - Thermofibra Industrial LTDA EPP - , deixou de recolher aos cofres públicos, a tempo e modo como previsto em lei, o ICMS incidente sobre as operações comerciais, reputa-se plenamente caracterizado o crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90.

Por essas razões, mantém-se o édito condenatório pela prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por 17 (dezessete) vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Como se observa, mediante a análise do conjunto fático-probatório coligido aos autos, o Órgão Fracionado concluiu que a conduta perpetrada pelo recorrente, qual seja, deixar de repassar ao fisco, no prazo legal, o valor do imposto cobrado do consumidor final, amolda-se ao tipo penal descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, o que afastava a tese de ocorrência de mero inadimplemento fiscal e de falta de dolo.

Nesse diapasão, a ascensão do Recurso Especial é inviável porque a Câmara de origem, ao decidir pela tipicidade da conduta em exame, perfilhou tese congruente com a atual jurisprudência do STJ acerca do tema, a qual, inclusive, dada a relevância da matéria, pacificou o debate no âmbito das duas turmas criminais em recente julgado da Terceira Seção:

HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS POR MESES SEGUIDOS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO PELO RÉU DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS 'DESCONTADO E COBRADO'. ABRANGÊNCIA. TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. ORDEM DENEGADA.

1. Para a configuração do delito de apropriação indébita tributária - tal qual se dá com a apropriação indébita em geral - o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade.

2. O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação, no entanto, não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial.

3. A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão "descontado ou cobrado", o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, mas somente aqueles que "descontam" ou "cobram" o tributo ou contribuição.

4. A interpretação consentânea com a dogmática penal do termo "descontado" é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo "cobrado" deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito.

5. É inviável a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica e não há...

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