Decisão Monocrática Nº 0903753-43.2018.8.24.0008 do Segunda Vice-Presidência, 17-06-2020

Número do processo0903753-43.2018.8.24.0008
Data17 Junho 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoSegunda Vice-Presidência
Classe processualRecurso Especial
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Especial n. 0903753-43.2018.8.24.0008/50000, de Blumenau

Rectes. : Charles Fabian Balbinot e outro
Advogado : Francisco Yukio Hayashi (OAB: 38522/SC)
Recorrido : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Procs.
de Just. : Abel Antunes de Mello (Procurador de Justiça) e outro

DECISÃO MONOCRÁTICA

Lara Raquel Maiochi Pereira Balbinot e Charles Fabian Balbinot, com fulcro no art. 105, III, "a", da Constituição da República Federativa do Brasil, interpuseram Recurso Especial contra acórdão da Segunda Câmara Criminal, que, por unanimidade, conheceu do Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Parquet e deu-lhe provimento para declarar extinta a punibilidade dos acusados com relação aos fatos ocorridos até 10-3-2016, e recebeu parcialmente a denúncia no tocante aos delitos em tese consumados nos dias 10-4-2016, 10-5-2016 e 10-7-2016 (fls. 89-107 dos autos principais).

Em síntese, alegaram violação ao art. 7º, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 1º do Código Penal e o art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, art. 41 do Código de Processo Penal. Requereram, ainda, concessão do efeito suspensivo (fls. 1-15 deste incidente).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 23-34 deste incidente), vieram os autos conclusos à 2ª Vice-Presidência.

É o relatório.

De plano, adianta-se que o Recurso Especial não reúne condições de ascender à Corte de destino.

1 Alínea "a" do art. 105, III, da Constituição da República

1.1 Da alegada violação ao art. 7º, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e art. 41 do Código de Processo Penal

Os recorrentes alegaram que houve afronta ao art. 7º, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tendo que vista que a suposta conduta que lhes foi atribuída é atípica, uma vez que tal dispositivo prevê que "ninguém será detido por dívidas", de modo que a detenção pelo mero inadimplemento de uma obrigação de pagar é uma violação à referida norma.

No tocante à alegada violação ao art. 41 do Código de Processo Penal, argumentaram que a denúncia não pontuou os elementos necessários à configuração do crime, pois limitou-se a descrever genericamente o dolo dos supostos agentes, bem como que o Parquet não fez qualquer menção ao requisito da contumácia, "indicando, no máximo, que os denunciados agiram de forma reiterada", motivos pelos quais a exordial acusatória deve ser rejeitada.

Suscitadas violações, no entanto, não foram objeto de discussão, tampouco foram opostos aclaratórios para provocar o debate sobre elas, de modo que a invocação neste momento processual mostra-se prejudicada em razão da ausência de prequestionamento.

Portanto, incidem na hipótese os óbices preconizados pelas Súmulas 282 e 356 do STF, aplicáveis a apelo especial por similitude: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida a questão federal suscitada"; e "O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento".

Nesse sentido:

1. Não há como conhecer do recurso especial interposto sem que a matéria que se pretende analisar haja sido prequestionada perante o Tribunal de origem, por incidência das Súmulas n. 282 e 356, ambas do STF. Para atender esse requisito, é necessário que a questão haja sido objeto de debate pela Corte local, à luz da legislação federal indicada, com emissão de juízo de valor acerca do dispositivo legal apontado como violado. Precedentes (AgRg nos EDcl no AREsp 782.101/PR, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, sexta Turma, j. 19-9-2019).

1.2 Da alegada violação ao art. 1° do Código Penal e art. 2°, inciso II, da Lei n. 8.137/1990

A defesa argumentou que mencionados dispositivos legais foram violados, na medida em que o mero inadimplemento do tributo ISS não configura a conduta típica que lhes foi imputada, e que entender de forma contrária a isso seria permitir a penalização de conduta não descrita em lei.

Sobre a questão, extrai-se do acórdão recorrido (fls. 95-107 dos autos principais):

2. Os Recorridos Charles Fabian Balbinot e Lara Raquel Maiochi Pereira Balbinot foram denunciados porque supostamente, na condição de administradores da Balbinot Consultoria e Assessoria Ltda. Me, teriam deixado de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do ISS relativo às operações/prestações tributáveis dos meses de março de 2015 a abril de 2016 e junho de 2016, apuradas pelo próprio contribuinte através da emissão de Notas Fiscais de Serviço Eletrônicas NFS-e.

Tal conduta, segundo o Ministério Público, configura o crime previsto no art. 2º, inc. II, da Lei 8.137/90: "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".

O Magistrado de Primeiro Grau, no entanto, entendeu que a ação praticada pelos Recorridos Charles Fabian Balbinot e Lara Raquel Maiochi Pereira Balbinot é atípica, pois, na sua ótica, em resumo, o ISS devido não foi descontado ou cobrado de terceiros (de sorte a não estar presente esta elementar do tipo), mas era obrigação própria daqueles, que seriam o contribuinte de direito e de fato, de modo que não haveria apropriação indébita de tributo.

Segundo o Doutor Juiz de Direito, "o contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária) do ISS é a empresa, empresário ou profissional autônomo que presta um serviço tributável", que, "no momento em que a pessoa jurídica ou pessoa física realiza a operação sujeita ao ISS (prestação de serviço), passa a ocupar o polo passivo da obrigação tributária correspondente, tendo, por consequência, o dever de recolher o tributo, na forma e nos prazos estabelecidos na lei".

Pondera que "o fato de repassar a carga econômica do tributo ao tomador do serviço não significa que está 'cobrando' ou 'descontando' o tributo deste", sendo que "o tomador do serviço, salvo nas hipóteses de substituição tributária (que não é o caso dos autos), não é devedor do tributo", mas "tão somente destinatário da carga econômica do imposto (contribuinte de fato), não sendo sujeito passivo da obrigação tributária (devedor do tributo)", ao passo que "o sujeito passivo do ISS é a empresa, empresário ou profissional autônomo que realiza a prestação do serviço e que, por isso, figura no polo passivo da obrigação tributária correspondente (devedor do tributo)".

Explica que, "se o contribuinte do ISS (próprio) deixa de efetuar o recolhimento do tributo aos cofres públicos no prazo legal comete infração tributária, mas não o crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por ausência do elemento do tipo 'descontado ou cobrado'", e conclui ser "forçoso reconhecer, portanto, que o fato narrado na denúncia é atípico" e, "logo, a denúncia deve ser rejeitada, porque ausente uma das condições da ação penal (tipicidade aparente)".

A discussão, então, grosso modo, cinge-se ao papel da empresa, empresário ou profissional autônomo no polo passivo da obrigação tributária nas operações mercantis de prestação de serviços, ou seja, se são eles os contribuintes diretos ou se são sujeitos passivos que cobram o imposto do contribuinte de fato (os consumidores), ao qual é repassada a carga tributária embutida no preço.

Embora não se desconheça a existência de divergência doutrinária e jurisprudencial, entende-se que o ISS, assim como o ICMS, inclui-se na categoria de tributo indireto, na qual o ônus da incidência tributária é transferido pelo contribuinte a terceiro, por meio da sua inclusão no preço da mercadoria.

[...]

Dessa forma, quando deixa de recolher aos cofres públicos, em tempo, o montante pago pelo contribuinte de fato, o contribuinte de direito incide, ao menos em tese, na prática vedada no tipo sob exame, e essa é a hipótese dos autos.

[...]

Em Recurso Especial julgado conforme procedimento previsto para os Recursos Repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que "o ISS é espécie tributária que admite a sua dicotomização como tributo direto ou indireto, consoante o caso concreto" (REsp 1.131.476, Rel. Min. Luiz Fux, j. 9.12.09).

[...]

No caso, conforme apontado pelo Recorrente, a atividade de prestação de serviços dos Recorridos, em tese, "é voltada ao lucro e na precificação, tanto de mercadoria quanto de serviço, o comerciante/prestador de serviço e empresário, inclui o imposto incidente", de modo que o encargo é suportado pelo consumidor.

Nesse contexto, o ISS assemelha-se ao ICMS e, majoritariamente, é considerado tributo indireto, que é cobrado ou descontado, e pode dar azo ao delito do art. 2º, II, da Lei 8.137/90.

De fato, o tema em debate era alvo de divergência entre as Turmas do Superior Tribunal de Justiça especializadas no julgamento de temas penais.

De um lado, a Sexta Turma entendia que "o delito do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 exige que o sujeito passivo desconte ou cobre...

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