Decisão monocrática nº 1001637-90.2022.8.11.0009 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Case OutcomeSentença confirmada em parte
Classe processualCível - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público e Coletivo
Número do processo1001637-90.2022.8.11.0009
AssuntoCirurgia

PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO

REMESSA NECESSÁRIA Nº 1001637-90.2022.8.11.0009

JUÍZO RECORRENTE: JUÍZO DA 2ª VARA DA COMARCA DE COLÍDER

RECORRIDOS: ROMILDA DE OLIVEIRA PIRES DA SILVA

MUNICÍPIO DE COLIDER

ESTADO DE MATO GROSSO

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos, etc.

Trata-se de Remessa Necessária da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Colíder/MT, que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer proposta por Romilda de Oliveira Pires da Silva, por intermédio da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, em desfavor do Município de Colíder e do Estado de Mato Grosso, julgou procedente o pedido contido na inicial, nos seguintes termos:

(...)

Diante do acima exposto, ACOLHO integralmente a pretensão deduzida na inicial e JULGO totalmente PROCEDENTE o pedido da parte autora, confirmando a tutela antecipada deferida ao ID 94150918, para DETERMINAR que os requeridos FORNEÇAM gratuitamente, a parte requerente, todos os recursos necessários para viabilizar o seu tratamento de saúde nos termos da inicial, quer sejam, procedimento cirúrgico, fornecimento de remédios, transporte, consultas, exames, internações ou outras medidas que possam dar efetividade ao TRATAMENTO, independentemente de novas determinações judiciais.

(...) (id. 153428166)

Não houve condenação ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais.

Foi consignado expressamente que a decisão se sujeita ao reexame necessário, nos termos do art. 496 do CPC.

Relata-se na inicial que, a parte Autora, é portadora de DOENÇA ARTERIAL CORONARIAN (CID I20), ESTENOSE MITRAL (CID I05,0), ARRITMIA CARDIACA DO TIPO FLUTTER ATRIAL (CID I49.0), HIPERTENSÃO ARTERIAL (CID I10) e HIPOTIREODISMO MISTA (CID E03), necessitando realizar procedimento cirúrgico de REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA COM TROCA VALVAR MITRAL.

Prossegue aduzindo que o caso é de urgência, eis que a demora do mesmo pode ensejar infarto agudo do miocárdio e graves sequelas cardiovasculares, levando a paciente a ÓBITO.

Afirma que, apesar de regulada desde 20-7-2022, em caráter de emergência, não houve o atendimento devido.

Nesses termos, consubstanciado na urgência do pleito, assim como na hipossuficiência financeira da Autora, foi ajuizada a presente ação visando que os entes federados demandados encaminhem a autora a hospital especializado para realização do procedimento cirúrgico de REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA COM TROCA VALVAR MITRAL, além de outros tratamentos, anteriores e posteriores, que se fizerem necessários.

Os autos não foram submetidos os autos ao crivo do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso – NatJus.

Na decisão disponível no id. 153427738, foi deferida a tutela de urgência pleiteada.

Em contestação, o ente Municipal apresentou contestação, sob id. 153427748, por meio da qual suscita, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva, por entender que o procedimento médico vindicado, por ser de alto custo, é de competência do Estado de Mato Grosso.

No mérito, pugna pela improcedência do pedido, defendendo que a responsabilidade na prestação do serviço é exclusiva do Estado de Mato Grosso, bem como, que não houve demonstração da hipossuficiente financeira da demandante, tampouco da urgência e recusa no atendimento.

De seu turno, o Estado de Mato Grosso invoca, preliminarmente, a ausência de interesse processual, argumentando que houve a perda do objeto, diante da concessão da liminar de natureza satisfativa, bem ainda, que a pretensão vertida na inicial se caracteriza como individual e não albergada pelo direito social e não individual que é a saúde pública.

No mérito, postula pela improcedência do pedido, que, a seu ver, viola as leis orçamentárias, os princípios da separação dos poderes e da reserva do possível, bem como, compromete a isonomia e acesso universal à saúde, além de não demonstrada a ocorrência de danos materiais e morais indenizáveis (id. 153428162).

Impugnação às contestações presente no id. 153428165.

Sobreveio aos autos a prolação da sentença (id. 153428166).

Não houve a interposição de Recurso Voluntário (id 153428173).

A Douta Procuradoria-Geral de Justiça em seu parecer opina pela ratificação da sentença (id. 157754696).

É a suma dos fatos.

Decido.

Antes de adentrar no cerne da questão, esclareço que a lide comporta o julgamento monocrático, por se subsumir ao previsto no artigo 932, inciso V, alínea b, do Código de Processo Civil, veja-se:

Art. 932. Incumbe ao relator:

(...)

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

(...)

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

(...)

Registro, ainda, que a deliberação de forma monocrática pelo Relator é possível sempre que houver entendimento dominante acerca do tema versado, consoante o verbete sumular de nº 568 do STJ, prevendo que o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.

Dito isso, passo ao julgamento monocrático do presente reexame necessário.

Preliminar de ausência de interesse de agir.

Registro que agiu com acerto o magistrado, ao rejeitar a presente preliminar, arguida pelo Estado de Mato Grosso, sob o fundamento de que a parte autora invocou um direito social em caráter individual, e que, deste modo, o mesmo só poderia ser tutelado por meio da implementação de políticas públicas, realizadas, como regra, pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo.

Isso porque, verifica-se que o direito à saúde, encontra-se dentro do rol dos direitos fundamentais, os quais possuem aplicação imediata, e, assim, ensejam a interferência do Poder Judiciário com o espoco de garantir o exercício do direito.

Ademais, é importante mencionar a seguinte orientação doutrinária:

(...)

Define este artigo a saúde como direito subjetivo público, exigível do Estado, o qual deve atuar tanto de forma preventiva como reparativa ou curativa, sendo que a atuação preventiva foi privilegiada. Na verdade, essa definição de saúde coincide em grande parte com aquela adotada pela Organização Mundial de Saúde – OMS, no preâmbulo de sua constituição, que a concebe não apenas como a ausência de doença, mas como um estado de total bem-estar físico, mental e social. Mais do que isso, porém, a amplitude do conceito constitucional da saúde e o seu nítido caráter de direito subjetivo público mostram a indubitável filiação do constituinte à ideia de seguridade social, sobretudo por conta da universalidade do acesso à proteção. Sem dúvida é na saúde que o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento alcança maior aplicação no Brasil, como manifestação do princípio da igualdade.

(...) (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org.); FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 2 ed. atual. Barueri, SP: Manole, 2011. p. 1083). [Destaquei].

Estando o direito fundamental à saúde inserido no conceito de dignidade humana, inserido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, uma vez que não há como se falar em dignidade se não houver condições mínimas de garantia da saúde do indivíduo, aliado à proteção do direito à saúde manifestada no caput do artigo 5º da Constituição, que defende o direito à vida, o mais fundamental dos direitos, inequívoco o direito de exigir-se do Poder Público condutas positivas com vistas a velar pela integridade deste direito público subjetivo constitucionalmente assegurado.

Ademais, considerando que houve o cumprimento da obrigação de fazer reivindicada nesta ação em razão da antecipação dos efeitos da tutela, considero necessária a confirmação definitiva em sede de remessa necessária, na medida em que a concessão de tutela provisória ou de medida liminar, por mais que tenha caráter satisfativo, configura-se como decisão judicial precária que necessita de confirmação por julgamento definitivo, sobre o qual possa haver coisa julgada permanente.

Sobre a necessidade de se convolar em definitivos os efeitos da decisão que antecipa a tutela pretendida, o Superior Tribunal de Justiça assim vem se posicionando: eventual extinção do processo sem resolução de mérito (...) teria como consequência lógica a perda de eficácia da decisão concessiva de liminar, porque em última análise teria sido lavrada em processo que chegaria ao fim sem o enfrentamento do mérito (REsp 1.670.267, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 10-5-2022), entendimento ao que me curvo.

Nesse sentido, também é o entendimento deste Sodalício:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO – AÇÃO COMINATÓRIA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ESPECÍFICA DE URGÊNCIA – PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE OBJETO – REJEIÇÃO - SENTENÇA GENÉRICA –HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – DEFENSORIA PÚBLICA – RECURSOS NEGADOS.

1. O simples fato do cumprimento da ordem em antecipação de tutela não implica a perda do objeto da demanda ou a falta de interesse processual, sendo necessário o julgamento do mérito da causa, para definir se a parte beneficiada, de fato, fazia jus a tal pretensão.

2. Em demandas de saúde é comum a impossibilidade de se verificar, de plano, o exato tratamento necessário à preservação da saúde do paciente, em virtude de possíveis complicações, ou, alterações no estado de saúde da parte Autora.

3. Não é garantido aos Defensores Públicos o recebimento de qualquer parcela extra a título de verba honorária, por atuarem em desempenho de múnus público, não havendo qualquer excepcionalidade no caso sub examine a alterar este entendimento.

(TJMT, N.U 0043117-81.2013.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 7-10-2019, publicado no DJE 10-10-2019) [Destaquei]

Portanto, mantenho a rejeição a preliminar de ausência de interesse de...

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