Decisão monocrática nº 1003015-74.2023.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Case OutcomeAntecipação de tutela
Classe processualCível - AGRAVO DE INSTRUMENTO - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Número do processo1003015-74.2023.8.11.0000
AssuntoDano ao Erário

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO

GABINETE - DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO

CLASSE PROCESSUAL: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)

NÚMERO DO PROCESSO: 1003015-74.2023.8.11.0000

AGRAVANTE: NORMANDO CORRAL, ANTONIO CARLOS CARVALHO DE SOUSA, IRENE ALVES PEREIRA, OTAVIO BRUNO NOGUEIRA BORGES, JULIANO MUNIZ CALCADA, MARILENE MENDES DA SILVA, ESPOLIO DE HOMERO ALVES PEREIRA

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

Vistos, etc.

Trata-se de recurso de agravo de instrumento com pedido liminar de antecipação da tutela recursal, interposto por NORMANDO CORRAL, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO DE SOUSA, IRENE ALVES PEREIRA, OTAVIO BRUNO NOGUEIRA BORGES, JULIANO MUNIZ CALCADA, MARILENE MENDES DA SILVA, ESPÓLIO DE HOMERO ALVES PEREIRA contra decisão proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Bruno D’Oliveira Marques, nos autos n.° 0032544-52.2011.811.0041, em trâmite perante a Vara Especializada em Ações Coletivas da Comarca de Cuiabá, MT, nos seguintes termos (ID. 107865398 – autos n.° 0032544-52.2011.811.0041):

Vistos.

Trata-se de Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa c/c Pedido de Ressarcimento ao Erário e Pedido Liminar de Indisponibilidade de Bens proposta pelo Ministério Público do Estado De Mato Grosso em face de Francisco Alves de Sá e Outros.

No Id. 69361181 os requeridos Normando Corral, Antônio Carlos Carvalho de Souza, Otávio Bruno Nogueira Borges; Irene Alves Pereira; Juliano Muniz Calçada, Marilene Mendes da Silva e Espólio de Homero Alves pereira, pugnaram pela aplicação da prescrição intercorrente, assim como pleitearam o pedido de levantamento de indisponibilidade.

Considerando que a Lei 14.230/2021 suprimiu a fase de recebimento da inicial, foi determinada a citação dos demandados (Id. 72223912 - Pág. 1).

Os requeridos Fernando Antônio de Souza Bemerguy, José Geraldo de Vasconcelos Baracuhy e José Antônio de Avíla pleitearam a reiteraram o pedido de reconhecimento da prescrição intercorrente (Id. 77438967, Id. 78770151, Id. 79004309).

O Ministério Público postulou a pesquisa de certidão de óbito dos demandados Leon Enrique Kalinowski Oliveira e Francisco Alves de Sá (Id. 79373744). Além disso, manifestou de forma contrária aos pedidos de levantamento de indisponibilidade e reconhecimento da prescrição intercorrente (Id. 79417546).

Apresentaram contestação Ronaldo Pereira de Souza, Geraldo Gontijo Ribeiro e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Mato Grosso-SENAR/MT e Texto, mídia, Comunicação e Editora Ltda e IdelsonAlan Santos (Id. 80457463, Id. 80813650, Id e Id. 104274368)

Acostou-se aos autos a certidão de óbito do demandado Francisco Alves de Sá (Id. Num. 80887680 - Pág. 1), tendo o Ministério Público pleiteado a intimação do causídico do de cujus para aportar aos autos informação sobre eventual abertura de inventário.

O demandado Flávio Teixeira Duarte pugnou pelo levantamento de indisponibilidade e subsidiariamente pela suspensão do processo até a citação do espólio do demandado falecido (Id. 83832213).

É a síntese.

DECIDO.

1.Levantamento de indisponibilidade:

Em que pese os argumentos trazidos pelos demandados, entendo que os pedidos de levantamento da indisponibilidade não comportam acolhimento.

Isso porque, a Lei nº 14.230/2021, que alterou a lei de improbidade administrativa, trouxe profundas modificações nos requisitos necessários para o deferimento da indisponibilidade de bens dos réus, passando a exigir a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo para o deferimento da medida (art. 16, §3º).

A indisponibilidade de bens dos réus tem por finalidade garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito (art. 16, da LIA). A sentença que julgar procedente a ação condenará o réu ao ressarcimento dos danos e à perda ou à reversão dos bens e valores ilicitamente adquiridos, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (art. 18 da LIA).

A sanção de perda de bens é prevista na Constituição Federal (art. 5º, inciso XLVI). O Código Penal dispõe que a condenação torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime e acarreta a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (art. 91, incisos I e II, b).

Em rigor técnico, a perda de bens ou valores não representará verdadeira sanção, pois buscará unicamente reconduzir o agente à situação anterior à prática do ilícito, mantenho imutável o seu patrimônio legítimo[1].

Da mesma forma, a obrigação de reparar o dano causado a outrem não configura sanção, mas retorno ao status quo, inserindo-se na categoria de princípio geral do direito. O próprio Código Civil dispõe que, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (art. 927).

Na seara criminal, as medidas cautelares de arresto e sequestro, destinadas a assegurar a reparação do dano ou à perda ou à reversão dos bens e valores ilicitamente adquiridos, não exigem para a sua decretação a demonstração do periculum in mora. O Código de Processo Penal dispõe expressamente que, “para a decretação do sequestro, bastará à existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens” (art. 126). Sobre o tema, o colendo Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado no sentido de que “o perigo na demora é ínsito às medidas assecuratórias penais, sendo desnecessária a demonstração de atos concretos de dissipação patrimonial pelos acusados” (Pet 7.069 AgR, rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE de 9-5-2019).

No âmbito da improbidade administrativa, antes da alteração legislativa, o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça era o de que para a decretação da medida de indisponibilidade de bens do réu na ação de improbidade administrativa bastava a demonstração da probabilidade do direito descrito na petição inicial pelo autor (fumus boni iuris), sendo o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo (periculum in mora) presumido[2].

A Constituição Federal assegura a reparação integral do dano causado ao erário pela prática de ato de improbidade administrativa, assim como a medida cautelar de indisponibilidade para torná-la efetiva[3].

A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção[4] (Convenção de Mérida, 2003), em seu art. 51, reconhece como princípio fundamental da Convenção o direito dos Estados vítimas à recuperação do produto ou proveito da corrupção (art. 51).

No âmbito interno, a Lei de improbidade administrativa se propôs a efetivar os esforços da comunidade internacional para que os Estados adotassem mecanismos eficazes para a recuperação dos ativos desviados nos casos de corrupção. Isso porque a recuperação do produto ou proveito da corrupção encontra óbice na seara do confisco criminal, seja em razão do elevado encargo probatório para uma condenação, seja porque a morte, a fuga ou a inimputabilidade superveniente do agente, em razão de doença grave, por exemplo, são causas que impedem à formação da culpa e, consequentemente, a constituição de um título criminal apto a sustentar o confisco definitivo.

Sob essa perspectiva, a ação de improbidade administrativa possui como vocação primeira a recuperação dos ativos desviados por atos de corrupção, cuja efetividade é garantida pela indisponibilidade liminar de bens. O perdimento civil pela extinção de domínio, previsto em outros países como mecanismo de recuperação de ativos desviados, não foi regulamentado no âmbito interno (projeto de lei 3.855/2019).

A reflexão que se propõe diz respeito à compatibilidade da norma infraconstitucional (art. 16, §3º da LIA), que impôs a necessidade de demonstração no caso concreto do perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo para o deferimento da indisponibilidade de bens nas hipóteses de enriquecimento ilícito e dano ao erário (arts. e 10 da LIA) com a Constituição Federal (art. 37, §4º). Além disso, se a exigência do periculum in mora para a decretação de indisponibilidade nas hipóteses de enriquecimento ilícito e dano ao erário (arts. 9º e 10 da LIA) estaria em sintonia com a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (Convenção de Mérida, 2003, art. 51), bem como com norma infraconstitucional de igual hierarquia que tutela o mesmo bem jurídico (CPP, art. 126).

1.1. Inconstitucionalidade: Violação aos Arts. 5º, inciso LIV, e 37, §4º, da Constituição Federal:

Pode-se argumentar que a alteração legislativa, ao exigir a demonstração do periculum in mora para a decretação da indisponibilidade de bens dos réus na seara da improbidade administrativa teve como base constitucional o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, inciso LVII). Sob essa perspectiva, a limitação imposta ao direito de propriedade de um cidadão presumidamente inocente só se justificaria quando demonstrado no caso concreto o risco de dilapidação patrimonial.

Em contraposição, o princípio constitucional do devido processo legal impõe ao estado-juiz a adoção de medidas eficazes para a tutela do direito violado (CF, art. 5º, LIV). A sanção de perda de bens (CF, art. 5º, XLVI, b) e a medida cautelar de indisponibilidade para tornar efetiva a reparação de dano ao erário na improbidade administrativa são previstas constitucionalmente[5].

Havendo colisão entre princípios constitucionais, o método da ponderação desenvolvido por Robert Alexy deve ser utilizado com a finalidade de buscar o direito fundamental que deve ceder quando em colisão com outro. Ao refletir sobre o tema, Luís Roberto Barroso afirma que a técnica da ponderação se divide em três etapas:

Na primeira, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas, os quais não se pode superar pela...

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