Decisão monocrática nº 1030338-54.2023.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Case OutcomeAntecipação de tutela
Classe processualCível - AGRAVO DE INSTRUMENTO - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Número do processo1030338-54.2023.8.11.0000
AssuntoFornecimento de Energia Elétrica

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO

GABINETE - DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO

CLASSE PROCESSUAL: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)

NÚMERO DO PROCESSO: 1030338-54.2023.8.11.0000

AGRAVANTE: ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A

AGRAVADO: DEPARTAMENTO DE AGUA E ESGOTO DO MUNICIPIO DE VARZEA GRANDE


LIMINAR

Vistos, etc.

Trata-se de “agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo”, interposto por ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A (“ENERGISA”), contra a decisão proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Wladys Roberto Freire do Amaral, na ação n.º 1041513-39.2023.8.11.0002, cujo trâmite ocorre na 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Várzea Grande, MT, que concedeu a tutela de urgência, nos seguintes termos (ID. 136810784 – autos de origem):

DECISÃO

Vistos.

Trata-se de ação cominatória de obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência, que o Departamento de Água e Esgoto do Município de Várzea Grande – DAE/VG move em desfavor da Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S/A.

Segundo consta da petição inicial, a parte requerente, na condição de autarquia municipal responsável pelo abastecimento de água e pelo esgotamento sanitário do município de Várzea Grande, promoveu a construção da Estação de Tratamento e Abastecimento de Água – ETA Barra do Pari, localizada no bairro Chapéu do Sol, na cidade de Várzea Grande.

Assevera a parte requerente que, após a execução das obras na rede de distribuição de energia elétrica, de acordo com as especificações técnicas apontadas na Carta n. 3088/2021/DESC – Grupo A/Energisa MT, a concessionária de energia elétrica, ora requerida, aprovou o Projeto Elétrico n. 10076/23, viabilizando a instalação de uma nova unidade consumidora na ETA Barra do Pari.

Sustenta ainda que, em que pese o saneamento das ressalvas técnicas indicadas na Carta n. 1007623/2020/DCMD-Obras/Energisa/MT e na Carta n. 3265/2023/ASPO/Energisa MT, a parte requerida não realizou a conexão das instalações elétricas à nova unidade consumidora, sob o pretexto de que a autarquia municipal possui débitos pendentes de pagamento junto à concessionária de energia elétrica.

Para a parte requerente, afigura-se ilegítima a conduta perpetrada pela parte requerida, na medida em que, quando o devedor for pessoa jurídica de direito público, como é o caso, é incabível a interrupção/suspensão do fornecimento de energia elétrica, em virtude da essencialidade do serviço público prestado e dos prejuízos causados à coletividade.

Ao final, afirmando a presença dos requisitos legais, pugna pela concessão de tutela de urgência, nos seguintes termos:

I – Nos termos do art. 300 seja DEFERIDO EM CARÁTER URGENTE e INAUDITA ALTERA PARS A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM DESFAVOR DA EMPRESA REQUERIDA, a fim de que seja compelida a promover a ligação energia elétrica na ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA BARRA DO PARI, situada na Avenida Passagem da Conceição, Margem Esquerda, 2.200 metros da Rodovia Mário Andreaza, Várzea Grande/MT;

A inicial foi instruída com documentos diversos.

Após a distribuição da petição inicial, a parte requerida compareceu espontaneamente aos autos (ID n. 135984567), oportunidade em que defendeu a impossibilidade de concessão da tutela de urgência vindicada na exordial, sob os seguintes aspectos: a) restrição à conexão nova pelo inadimplemento (artigo 346, § 2°, da Resolução n. 1.000/2021 da ANEEL); b) possibilidade de autoprodução de energia; c) inobservância de ressalvas técnicas.

É a síntese.

Fundamento e decido.

No tocante à concessão da tutela de urgência, prescreve o artigo 300 do Código de Processo CivilCPC:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Desse modo, a concessão da tutela de urgência pressupõe a demonstração da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do periculum in mora, ou seja, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Sobre a probabilidade do direito, trata-se da plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (ou fumaça do bom direito). O magistrado precisa avaliar se há 'elementos que evidenciem' a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante (art. 300 do CPC). (Fredie Didier Jr. e outros, In “Curso de Direito Processual Civil”, v. 2, Juspodivm, p. 609/609).

Quanto ao segundo requisito, trata-se da impossibilidade de espera da concessão da tutela definitiva sob pena de grave prejuízo ao direito a ser tutelado e de tornar-se o resultado final inútil em razão do tempo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, InNovo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, Juspodivm, p.476).

Em juízo de cognição sumária, cotejando os documentos colacionados, à vista do direito debatido nestes autos, verifica-se a presença dos requisitos necessários para a concessão da tutela de urgência vindicada na petição inicial, pelas razões a seguir expostas.

Para uma melhor compreensão da controvérsia descrita na petição inicial, que trata da (im)possibilidade da Energisa Mato Grosso de condicionar o fornecimento de energia elétrica na Estação de Tratamento e Abastecimento de Água – ETA Barra do Pari ao pagamento dos débitos pendentes e devidos pelo Departamento de Água e Esgoto do Município de Várzea Grande – DAE/VG, faz-se necessário o exame do arcabouço normativo que regulamenta a matéria.

A Lei Federal n. 8.987/1995, que trata sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos, prevê a possibilidade de interrupção do serviço em caso de inadimplemento pelo usuário, conforme se observa do dispositivo abaixo transcrito:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

[...]

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Em relação ao consumidor que presta serviço ou atividade essencial, a Lei Federal n. 9.427/1996, que institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica, inaugura a possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento, nos seguintes termos:

Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.

No tocante à hipótese de conexão nova solicitada por consumidor inadimplente, a Resolução n. 1.000/2021 da ANEEL, que estabelece as regras de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, prescreve o seguinte:

Art. 346. Quando o consumidor e demais usuários solicitarem os serviços dispostos nesta Resolução, a exemplo de conexão nova, alteração de titularidade, religação, aumento de carga e a contratação de fornecimentos especiais, a distribuidora não pode exigir ou condicionar a execução:

[...]

§ 2º Na conexão nova ou alteração da titularidade, a distribuidora pode exigir o pagamento de débitos que sejam do novo titular em instalação na área de atuação da distribuidora.

Partindo de uma análise literal e preliminar dos atos normativos aqui apontados, pode-se concluir que, tratando-se de conexão nova, como é o caso dos autos, a concessionária de energia elétrica tem a faculdade de exigir o pagamento antecipado dos débitos pendentes em nome do solicitante.

Acontece que a demanda submetida à apreciação judicial envolve questões que transcendem aos interesses patrimoniais das partes, de modo que os dispositivos legais que impedem o fornecimento de energia elétrica ao consumidor inadimplente não podem ser aplicados indistintamente, sem uma prévia ponderação de interesses por parte do intérprete e aplicador da lei.

Para tanto, mostra-se forçoso elucidar o contexto em que se insere o pedido de conexão nova formulado pelo DAE/VG, que foi motivado pela construção da Estação de Tratamento e Abastecimento de Água – ETA Barra do Pari, localizada no bairro Chapéu do Sol, na cidade de Várzea Grande, que, para o início das operações, depende do fornecimento de energia elétrica em suas instalações.

Segundo as informações apresentadas pela autarquia municipal, a ETA Barra do Pari, cuja construção foi iniciada no ano de 2022, possui um sistema com capacidade para tratamento de 21,6 (vinte e um vírgula seis) milhões de litros de água por dia, que poderá abastecer uma população de, aproximadamente, 80.000 (oitenta mil) habitantes, distribuídos em 30 (trinta) bairros do município de Várzea Grande.

Ainda de acordo com dados constantes na petição inicial, a ETA Barra do Pari irá viabilizar o desenvolvimento da região do Chapéu do Sol, que, além de recepcionar importantes prédios públicos, como o Fórum da Comarca de Várzea Grande e Ministério Público Estadual, tem um grande potencial de expansão imobiliária, o que, certamente, se reverterá no aumento da arrecadação da autarquia municipal.

Para além da valorização imobiliária e do aumento da receita, a construção da ETA Barra do Pari vem para desafogar o sistema da ETA Júlio Campos e, assim, minimizar o problema crônico da intermitência no abastecimento de água na cidade de Várzea Grande.

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