Decisão monocrática nº 2014.04555892-73 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, 18-06-2014

Data de Julgamento18 Junho 2014
Número do processo2014.04555892-73
Data de publicação18 Junho 2014
Número AcordãoNão Informado
Classe processualCÍVEL - Agravo de Instrumento
Órgão5ª CAMARA CIVEL ISOLADA

PROCESSO N. 2012.3.06665-2.

SECRETARIA DA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA.

COMARCA DE OURÉM.

AGRAVO DE INSTRUMENTO.

AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ.

PROCURADORA DO ESTADO: BIANCA ORMANES.

AGRAVADA: ANTONIO SINVAL RODRIGUES.

DEFENSORA PÚBLICA: ROSANGELA LAZZARIN.

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ.

PROCURADOR DE JUSTIÇA: RAIMUNDO DE MENDONÇA RIBEIRO ALVES.

RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES.




DECISÃO MONOCRÁTICA





ESTADO DO PARÁ interpõe AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO contra decisão da MMª Vara Única de Ourém que deferiu tutela antecipada para determinar ao Agravante proceder a imediata internação do agravado na rede pública de saúde ou, na falta de leitos nesta, em Hospital da rede privada com ônus ao referido ente público. Uma vez internado procedesse o tratamento adequado do mesmo, com a intervenção médica que o caso requer. Fixou multa diária para o caso de descumprimento em R$5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos gestores públicos respectivos e de acordo com a competência administrativa de cada qual para o cumprimento da decisão.

Em sua peça recursal e documentos (fls. 02/35) o Estado discorre sobre o cabimento do presente recurso em sua modalidade instrumental, bem como na presença de todos os requisitos de admissibilidade. Disserta sobre o modelo brasileiro de saúde pública e sobre a política nacional de medicamentos, tratamentos e internações. Aduz que há inexistência de direito subjetivo tutelado de imediato e comprometimento do principio da universalidade do acesso à saúde, bem como que deve prevalecer o principio da reserva do possível em razão dos limites orçamentários. A decisão agravada se trata de invasão do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública e impossibilidade de cominação de multa diária e da inexistência de fixação de prazo da decisão agravadas. Inaplicabilidade de multa pessoal ao Governador do Estado do Pará e impossibilidade de aplicação genérica da multa em face da necessidade de especificação dos sujeitos passivos. E por fim a inexistência dos requisitos para a concessão de tutela antecipada.

Devidamente distribuídos, coube-me a relatoria do feito (fl. 114), oportunidade em que foi indeferido o pleito liminar (fls. 116/119).

Informações prestadas pelo Juízo de Piso (fl. 124).

Agravo Regimental interposto pelo Estado do Pará às fls. 129/142 requerendo a reforma da decisão que indeferiu o pedido suspensivo ou a sua reconsideração, ratificando os termos expostos nas razões recursais.

Contrarrazões apresentadas às fls. 101/165.

Parecer da douta Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e improvimento do recurso às fls. 146/165.

Remetido o feito à douta Procuradoria de Justiça, a qual deixou de opinar por entender necessário o julgamento do Agravo Regimental de fls. 129/142 (fls. 168/177).

Através do Acórdão n. 113.221, publicado em 22/10/2012, foi conhecido e negado provimento ao Agravo Regimental.

Em Parecer de fls. 182/190 a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso.

É o relatório.

DECIDO.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Não há questões preliminares a serem analisadas, de modo que passo ao enfrentamento do mérito da demanda.

De inicio, cabe asseverar que nesta sede recursal, cabe apenas verificar se a decisão guerreada está corretamente alicerçada para o deferimento da tutela antecipada ou não.

A tutela antecipada deve ser baseada na convicção do magistrado acerca da verossimilhança da alegação e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tendo por base prova inequívoca, conforme preceitua o art. 273 do CPC.

Sobre a questão ensina o ministro Luiz Fuxx:

A prova, via de regra, demonstra o 'provável', a ´verossimilhança', nunca a 'verdade plena' que compõe o mundo da realidade fenomênica. Os fatos em si não mudam, porque a prova realiza-se num sentido diverso daquele que a realidade indica. Ora, se assim o é e se o legislador não se utiliza inutilmente de expressões, a exegese imposta é a de que a 'prova inequívoca' para a concessão da tutela antecipada é alma gêmea da prova do direito líquido e certo para a concessão do mandamus. É a prova estreme de dúvidas; aquela cuja produção não deixa ao juízo outra alternativa senão a concessão da tutela antecipada”.

Em relação ao dano irreparável ou de difícil reparação segue ensinando o citado doutrinadorr:

Desta sorte, é sempre irreparável, para o vencedor não obter através da justiça aquilo que ele obteria se houvesse cumprimento espontâneo do direito. Assim, a primeira preocupação do magistrado não é verificar se a conduta devida pode ser substituída por prestação pecuniária, mas antes o alcance da frustração do credor em razão do descumprimento da obrigação específica.

O dano irreparável, por outro lado, também se manifesta na impossibilidade de cumprimento da obrigação noutra oportunidade ou na própria inutilidade da vitória no processo, salvo se antecipadamente. O esvaziamento da utilidade da decisão de êxito revela um 'dano irreparável' que deve ser analisado em plano muito anterior ao da visualização da possibilidade de se converter em perdas e danos a não-satisfação voluntária pelo devedor”.

Portanto, é essencial haver prova robusta o suficiente para que estabeleça uma “quase certeza”, em que de forma razoável fique claro que ao direito tido por pretensão final requerida pelo autor seja realmente seu, através do que o filósofo Recanséz Siches chamava de “lógica do razoável”.

A questão de fundo no presente feito remonta ao pretenso antagonismo entre a tese do Estado de reserva do possível e limites orçamentos e o direito à saúde integral, estabelecido pelo art. 6º da Constituição Federal.

De um lado há uma pessoa doente, pois compulsando os autos verifica-se claramente menção de dores, conforme constatação de enfermeira de fl. 75 e a necessidade de tratamento cirúrgico conforme denota opinião médica de fl. 80, demonstra claramente que o agravado precisa de atendimento médico e de atendimento digno e de qualidade, direito este lhe garantido pela não apenas pela Constituição Federal, mas também pela Carta dos Direitos Humanos, documento do qual o Brasil é signatário. Do outro o Estado que alega não ter condições de pagar o tratamento, que seus limites orçamentários não o preveem e que ao fazer frente a necessidade do agravado acabará por prejudicar outras pessoas, ou mesmo que não é sua responsabilidade mas sim dos demais entes estatais.

Perante estes fatos cabe ao Juiz ao interpretar a norma vigente, a partir de seu livre convencimento, para melhor adequar a realidade aos dispositivos normativos vigentes. Entendo firmemente que os direitos sociais e individuais estabelecidos em nossa Carta Magna não tem apenas conotação programática, de princípio, mas também confere direitos subjetivos à pessoa.

No caso em tela temos o art. 6º da Constituição Federal que assim reza:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Portanto, o direito à saúde é consagrado constitucionalmente como algo não apenas utópico, mas exequível e exigível, sendo claramente coerente que aquele que necessita de medicamentos, exames ou procedimentos para a promoção, proteção e recuperação de sua saúde possui direito subjetivo para tanto. Mas não é só. O sistema constitucional vai além quando seu art. 196 prevê que o Estado deve instituir políticas públicas que sejam suficientes e eficazes para a promoção, proteção e recuperação da saúde da pessoa.

Neste mesmo sentido já julgou o C. STJ:


PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.

HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL.

PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.

2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.

(...)

8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento.

(RMS 24.197/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 24/08/2010).



ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DOENÇA GRAVE. ACÓRDÃO FUNDADO EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO APELO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.

(...)

4. Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que...

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