Decisão monocrática nº 2015.00970452-14 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, 24-03-2015

Data de Julgamento24 Março 2015
Número do processo2015.00970452-14
Data de publicação24 Março 2015
Acordao NumberNão Informado
Classe processualCÍVEL - Agravo de Instrumento
Órgão2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA

D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A


Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, interposto pelo MUNICÍPIO DE BELÉM, devidamente representado por procurador habilitado nos autos, com base nos artigos 522 e seguintes, do Código de Processo Civil, contra decisão interlocutória prolatada pelo douto juízo da 1ª Vara da Fazenda de Belém que, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM COMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO LIMINAR nº 0004926-08.2015.8.14.0301, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, deferiu a tutela antecipada requerida, para determinar que o Município de Belém viabilizasse o transporte da senhora MARIA MOREIRA NAVEGANTES de sua casa até o Hospital Ophir Loyola visando à realização de tratamento de hemodiálise, cominando-se multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para cada dia de descumprimento à ordem judicial.


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARÁ propôs ação civil pública suscitando que a paciente é portadora de insuficiência renal crônica, estágio 5, e que encontra-se em tratamento de hemodiálise, três vezes por semana, sendo tal tratamento indispensável para sua sobrevivência, conforme laudo médico anexado aos autos (fl. 37).


Além disso, alega que a paciente é cadeirante, devido à amputação de membro inferior e possui ainda retinopatia diabética (deficiência visual), de modo que possui dificuldades de utilizar o transporte público, devido à fragilidade de sua saúde, bem como o fato de residir no distrito de Icoaraci, sendo longo o deslocamento até o local de tratamento (Hospital Ophir Loyola).


Em suas razões recursais de fls. 04/11, o agravante alega, em síntese, o seguinte: a) a ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente ação civil pública; b) a necessidade de revogação do provimento liminar em razão da impossibilidade de concessão de liminar de cunho satisfativo contra a fazenda pública; c) a ausência de responsabilidade do ente municipal.


Juntou os documentos de fls. 12/52.


Coube-me a relatoria do feito por distribuição (fl. 53).

Vieram-me conclusos os autos (fl. 54v).


É o relatório.


DECIDO.


A alegação de ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente não deve prosperar.


O art. 127, caput, da CF/88 estabelece o seguinte:


Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.


Já o art. 196 da CF/88, assim determina:


A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”


É notório que a saúde é um direito individual indisponível, decorrendo diretamente do direito à vida e do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, devendo, por isso, ser tutelado pelo parquet. Além disso, à medida que as ações e os serviços de saúde são tidos como prestações de relevância pública (art. 197, CF), compete ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (art. 129,II, CF).


Reconhecendo a legitimidade do parquet para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais indisponíveis, como à saúde, cito os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE 407.902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 554.088-AgR/SC, Rel. Min. Eros Grau; RE 648.410/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia; AI 809.018-AgR/SC, Rel. Min. Dias Toffoli; RE 581.352-AgR/AM, Rel. Min. Celso de Mello.

Logo, o Ministério Público é instituição legítima para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais indisponíveis.


Quanto ao requerimento de revogação da liminar concedida em razão da impossibilidade de sua concessão contra a fazenda pública, com base na lei 8.437/1992, este também não merece ser acolhido.


É fácil verificar que a necessidade de transporte da enferma visa a resguardar o direito à vida, direito fundamental, de modo que não há como se sustentar a impossibilidade de concessão da liminar que esgote no todo ou em parte o objeto da ação, tendo em vista o alto valor jurídico do bem em discussão: a saúde, a vida.


Ora, não é possível aceitar que o acesso à saúde, diretamente vinculado à ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), fique obstado em face de uma regra legal que tutela valor jurídico de menor hierarquia, não sendo difícil verificar que a demora do ente público em fornecer o transporte para a realização do tratamento de hemodiálise produziria evidente risco de dano irreparável, o que justifica a concessão da liminar contra a Fazenda Pública.

Nesse sentido, brilhante a manifestação do Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Pet 1.246-MC/SC:


"Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º,caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético - jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida"


A jurisprudência pátria tem caminhado no sentido da possibilidade de concessão de liminar contra a fazenda pública para situações de garantia do direito à saúde, conforme segue a seguir:


EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. ECA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. MUNICÍPIO DE PAROBÉ. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL, DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA UNIVERSALIDADE, DA ISONOMIA E DA IGUALDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. 1. Possibilidade, no caso, de concessão de liminar contra a Fazenda Pública, ante a primazia do direito à saúde. 2. A responsabilidade pelo fornecimento de tratamento e internação compulsória é solidária entre União, Estados e Municípios. Eventual deliberação a respeito da repartição de responsabilidade compete unicamente aos entes federativos, a ser realizada em momento oportuno, não podendo o particular ter limitado seu direito à saúde, garantido constitucionalmente, por ato da Administração Pública. 3. Eventuais limitações ou dificuldades orçamentárias não podem servir de pretexto para negar o direito à saúde e à vida, dada a prevalência do direito reclamado. (...) APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação Cível Nº 70062722616, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 05/03/2015).(TJ-RS - AC: 70062722616 RS , Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 05/03/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/03/2015).



EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - PORTADORA DE RETINOPATIA DIABÉTICA PROLIFERATIVA - RISCO DE CEGUEIRA - REALIZAÇÃO DE CIRURGIAS DE VITRECTOMIA E RETINOPEXIA - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE - LIMINAR - REQUISITOS DEMONSTRADOS - IRREVERSIBILIDADE DOS EFEITOS DA MEDIDA - DIREITO À SAÚDE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - PREVALÊNCIA SOBRE O DIREITO PATRIMONIAL DOS ENTES PÚBLICOS - MULTA DIÁRIA - VALOR ADEQUADO - SEQUESTRO DE VALORES DA CONTA BANCÁRIA DO ESTADO PARA CUSTEAR O TRATAMENTO SE ESTE NÃO FOR DISPONIBILIZADO NO PRAZO DADO - POSSIBILIDADE. É cabível a concessão liminar contra a Fazenda Pública para a realização de cirurgia necessária ao tratamento de saúde de paciente necessitada, não se podendo falar em ofensa ao disposto no art. 475, incisos I e II, do Código de Processo Civil, e na Lei n. 8.437/92, quando pende contra essas normas um direito fundamental de todo ser humano, como a vida. (...) A tutela pode ser antecipada antes da ouvida da parte contrária e da instrução probatória, quando se verificar a urgência da medida, já que no caso se trata de pleito para a [...] (TJ-SC - AG: 20130627473 SC 2013.062747-3 (Acórdão), Relator: Jaime Ramos, Data de Julgamento: 05/03/2014, Quarta Câmara de Direito Público Julgado).



EMENTA: AGRAVO INOMINADO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REALIZAÇÃO DE OBRAS DE CONTENÇÃO OU REALOCAÇÃO DE MORADORES DAS ÁREAS DE RISCO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À MORADIA. PONDERAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. TEORIA DA ASSERÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA ANTECIPAÇÃO LIMINAR DA TUTELA DE URGÊNCIA. MULTA DIÁRIA FIXADA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. Presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência. Possibilidade de concessão de medida liminar em face da Fazenda Pública, porquanto, é justamente o Poder Público, por seus atos e omissões, o maior vulnerador dos direitos fundamentais dos cidadãos. A ausência de previsão de...

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