Decisão Monocrática Nº 4005828-02.2019.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Público, 15-04-2019

Número do processo4005828-02.2019.8.24.0000
Data15 Abril 2019
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoDecisão Monocrática


Agravo de Instrumento n. 4005828-02.2019.8.24.0000, Capital

Agravante: Município de Florianópolis
Agravado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Interessado: Celesc Distribuição S/A
Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

DECISÃO MONOCRÁTICA INTERLOCUTÓRIA

1. O Município de Florianópolis interpõe agravo de instrumento em relação à decisão do Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, que deferiu o pedido liminar formulado pelo Ministério Público em ação civil pública em que são demandadas a municipalidade e Celesc Distribuição S/A.

A tutela de urgência, direcionada à Fazenda Pública, foi concedida nestes termos:

Diante disso, defiro o pleito liminar, para determimar:

(...)

b) ao réu Município de Florianópolis, que se abstenha de emitir qualquer documento à Celesc que autorize a ligação de luz elétrica com respaldo na Lei Municipal n. 10.384/2018, exceto o alvará de construção (para as ligações provisórias destinadas à execução de obras, com prazo máximo definido no alvará), sob pena de multa de R$ 10.000,00 por ocorrência.

Ressaltou o caráter de controle difuso de constitucionalidade da medida pretendida pelo Parquet e encampada pelo magistrado de primeira instância, já que afasta a incidência de lei em sentido estrito municipal.

Negou, ademais, que haja prejudicialidade entre a ausência de alvará de construção ou habite-se e o fornecimento de energia elétrica. Se por um lado é possível a adequação do empreendimento na linha do que prescreve explicitamente o art. 57 do Código de Obras local, por outro não há nenhuma condicionante imposta na Lei Federal n. 13.465/18 que restrinja tal disponibilização apenas após finalizado o procedimento de regularização fundiária.

Enfatizou a existência de muitos núcleos informais na cidade, com dezenas de anos de constituição, que não podem dispor dos serviços públicos essenciais. São situações em que é inviável aguardar o trâmite da REURB para só então se autorizar as ligações de energia. É nesse contexto que se insere a Lei Municipal 10.384/2018, que para além de uma liberação irrestrita também ressalva hipóteses em que o fornecimento é negado: nas áreas de preservação permanente, nas zonas de risco e no descumprimento das regras estabelecidas pela concessionária.

Criticou, além disso, a amplitude da deliberação proferida já que nem sequer isenta as situações consolidadas, observadas em residências já conectadas à rede elétrica.

Quer o efeito suspensivo ao recurso para sobrestar o provimento exarado na origem.

2. A discussão posta neste recurso aborda, em sua essência, os requisitos exigidos do particular para o fornecimento de energia elétrica. Tudo por conta da Lei n. 10.384/18 do Município de Florianópolis, que tem esta redação:

Art. 1º Ficam permitidas as ligações de energia elétrica pela concessionária da rede pública, Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A (CELESC), nas edificações que não tenham o competente alvará de construção e/ou habite-se fornecido pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, desde que:

I - a edificação não esteja localizada em Área de Preservação Permanente (APP);

II - a edificação não esteja localizada em área classificada pela Defesa Civil como de risco alto, risco muito alto ou de exclusão; e

III - respeitem as regras estabelecidas pela concessionária.

O Ministério Público questiona a norma ao dispensar o alvará de construção e habite-se ao argumento, muito resumidamente, de que estimula a ocupação desordenada da cidade. O Município, por sua vez, sustenta que a lei já ressalva os casos sensíveis (reserva de APP, áreas de risco delimitadas pela Defesa Civil e quando ocorrer afronta às regras da Celesc), de modo que o prejuízo alardeado pelo Parquet não se justifica.

Este Tribunal de Justiça, em situações individualizadas é verdade, tem adotado um entendimento restritivo quanto ao fornecimento de energia elétrica em casos de ocupações irregulares. Nega-se, por regra, a ligação quando o imóvel do particular não conta com as autorizações necessárias do Poder Público para edificação ou se situa em espaços protegidos (no clássico exemplo, porque de fato muito comum nesta Corte, da construção em APP). Em vias excepcionas, não obstante, por vezes é promovida a mitigação dessa compreensão, como na hipótese de evidente zona urbana consolidada:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR - ENERGIA ELÉTRICA - INDICATIVOS CONTUNDENTES DE OCUPAÇÃO IRREGULAR DO SOLO - TUTELA DE URGÊNCIA NEGADA.

Ainda que se pese a situação social descrita no processo, o acesso à rede pública de energia elétrica não pode ser autorizada quanto a imóveis em situação irregular. Não fosse assim, sob juízo apenas de comiseração, seria permitida a ocupação do solo em desrespeito a qualquer regramento urbanístico ou ambiental.

Agravo desprovido. (AI n. 4012638-61.2017.8.24.0000, de Ascurra, rel. o subscritor)

B) Ação ordinária. Celesc. Fornecimento de energia elétrica. Antecipação dos efeitos da tutela. Concessionária que indefere pedido de ligação feito por proprietária de imóvel. Parcelamento irregular do solo. Ausência de alvará e de provas da regularidade da construção. Não verificação dos requisitos do art. 300 do CPC/15. Recurso provido.

Não comprovada a regularidade da ocupação, não se pode compelir a concessionária de energia elétrica a realizar a ligação da rede em edificação clandestina. A existência de outras edificações em situação semelhante e destinatárias do serviço não é argumento idôneo para tolerar a irregularidade da construção, pois os abusos e as violações da lei devem ser coibidos, não imitados. (AI n. 0026421-28.2016.8.24.0000, de Blumenau, rel. Des. Pedro Manoel Abreu)

C) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INSTALAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO QUE DETERMINOU O IMEDIATO FORNECIMENTO DE ENERGIA À RESIDÊNCIA DO AGRAVADO.

(...)

MÉRITO. INSURGÊNCIA DA CELESC. POSTERIOR NEGATIVA SOB O FUNDAMENTO DE QUE O IMÓVEL ENCONTRA-SE EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVE O REQUERIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E NEGATIVA DA CONCESSIONÁRIA. AUSÊNCIA DE ALVARÁ QUE ATESTE A REGULARIDADE DA CONSTRUÇÃO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

"Não é ilegal nem indevida a recusa da concessionária de ligar à sua rede de energia elétrica edificação clandestina realizada sem o necessário alvará de licença do Município, em Área de Preservação Permanente." (TJSC, Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2013.018733-3, de Itajaí, rel. Des. Jaime Ramos, j. 25-07-2013). (AI n. 4010390-59.2016.8.24.0000, de Jaguaruna, rel. Des. Carlos Adilson Silva)

D) AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERE A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. RESTABELECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA CORTADA PELA CONCESSIONÁRIA A PEDIDO DO MUNICÍPIO, QUE DETERMINOU A INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DO SERVIÇO A LOTEAMENTO CLANDESTINO. OFÍCIO ENCAMINHADO PELA CONCESSIONÁRIA RECOMENDANDO A APRESENTAÇÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO. INVIABILIDADE DE EXIGIR CONDUTA DIVERSA DA EMPRESA. EXEGESE DO ART. 90 DA RESOLUÇÃO N. 456/00 DA ANEEL. DEVER DO USUÁRIO EM REGULARIZAR O IMÓVEL. RECURSO DESPROVIDO (AI n. 2013.045244-3, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto)

Há sempre um dilema entre o acesso a um serviço público dos mais relevantes e o respeito à ordem urbanística instituída. É certo que o fornecimento de energia elétrica deve inclusive ser apreciado a partir de um postulado constitucional, a dignidade humana. Por outro lado, não se pode chancelar uma ocupação desenfreada sobretudo porque os reflexos mais sensíveis recaem justamente sobre a população pobre até porque o indivíduo que deliberadamente afronta as normas de racionalização das cidades não pode esperar o beneplácito da Administração quanto às utilidades públicas.

Daí que uma autorização genérica como a promovida no Município de Florianópolis, que dispensa em abstrato as tais licenças (não obstante com as ressalvas já mencionadas) tem o potencial de agravamento do risco descrito pelo Ministério Público (fls. 2/3, da inicial):

A partir da instauração do inquérito civil n. 06.2016.00006733-2, que tramita na 32ª Promotoria de Justiça da Capital, o Ministério Público passou a investigar as principais causas da epidemia que tomou conta no município de Florianópolis nos últimos anos, decorrente da proliferação de loteamentos clandestinos, invasões, construções irregulares e clandestinas em diversos bairros da Capital.

Uma das conclusões identificadas foi óbvia e conhecida. Tanto ligações de água quanto de energia elétrica, sem respeito a critérios legais mínimos de urbanização, foram e continuam sendo fundamentais para o sucesso de empreendimentos, loteamentos e construções clandestinas e irregulares na Capital do Estado de Santa Catarina.

3. Há também outro aspecto a ser sopesado.

A Constituição estipula que é da competência privativa da União legislar sobre energia (art. 22, IV, CF) e explorar os serviços de energia elétrica (art. 21, XII, "b", CF). O STF em casos diversos, mas nos quais é possível identificar uma ratio comum, prestigia essa atribuição do ente de maior envergadura e restringe a iniciativa dos demais que interfiram, mesmo que mediatamente, nesse campo:

A) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ACREANA N. 1.618/2004. REGRAS QUE PROÍBEM O CORTE RESIDENCIAL DO FORNECIMENTO DE ÀGUA E ENERGIA ELÉTRICA PELAS CONCESSIONÁRIAS POR FALTA DE PAGAMENTO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÀGUA. AFRONTA AOS ARTS. 22, INC. XII, ALÍNEA B, 30, INC. I E V E 175 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (ADI 3661, rel.ª Min.ª Cármen Lúcia)

B) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO 'ELETRICIDADE' DO ART. 1º DA LEI FLUMINENSE N. 4.901/2006. FIXA A OBRIGAÇÃO DAS CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA DO ESTADO DO...

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