Decisão Monocrática Nº 4018164-38.2019.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Público, 24-06-2019

Número do processo4018164-38.2019.8.24.0000
Data24 Junho 2019
Tribunal de OrigemBraco do Norte
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoDecisão Monocrática


Agravo de Instrumento n. 4018164-38.2019.8.24.0000, Braço do Norte

Agravante : Associação de Radiodifusão Comunitária Voz Livre
Advogado : Italo José Zomer (OAB: 46463/SC)
Agravado : Presidente da Comissão Permanente de Licitação do Município de São Ludgero
Interessado : Município de São Ludgero
Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

DECISÃO MONOCRÁTICA INTERLOCUTÓRIA

1. A Associação de Radiodifusão Comunitária Voz Livre apresenta agravo de instrumento em relação à decisão proferida na Comarca de Braço do Norte que em mandado de segurança negou liminar pela qual se pretendia a habilitação em processo licitatório do Município de São Ludgero.

Fundamentou-se que eventual contratação desrespeitaria a legislação concernente às rádios comunitárias (Lei 9.612/98), pois tais entidades têm finalidade específica que não permite ações comerciais (não podem veicular propaganda paga), salientando também que eventual ajuste colocaria em risco a própria atividade, haja vista que comprometeria a participação popular.

A agravante questiona este encaminhamento sob diversas frentes, sustentando que está apta para no certame competir porque a decisão administrativa partiu de premissa equivocada, sendo o objeto da licitação coincidente com seu propósito institucional. Destaca, ainda, que sua participação propicia o aumento da competição, de modo que essa diretriz (caráter competitivo) do certame público não pode ser frustrada. Outrossim, defende que o prejulgado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, adotado pela Administração, é isolado e vai de encontro à Lei 9.612/98, não estando imune à revisão pelo Judiciário - aliás, até a prolação do referido acórdão pelo TCE a compreensão daquela Casa ia em sentido oposto, pondera.

Quer antecipação de tutela recursal a fim de que se reconheça seu direito de ao menos de figurar como habilitada.

2. O assunto é delicado: a agravante, uma rádio comunitária (instituída sob a forma de associação), foi impedida de participar de certame licitatório em razão de sua própria natureza, considerando-se que, por não possuir finalidade comercial, estava impossibilitada por Lei de veicular propaganda paga. Ocorre que referida publicidade, no caso, corresponderia aos objetivos da própria instituição (prestação de serviços de utilidade pública), de modo que em tese (na linha de pensamento da recorrente) sua presença na competição seria viável - privilegiando-se, assim, o caráter competitivo; atribuindo-se interpretação liberal aos ditames em benefício do interesse público.

Tenho, porém, neste primeiro contato com a causa, que o pleito não tenha plausibilidade.

3. O instrumento convocatório continha esse objeto:

CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DE RADIODIFUSÃO ATRAVÉS DE EMISSORAS AM E FM COMERCIAIS PARA A DIVULGAÇÃO DE ATOS OFICIAIS E PUBLICIDADE INSTITUCIONAL E LEGAL, DE INTERESSE PÚBLICO, EXARADOS PELO MUNICIPIO DE SÃO LUDGERO, com abrangência de sinal de no mínimo 80% no município e de interesse público do município de São Ludgero.

Como se pode perceber, é textual a restrição feita para que rádios participem do certame: devem ter natureza comercial. Ainda que se possa criticar o eclipsado intuito da publicidade institucional - e sou realmente avesso aos seus reais propósitos -, não se pode negar que o objeto ali indicado é realmente voltado à divulgação de atos oficiais do Poder Público local; acontecimentos, ao menos na perspectiva do edital, que em embora possam guardar correspondência com o interesse público em seu sentido nobre possuem conotação de uma relação de cunho negocial (como de praxe realmente acontece).

O aspecto não é casual: a Lei 9.612/98, que regula a atuação das rádios comunitárias, traça expressamente as (quase altruístas) características da entidade:

Art. 3º O Serviço de Radiodifusão Comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, com vistas a:

I - dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade;

II - oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social;

III - prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário;

IV - contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislação profissional vigente;

V - permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de expressão da forma mais acessível possível.

Art. 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária atenderão, em sua programação, aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;

II - promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida;

(...)

O intuitivo sentido da atividade é ressaltado pelos freios propositalmente inseridos nos arts. 11, 18 e 19, que veladamente limitam sua participação nas tratativas objeto desta causa:

Art. 11. A entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais.

Art. 18. As prestadoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária poderão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida.

Art. 19. É vedada a cessão ou arrendamento da emissora do Serviço de Radiodifusão Comunitária ou de horários de sua programação.

Quer dizer, há um propósito claro na referida legislação que é justamente obstar que rádios daquele mote (comunitárias) sirvam como ferramenta eclipsada de outras pessoas jurídicas.

Fala-se, como visto, em vedação ao estabelecimento de vínculos de "subordinação" ou de "sujeição" mediante compromissos ou relações financeiras, justamente o que aqui se trata (a pactuação com a Administração em maior ou menor grau levará àquelas consequências previstas pela norma, podendo-se exemplificar o próprio controle exercido pelo Poder Público quanto ao cumprimento da avença).

De outro lado, ao dispor quanto à possibilidade de "patrocínio", o preceito se restringe à forma de "apoio cultural", termo bem menos expansivo do que o vero sentido da licitação aqui promovida (que busca, como dito, a divulgação de atos oficiais do Município, que certamente superam aquela barreira constante do dispositivo).

Não fosse só, ao impedir a cessão ou arrendamento de horários de sua programação, a norma em questão evidencia seu verdadeiro sentido jurídico: inibir a participação de terceiros, de maneira autônoma, em atividades sui generis da entidade - sob pena, pode-se dizer, de um embaralhamento no seu livre exercício, pois se estaria admitindo a divulgação de atos do Poder Público e indiretamente se criando barreira quanto a futuras e eventuais críticas (e uma rádio comunitária não pode ter essas amarras).

Dito de outro modo, há impedimento para que ela participe de certame público em razão da sua própria essencialidade, tal como destacou a decisão administrativa:

Compulsando o pedido de pré-qualificação no procedimento de credenciamento da rádio comunitária (...), constata-se que possui finalidade não consentânea com o objeto do certame, ou seja, a comercialização de suas atividades.

Nesse sentido, as finalidades dos serviços de radiodifusão sonora comunitária, estampadas no art. 3º da Lei 9.612/1998, destacam-se ao presente caso que tais rádios possuem o dever de: i) dar oportunidade à difusão de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais e da comunidade e; ii) prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário.

Destaca-se que as rádios comunitárias devem dar preferência em suas transmissões às finalidades educativas, culturais...

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