Decisão Monocrática Nº 5002834-13.2021.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Público, 02-02-2021

Número do processo5002834-13.2021.8.24.0000
Data02 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualMandado de Segurança Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática
Mandado de Segurança Cível Nº 5002834-13.2021.8.24.0000/

IMPETRANTE: TAISA NOGUEIRA LAVINA ADVOGADO: LIRIAM KOEPSEL (OAB SC029838) IMPETRADO: DIRETOR DE FORO - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - TUBARÃO MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

DESPACHO/DECISÃO

I. Taisa Nogueira Lavina interpôs mandado de segurança contra ato supostamente abusivo e ilegal da lavra do Juiz Diretor de Foro da comarca de Tubarão, visando o trancamento da Sindicância Punitiva - Processo SEI no 0047037- 86.2020.8.24.0710, instaurado pela Portaria no 254/2020, até o julgamento do mérito do presente mandamus, cancelando todos os atos subsequentes, e que não faça nenhum registro nos assentamentos funcionais da Impetrante.

Em resumo, diz ser Servidora Pública do quadro de pessoal do Poder Judiciário de Santa Catarina, nomeada e em efetivo exercício no cargo de Oficial de Justiça e Avaliadora e a impetração tem como ato coator a instauração de Sindicância Punitiva, processo SEI no 0047037- 86.2020.8.24.0710, por meio da Portaria 254/2020, que imputa à impetrante conduta violadora dos deveres funcionais do cargo que ocupa.

A autoridade impetrada, ao instaurar o procedimento sob debate - que diz respeito à publicação na rede social Facebook administrada pela impetrante -, declarou: "Não fosse suficiente o uso claudicante do vernáculo, a publicação em tela é uma miríade de violações funcionais." [...]. "A divulgação em mídia social de manifestações desrespeitosas para com superiores é exemplo de conduta que não se adequa a seus deveres legais".

Alterca, em suma, que a conduta dita desrespeitosa para com outros magistrados tem relação com os fatos ocorridos em audiência de instrução e julgamento realizada em processo para apuração de suposto caso estupro supostamente ocorrido na comarca da Capital, em que a vítima divulgara excertos do vídeo do aludido ato do processo, indicando ter sido ofendida pelo advogado do réu, e que o magistrado e o promotor atuantes no caso teriam sido omissos.

O ato submetido à sindicância diz respeito ao fato de que a impetrante teria divulgado em sua rede social os seguintes comentários e impressões pessoais, após ampla polêmica gerada em torno do imbróglio e que mereceu comentários até mesmo do Min. Gilmar Mendes, do STF.:

A impetrante, verberou ter igualmente ficado chocada com a notícia e sentiu-se humilhada como mulher e cidadã, até mesmo ofendida e no dia 04/11/2020, publicou sua indignação através da mensagem na sua rede social do Facebook, somente aos seus amigos, a seguinte mensagem, conforme cópia da tela do Facebook (Doc. 10)15:

"Vamos aceitar caladas a prepotência do advogado, o juiz silencioso e o promotor em cima do muro? Onde estão as colegas bacharéis em Direito? Não quero entrar no mérito do crime, só quero que a população seja respeitada numa sala de audiências, não importando classe social, gênero, pessoas são humilhas na casa da Justiça? Que justiça é essa? Que deixa faltar com o respeito e trata as pessoas como se nada fossem! Espero que todos sejam responsabilizados e sinto vergonha hoje da total falta de respeito da justiça catarinense e aguardo ansiosamente alguma juíza se manifestar no caso em tela".

Sublinha que, no período de 26/10/2020 a 06/11/2020, na data do fato (04/11/2020), quando da publicação da mensagem no Facebook, estava em licença para tratamento de saúde própria, ou seja, não estava exercendo o seu cargo, conforme registrado na Ficha funcional, através do Processo Administrativo Eletrônico SEI no 3992906/2020 e também por meio de atestado médico.

Alterca que, no dia 17/12/2020, um dia antes do recesso do Poder Judiciário a impetrante recebeu por meio do WhatsApp, print do Diário da Justiça, no qual constava a instauração de Sindicância Punitiva, com base em uma representação recebida pelo Diretor do Foro desta comarca, em razão da mensagem compartilhada em seu Facebok.

Diz que a mensagem publicada, não é ofensiva e não guarda qualquer relação com o exercício das atividades ou com o cargo que ocupa a Impetrante, portanto, a instauração deste procedimento disciplinar é ato arbitrário e, padece de justa causa, a sua tramitação, necessário o seu pronto arquivamento.

Pede, por fim, liminarmente, o trancamento da sindicância, por entender faltar-lhe justa causa.

É o essencial. Decido.

II. A matéria trazida à lume é complexa e diz respeito ao exercício das liberdades individuais em contraponto à suposta violação de deveres funcionais, pela impetrante, ao estabelecer comentários pessoais sobre a conduta do magistrado e demais participantes de audiência de instrução e julgamento. Portanto, está-se diante de conflito entre a liberdade individual de expressão do pensamento e o respeito aos deveres funcionais em vista do cargo de Oficial de Justiça ocupado pela impetrante.

Para que se possa realizar o adequado cotejo entre os valores conflitantes, anoto que a expressão do pensamento, insculpida no art. 5., IV, da Carta da República, está assim declarada pelo legislador Constituinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

Dirley da Cunha Júnior e Marcelo Novelino esclarecem:

Como forma de reação ao regime ditatorial anterior, a Constituição de 1988 assegurou, dentre as suas cláusulas pétreas, a liberdade de manifestação do pensamento. Esta liberdade, segundo a lição de Celso Bastos, consiste no direito de "exprimir e divulgar livremente o seu pensamento. É o direito de não ser impedido de exprimir-se. Ao titular da liberdade de expressão é conferido o poder de agir, pelo qual contará com a abstenção ou com a não interferência de quem quer que seja no exericício do seu direito.

A constituição veda expressamente qualquer tipo de censura à livre manifestação do pensamento, cujo exercício é assegurado independentemente de licença (CF, art. 5., IX). Qualquer forma de censura institucionalizada imposta sem justificação constitucional será caracterizada como uma intervenção violadora do âmbito de proteção desta liberdade (CUNHA JR., DIRLEY; NOVELINO, MARCELO. Constituicão Federal. 5. ed. Bahia: 2014, p. 36).

Sabidamente, não há direito fundamental com caráter absoluto e assim se passa igualmente com a liberdade de expressão do pensamento. Na espécie, há as chamadas intervenções restrititivas a esse direito, e foi por isso que o legislador constituinte lançou a ressalva no inciso IV, do art. 5., CF: "sendo vedado o anonimato". É dizer, em síntese: a liberdade de expressão do pensamento é garantida, e o controle das manifestações abusivas é estabelecido a partir da identificação de quem as exprime, servindo a vedação do anonimato a esse fim. A proibição tem, portanto, duas finalidades, ao menos: desestimular a expressão abusiva do pensamento e, permitir ao lesado o direito de resposta e responsabilização civil e/ou criminal.

Daí para frente, existem duas circunstâncias a considerar: a) a expressão do pensamento, pela impetrante, foi capaz de atingir, ou não, os participantes do ato divulgado? Nesse caso, quem são os titulares do direito ao revide e responsabilização?; b) a expressão do pensamento, por servidora deste Poder, pode constituir violação do dever funcional? Estes são os questionamentos que precisam ser respondidos no exame do pedido liminar e por ocasião do julgamento definitivo.

Sua excelência, a autoridade impetrada, vazou decisão pela instauração de...

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