Decisão Monocrática Nº 5003122-13.2020.8.24.0091 do Quinta Câmara de Direito Público, 07-02-2022

Número do processo5003122-13.2020.8.24.0091
Data07 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoDecisão Monocrática
Apelação / Remessa Necessária Nº 5003122-13.2020.8.24.0091/SC

APELANTE: MIRELI MARTIGNAGO (AUTOR) APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

DESPACHO/DECISÃO

Cuidam-se de recursos de apelação cível interpostos por MIRELI MARTIGNAGO e por ESTADO DE SANTA CATARINA contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da Ação ordinária de anulação de questão de Concurso Público n. 5003122-13.2020.8.24.0091, aforada pela particular em face do Estado de Santa Catarina, bem como de reexame necessário.



1.1 Desenvolvimento processual

Adota-se o relatório da sentença proferida pelo magistrado singular Joao Batista da Cunha Ocampo More (evento 29 na origem):

Trata-se de "Ação ordinária de anulação de questão de Concurso Público", com pedida de tutela de urgência antecipada, ajuizada por Mireli Martignado em face do Estado de Santa Catarina, ambos devidamente qualificados.

Narrou que participou de processo seletivo para ingresso no Curso de Formação de Cabos da Polícia Militar de Santa Catarina conduzido pelo Edital n. 056/DIE/PMSC/2019 e que na etapa da prova objetiva, a questão de número 21 e 23 possuem erro material que as tornam nulas.

Por tais razões, requereu liminarmente a concessão da tutela provisória de urgência para anular das referidas questões, de modo a assegurar sua reclassificação no certame. No mérito, postulou a confirmação da medida antecipatória (Evento 1 - docs 2/12).

O pedido liminar foi deferido, determinando-se: a) a atribuição precária à parte autora da pontuação prevista em edital das questões número 21 e 23 da prova objetiva do processo seletivo para Formação de Cabos da PMSC regido pelo Edital n. 056/DIE/PMSC/2019; b) a reclassificação do candidato e, se for o caso, a convocação para participar das próximas etapas do certame (Evento 10).

O Estado de Santa Catarina apresentou contestação (Evento 19), aduzindo que não se vislumbra qualquer "erro material ou teratológico" ou, ainda, nenhuma ofensa ao princípio da legalidade ou da vinculação ao edital no caso em tela, não podendo o Judiciário adentrar à esfera de discricionariedade do Estado. Assim, pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica (Evento 22).

O Ministério Público deixou de oferecer parecer de mérito (Evento 27).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório necessário.



A causa foi valorada em R$ 1.040,00 (um mil e quarenta reais).



1.2 Sentença

O MM. Juiz João Batista da Cunha Ocampo More, declarou a parcial procedência dos pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos:

[...]

Inicialmente, não havendo outras pendências a serem esclarecidas, passa-se ao julgamento antecipado do mérito, haja vista a controvérsia dos autos prescinde de dilação probatória (art. 355,I, do CPC).

No caso em apreço, busca a autora a anulação das questões 21 e 23 da prova objetiva aplicada no certame público para ingresso no Curso de Formação de Cabos da Polícia Militar de Santa Catarina, regido pelo Edital 056/DIE/2019.

De início, destaca-se que segundo consolidada jurisprudência pátria, não incumbe ao Poder Judiciário efetuar a correção de provas, exceto quando verificada ocorrência de teratologia ou incompatibilidade flagrante do conteúdo exigido com o edital, conforme firmado em recente julgamento proferido no Recurso Extraordinário 632.853/CE, cuja repercussão geral fora reconhecida (TEMA 485):

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido. (STF, RE 632853, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, dj. 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015).

O Superior Tribunal de Justiça também posicionou-se no sentido de "não cabe ao Poder Judiciário interferir nos critérios de avaliação da banca examinadora de concurso público, a menos que, do exame da questão impugnada pelo candidato, apresente-se formulação dissociada dos pontos constantes do programa do certame ou teratológica, de forma que impossibilite a análise e a consequente resposta do concursando" (STJ, RMS 22542/ES, rela. Min. Jane Silva, Desembargadora Convocada do TJMG, Sexta Turma, dj. 19-3-2009).

Fundado nas premissas de que a via judicial não é apta para a correção de provas aplicadas em concursos públicos, notadamente por se tratar de ato administrativo discricionário de incumbência conferida à banca examinadora do certame e de que deve ser severamente inibida a transformação do Poder Judiciário como "órgão revisor" de atos administrativos de atribuição de outros Poderes, passa-se ao exame do caso concreto.

Da análise dos autos, verifica-se que a questão n. 21 deve ser anulada, pois há erro grosseiro na elaboração de seu enunciado.

O enunciado da questão de número 21 foi assim escrito:

21. Sobre Habilitação, nos termos do Capítulo XIV da Lei nº 9.503/97, assinale a alternativa INCORRETA:

a) A Carteira Nacional de Habilitação de Categoria B permite a condução de veículo motorizado, não abrangido pela categoria A, cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas e cuja lotação não exceda a oito lugares.

b) São os condutores de categoria B autorizados a conduzir veículo automotor da espécie motor-casa, cujo peso não exceda a 6.000 kg (seis mil quilogramas), ou cuja lotação não exceda a 8 (oito) lugares, excluído o do motorista.

c) A Carteira Nacional de Habilitação de Categoria E permite a condução de combinação de veículos em que a unidade tratora se enquadre nas categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada, reboque, semirreboque, trailer ou articulada tenha 6.000 kg (seis mil quilogramas) ou mais de peso bruto total, ou cuja lotação exceda a 8 (oito) lugares.

d) O trator de roda, o trator de esteira, o trator misto ou o equipamento automotor destinado à movimentação de cargas ou execução de trabalho agrícola, de terraplanagem, de construção ou de pavimentação só podem ser conduzidos na via pública por condutor habilitado nas categorias C, D, ou E.

e) Para habilitar-se na categoria C, o condutor deverá estar habilitado no mínimo há um ano na categoria B e não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima, ou ser reincidente em infrações média, durante os últimos doze meses.

A questão acima claramente possui duas respostas incorretas. Muito embora a assertiva descrita na letra "A" tenha suprimido apenas a expressão final do artigo 143, II, do Código de Trânsito Brasileiro, isso tornou a alternativa incorreta. Há afirmação de que aquele que possui categoria B da CNH pode conduzir veículo motorizado de até 3.500 kg e até 8 lugares, sendo que, em verdade, contando o do motorista, a lei permite a condução do referido veículo com até nove lugares, consoante se infere do seguinte dispositivo:

"Art. 143. Os candidatos poderão habilitar-se nas categorias de A a E, obedecida a seguinte gradação: [...] II - Categoria B - condutor de veículo motorizado, não abrangido pela categoria A, cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas e cuja lotação não exceda a oito lugares, excluído o do motorista"; (grifos crescidos)

Entrementes, a letra "D", que trata do artigo 144 do CTB, também suprimiu a redação do parágrafo único, o que faz a alternativa também ficar incorreta. Nessa assertiva consta que o trator de roda e os equipamentos automotores destinados a executar trabalhos agrícolas somente poderão ser conduzidos na via pública por condutor habilitado nas categorias C, D ou E, sendo que o parágrafo único permite a condução dos referidos veículos por habilitado na categoria B.

Portanto, a questão número 21 possui dois itens incorretos, isto é, dois gabaritos possíveis de serem assinalados. Essa situação impossibilitou o raciocínio correto do candidato sobre o assunto cobrado na prova objetiva, motivo pelo qual a questão deve ser anulada.

De outro vértice, observa-se que a questão residual requerida pela parte autora carece de amparo.

Em relação à questão número 23, destaca-se a fundamentação do Des. Ronei Danielli em caso análogo, que entendeu que os anexos atualizados das Resoluções do CONTRAN estavam previstos no edital do certame, verbis:

Num primeiro momento, a tese de fuga do edital parece robusta, entretanto, consoante alegado pela autoridade coatora em sua manifestação, a informação sobre a configuração da infração de trânsito do art. 169 do CTB, quando da direção de motocicleta sem viseira consta no volume I do anexo I da Resolução n. 371/2010 do CONTRAN (Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito), diploma este previsto no instrumento convocatório. [...]. Considerando que nos anexos da versão atualizada do referido manual, há sim a hipótese de infração a que faz referência a questão n. 23, não se verifica a ilegalidade apontada" (AI n.5004446-54.2019.8.24.0000/SC, j. 11/11/2019).

Cumpre dizer que o Tribunal de Justiça vem adotando como razão de decidir os argumentos do ilustre Desembargador Ronei Danielli para rechaçar a anulação da questão n. 23, razão pela qual se filia este juízo também ao posicionamento da Corte Catarinense.

Também não há falar em erro grosseiro, porque a questão não cobrou a literalidade de lei, mas sim uma interpretação sistemática de toda a legislação de trânsito prevista no edital do processo seletivo.

Vale frisar que a interpretação errônea da questão pelo candidato não é motivo para anulá-la, sobretudo porque redigida de forma inteligível e nos limites do conteúdo programático constante do edital.

Por oportuno, deve-se esclarecer que outros magistrados que passaram por esta Vara de Direito Militar já decidiram em sentido diverso. No entanto, no entender deste juízo, inviável adentrar nas...

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