Decisão Monocrática Nº 5017544-72.2020.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Civil, 02-08-2020

Número do processo5017544-72.2020.8.24.0000
Data02 Agosto 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoDecisão Monocrática









Agravo de Instrumento Nº 5017544-72.2020.8.24.0000/SC



AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA AGRAVADO: INSTITUTO LEONARDO MURIALDO


DESPACHO/DECISÃO


I - Na Comarca de Araranguá, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública com pedido de obrigação de fazer (5002141-04.2020.8.24.0052) em face do Instituto Leonardo Murialdo.
O agravo de instrumento investe contra a decisão de indeferimento do pedido liminar do Órgão Ministerial, especialmente a redução linear das mensalidades escolares pagas pelos consumidores ao acionado, nos seguintes termos (EVENTO 4 dos autos de origem):
1. Inicialmente, embora a questão sequer tenha sido ventilada, antecipo que, embora minhas filhas estejam matriculadas no Colégio requerido, nenhuma delas está no ensino infantil, de forma que o objeto da ação não me beneficia ou prejudica (lembrando que, uma vez fixadas, anuidades não podem ser majoradas). Assim, tenho que não estão presentes causas de impedimento ou suspeição.
2. Quanto ao mérito da questão:
2.1. Primeira premissa: a pré-escola é obrigatória e por ela paga-se pela regular educação; a creche é facultativa.
Conforme a Lei nº 9.394/96, a educação básica divide-se em infantil, ensino fundamental e médio (art. 21), sendo que a primeira (infantil) é prestada em creches para crianças de até três anos de idade e em pré-escolas para as crianças de quatro e cinco anos de idade (art. 30).
Ao contrário do que acontece com a creche, a matrícula e frequência à pré-escola é obrigatória como determinam os arts. 4º, I, 6º, da citada lei.
E essa é uma distinção bastante importante, já que, estejamos ou não em pandemia, crianças a partir dos quatro anos devem necessariamente estar matriculadas na pré-escola, seja em instituição pública ou particular. O mesmo não pode ser dito quanto àquelas com menos de quatro anos.
Em resumo, os pais podem encarar a creche unicamente como uma comodidade, um local no qual possam deixar seus filhos para trabalharem e, por isso, o ensino presencial pode ser considerado razão de ser da matrícula da criança na instituição ao invés de deixá-la fora da rede escolar. Já na pré-escola, o ingresso na rede escolar é imposição legal e por isso os pais não poderiam optar por não matricular seus filhos por não gostarem da sistemática de ensino vigente.
Como o requerido, na unidade de Araranguá, oferece vagas apenas a partir da pré-escola, é desnecessário analisar a situação da creche.
2.2. Segunda premissa: a obrigação da instituição de ensino é ministrar as aulas segundo os parâmetros da legislação.
Conforme já mencionei, a frequência à pré-escola é obrigatória.
A obrigação da instituição é ensinar (e avaliar quando a legislação prevê) o conteúdo determinado pelos órgãos competentes.
E isso é de fundamental importância: é a legislação em geral que fixa o mínimo que deve ser ministrado, por quanto tempo e de que forma.
Quanto a isso, não há nenhuma forma de ingerência dos pais, resumindo-se o direito deles a escolher a instituição de ensino de sua preferência. A própria instituição de ensino possui pouca margem de decisão, podendo fazer escolhas apenas nos limites que a legislação assim permitir.
Assim, se hoje a legislação estabelecesse que o ano letivo seria composto por um total de 120 horas ministradas à distância, esta seria a obrigação a ser cumprida pela escola.
2.3. Terceira premissa: alunos pagam por um ano letivo e não necessariamente por uma prestação de serviço mensal
Os pais pagam pela educação uma anuidade, sendo que por previsão legal ela é dividida em prestações mensais (art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.870/99). Mas isso não quer dizer que se pague pelo serviço mês a mês, tanto que não há redução de mensalidade em meses de férias por exemplo.
Assim, repito, interessa apenas que, ao final do prazo que a instituição de ensino possui, ela tenha cumprido com a sua obrigação, isto é, ministrado o conteúdo estabelecido, na forma e tempo mínimos exigidos pela legislação.
2.4. Quarta premissa: simples redução do custo da instituição de ensino não possui como regra reflexos no valor da mensalidade
A Lei nº 9.870/99 prevê regras para a fixação do valor da anuidade, que, uma vez estabelecida, não pode ser, por exemplo, majorada em razão do aumento dos custos da instituição naquele ano letivo.
Quando da fixação do valor da anuidade, a referida lei prevê a possibilidade de acrescer ao da anterior a variação dos custos, mas ela não impõe o decréscimo quando houver redução dos custos da instituição de ensino.
Também é importante destacar que a necessidade de uso de internet e equipamento (celular, computador ou tablet) é, assim como os demais materiais escolares de uso individual, despesa a ser legalmente suportada pelo aluno.
2.5. Quinta premissa: o art. 51, § 1º, III, do CDC, e o art. 478 do CPC exigem expressiva desproporção
O art. 478 do Código Civil prevê que "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato" enquanto que o art. 51, § 1º, III, do CDC, dispõe que "presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (...) se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso".
A primeira observação a ser feita é que ambos os dispositivos exigem uma expressiva desproporção, o que, no caso em exame, não corresponderia a toda e qualquer redução de custo da instituição de ensino.
A segunda é que estes dispositivos visam em verdade evitar um prejuízo decorrente como regra do aumento exagerado da prestação. Não houve aumento da anuidade escolar, e, desde que obedecidos os parâmetros legais, se o ano letivo for considerado válido não se pode falar em diminuição do 'valor' do ensino pela alteração da sistemática (de presencial para à distância).
2.6. Sexta premissa: não há elemento que demonstre se houve redução de custos (e de quanto) da requerida
Argumenta-se que o uso da plataforma digital reduziu os custos das instituições de ensino.
Pode ser que isso tenha ocorrido (embora a ré continue arcando com o salário de seus professores e com a conservação do prédio no qual suas atividades voltarão a ser desenvolvidas quando do fim da pandemia), mas é preciso saber de quanto foi essa redução (pode ter havido, por exemplo, economia de energia elétrica, mas também o uso da plataforma digital pode ter trazido gastos que não existiam).
Mais, é cedo para dizer se esta suposta redução neste ano letivo é momentânea ou não, já que existe uma outra informação financeira que ainda é desconhecida: os eventuais custos extras que existirão no caso da necessidade de reposição de aulas em um curto espaço de tempo (afinal, ainda não se sabe o que os órgãos competentes considerarão como necessário para que este ano letivo seja considerado encerrado e válido).
Só após estes dados é que se poderá verificar se efetivamente a pandemia trouxe ou não uma redução de custos (que, como já mencionei, deve ser expressiva para que se cogite de reflexos no valor da anuidade).
Tudo isso deve ser demonstrado de forma concreta e não pode ser simplesmente presumido.
No caso, não há qualquer elemento que permita concluir por uma redução substancial dos custos da requerida.
2.7. Conclusão
A pandemia impôs restrições a diversos setores, inclusive o de ensino. A suspensão das aulas presenciais é uma determinação. Na impossibilidade do ensino dentro do colégio, passou-se a usar a plataforma digital (e, como pai, tenho enfrentado as dificuldades que são muito bem expostas na inicial).
Essa mudança não é motivada pelo desejo de aumento de lucro ou mesmo por comodidade; foi sim imposta pelas circunstâncias.
Todos foram pegos de surpresa e estão adaptando à nova realidade e às novas necessidades. Nem tudo está perfeito, mas, como em todos os setores, faz-se o que é possível.
Como o próprio Ministério Público indica, o uso de plataforma digital - embora pouco usual na educação básica - foi devidamente autorizado tanto em nível federal (MP nº 934/2020) e estadual (Resolução CEE/SC nº 009/2020). Desta forma, embora não seja da forma que estávamos acostumados e esperávamos que acontecesse durante este ano letivo, as aulas estão sendo ministradas e o conteúdo transmitido.
Ou seja, ainda que de forma pouco tradicional, do ponto de vista legal o requerido está cumprindo com sua obrigação. E, por isso, a simples alteração da sistemática, não autoriza redução da mensalidade.
Verdade seja dita, na situação atual só se poderá afirmar que há descumprimento contratual por parte da instituição de ensino quando for impossível a ela concluir o ano letivo (o que é cedo para dizer).
Assim, indefiro o pedido de tutela de urgência de redução das mensalidades.
Em relação aos demais pedidos, não há qualquer indicativo de que a requerida não os esteja observando. Além disso, não há como genericamente declarar nula a cláusula penal (até porque, repito, não há mora por parte da requerida que justifique resolução de contrato por culpa dela). Finalmente, inexiste perigo de dano, razão pela qual indefiro os demais pleitos.
[...]
Irresignado, o Parquet agravou do decisum sustentando, em compendiado, que: a) a Promotoria Regional de Defesa do Consumidor da Capital instaurou os Inquéritos Civis 06.2020.0001904-1 e 06.2020.00002035-9 para apurar o desequilíbrio nos contratos...

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