Decisão Monocrática Nº 5024222-97.2021.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 18-03-2021

Número do processo5024222-97.2021.8.24.0023
Data18 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoDecisão Monocrática
Apelação Nº 5024222-97.2021.8.24.0023/SC

APELANTE: FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE (REQUERENTE) APELANTE: FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE LTDA. (REQUERENTE)

DESPACHO/DECISÃO

FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE e FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE LTDA. interpuseram recurso de apelação em face da sentença proferida pelo magistrado Luiz Henrique Bonatelli nos autos da tutela cautelar em caráter antecedente n. 5024222-97.2021.8.24.0023, nos seguintes termos:

I - RELATÓRIO

Trata-se de TUTELA CAUTELAR EM CARÁTER ANTECEDENTE Preparatória de Pedido de Recuperação Judicial, pleiteado por FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE LTDA. sociedade limitada inscrita no CNPJ/MF sob o nº 21.603.708/0001 e FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE, associação civil inscrita no CNPJ/MF sob o nº 83.930.131/0001-03, movido em 11/03/2021.

Sustentam que desenvolvem conjunta e indissociavelmente a marca Figueirense, responsáveis por mais de uma centena de empregos diretos e milhares de indiretos, que somados, garantem uma folha de pagamento mensal de aproximadamente R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais). Além disso, a operação contabiliza como despesa tributária, a soma aproximada de R$ 120.000,00 (cento e vinte e mil reais) mensais.

Alegam que, além de ser fato notório a sua situação esportiva - em razão do recente rebaixamento a terceira divisão do campeonato brasileiro de futebol masculino - amargam ainda uma dívida que atinge a cifra de R$ 165 milhões de reais, situação que, igualmente, impactou no seu desempenho futebolístico.

Mencionam ainda os fatores responsáveis pela condição apresentada, seja com a gestão "forjadas sob uma "parceria" com um grupo investidor vendida como chave para o sucesso, mas que se revelou desastrosa em todos os sentidos" seja com as consequências da pandemia do COVID 19.

Destacam que após estudos e análise de suas necessidades, entendem ser imprescindível, para a continuidade da atividade, contar com os procedimentos previstos na legislação recuperacional, dentre eles o deferimento do pedido de suspensão da exigibilidade dos créditos trabalhistas e quirografários, que assegurará, juntamente com o retorno da antiga gestão, a reversibilidade da crise. Justificam que essa medida provisória "é condição inafastável para a preservação dos seus ativos e da própria operação-futebol" e possibilitará o ajuizamento de demanda corretamente instruída e a negociação de suas dívidas de forma conjunta e igualitária sob a fiscalização do judiciário.

Sustentam, ainda, que exercem atividade empresária com algumas peculiaridades, bem como o cabimento do pedido cautelar, no qual justificam a necessidade da medida e o perigo de dano. Discorrem sobre a competência deste Juízo para o processamento deste feito e dizem presentes os fundamentos para a concessão da tutela cautelar, interpretando que o Art. 2º da lei 11.101/2005 estenderia às associações civis a possibilidade de se socorrerem da recuperação judicial.

Requerem, ao final a suspensão da exigibilidade de todos e quaisquer créditos trabalhistas e quirografários detidos contra o Figueirense Futebol Clube ou contra a Figueirense Futebol Clube Ltda., autorização do levantamento pelos Requerentes de todos e quaisquer ativos que tenham sido objeto de bloqueios ou arrestos, assim como os dados em caução ou depósito, nos processos em que se discutem os créditos trabalhistas e quirografários.

Valoraram a causa em R$ 100.000,00 (cem mil reais), juntaram procuração (Evento 1, PROC2) e documentos (Evento 1, DOCUMENTACAO3/15) e emitiram a guia de custas com recolhimento realizado.

Após vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.

DECIDO:

II - FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de cautelar em caráter antecedente (preparatória de pedido de recuperação) ajuizada por FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE LTDA ("Figueirense Ltda.") e FIGUEIRENSE FUTEBOL CLUBE.

Por se tratar de cautelar de caráter antecedente, a própria parte autora informa na inicial que será proposta, no prazo legal, a recuperação judicial. Em que pese a argumentação trazida com a inicial, entendo que o feito merece ser extinto!

A parte autora (Figueirense Futebol Clube) trata-se de uma associação civil sem fins lucrativos, reconhecida na própria inicial ("A Figueirense Ltda. é sociedade empresária constituída em 23.12.2014 e o Figueirense FC um agente econômico constituído sob a forma de associação civil sem fins lucrativos em 12.06.1921"), de modo que, por isso, não contemplada com a possibilidade de postular à recuperação judicial, na forma do artigo 1º da Lei n. 11101/05.

Não desconheço a existência, de fato, de duas correntes doutrinárias a respeito desse tema. Uma tida por conservadora, positivista e literal, ou ou seja, com foco na dicção legislativa, e, por outro lado, outra que se atribui principiológica/teleológica, cada qual com forte e respeitada fundamentação em sentidos opostos. A primeira defende a impossibilidade de as associações sem fins lucrativos figurarem como atores que poderiam utilizar-se do instituto da falência e da recuperação judicial por não se enquadrarem no conceito de sociedade empresária, ao passo que a segunda manifesta-se em sentido oposto.

Com a devida vênia aos entendimentos em sentido contrário, este magistrado filia-se à primeira corrente doutrinária tida positivista, de modo que, por esta razão, entendo que as associações civis sem fins lucrativos não podem utilizar-se da recuperação judicial por não constituírem sociedade empresária.

Nesse sentido, oportuno destacar a dicção do artigo 1º da Lei n. 11101/05, in verbis:

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor. (grifei)

Dessa forma, tenho que o legislador, ao tratar dos institutos da falência e da recuperação judicial, optou por restringir a sua utilização apenas ao empresário e à sociedade empresária. Trata-se de premissa que deve ser pontuada, na medida em que a legislação foi contextualizada com relação a esses dois personagens.

Como se pode observar sem a menor dificuldade, a lei legitimou o empresário e a sociedade empresária para eventuais pedidos de recuperações judiciais e falências, deixando propositadamente de fora as associações civis, vale dizer, repito, o legislador optou por restringir a recuperação judicial para o empresário e para a sociedade empresária.

Comentando o dispositivo supra, Daniel Carnio Costa, ilustre juiz de direito titular de vara especializada em falências e recuperações judiciais na cidade de São Paulo, também prestigiado jurista, e tido como uma das maiores autoridades do país nesta matéria, leciona:

A Lei 11.101/05, art. 1º, define o seu objeto de disciplinar a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência de empresas, além de estabelecer a sujeição do empresário ou da sociedade empresária, aos quais se refere como devedor. Estes são, portanto, os destinatários da Lei Falimentar e recuperacional.

[...]

O CCC/2002, art. 982, conceitua que 'salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro; e simples, as demais', acrescentando em seu parágrafo único, que independente do seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018, P. 37).

E conclui o eminente magistrado e jurista:

Portanto, ao incluir na sujeição passiva o empresário e a sociedade empresária (ou considerada empresária em razão da atividade por ela explorada), a Lei estabeleceu como destinatários o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, a sociedade em comum, a sociedade em nome coletivo, a sociedade comandita simples, a sociedade limitada, a sociedade anônima e a sociedade em comandita por ações" (Comentários à lei de recuperação de empresas e falências: lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/ Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo - Curitiba: Juruá, 2021, COSTA, p. 51). (grifei)

Como se vê, entende o Mestre que o legislador optou por não incluir as associações civis como sujeitos à recuperação judicial ou falência.

Outra não é a lição do magistrado paulista e também eminente jurista Marcelo Barbosa Sacramone, sobre o mesmo tema:

Apenas os empresários e as sociedades empresárias são submetidos à Lei n. 11.101/2005 e podem sofrer seus efeitos e obter seus benefícios, como a falência e as recuperações judicial e extrajudicial (Comentários à lei de recuperação de empresas e falência - São Paulo; Saraiva Educação, 2018, p. 47)

E adiante arremata:

As demais pessoas jurídicas de direito privado, arroladas no art. 44 do Código Civil, como as associações, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as sociedades que não exercem atividade empresarial, não são consideradas empresários e, portanto, não podem se submeter à recuperação judicial ou ter a falência decretada. (ob. Cit., p. 52).

Oportuno ressaltar, também, que as recentes alterações da Lei n. 11101/05 foram resultado do PL n. 6.229/05, que concentrou todos os projetos de lei e tramitou no Congresso Nacional desde 2005, ou seja, por mais de 15 (quinze) anos, sendo amplamente debatido, e mesmo assim, diante de todas as discussões e controvérsias surgidas, continuou restrita a falência e a recuperação judicial somente ao empresário e à sociedade empresária. Veja-se que o tempo de tramitação do projeto de lei permitiria, caso o legislador optasse por outro personagem, a inclusão de outros atores que pudessem fazer uso desses institutos. Todavia, volto a dizer, não houve alteração nesse ponto.

Note-se, ainda, que tramitam no Congresso alguns projetos de lei para criação dos chamados clube-empresa, ainda não aprovados, o que reforça ainda mais a opção, até aqui, do legislador de legitimar o acesso à recuperação judicial somente ao empresário e à sociedade empresária, com exclusão das associações civis sem fins lucrativos.

Não desconheço, como dito, a existência de corrente...

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