Decisão Monocrática Nº 5035320-17.2022.8.24.0000 do Sétima Câmara de Direito Civil, 18-07-2022
Data | 18 Julho 2022 |
Número do processo | 5035320-17.2022.8.24.0000 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Órgão | Sétima Câmara de Direito Civil |
Tipo de documento | Decisão Monocrática |
Agravo de Instrumento Nº 5035320-17.2022.8.24.0000/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001258-20.2022.8.24.0074/SC
AGRAVANTE: VALTAIR ANDRADE AGRAVADO: CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S/A - CELESC
DESPACHO/DECISÃO
Valtair Andrade interpôs recurso de agravo de instrumento contra decisão interlocutória (Evento 9 dos autos de origem) proferida pelo Juízo da 1ª Vara da comarca de Trombudo Central que, na ação indenização por perdas e danos autuada sob o n. 50012582020228240074, ajuizada em face de Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC, indeferiu os benefícios da justiça gratuita à parte agravante e determinou o recolhimento das custas iniciais, sob pena de cancelamento da distribuição do feito.
Para melhor elucidação da matéria debatida dos autos, transcreve-se trecho da fundamentação da decisão recorrida:
1. A assistência jurídica pelo Estado, em qualquer de suas formas (isenção de taxas, emolumentos, honorários, indicação de Defensor Público ou patrocínio por advogado dativo), é um benefício assegurado constitucionalmente apenas "aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXIV, da Constituição).
Durante a constituinte, foi rejeitada a emenda 00340, de Mello Reis (PDS/MG), pela qual se propôs a supressão do trecho "aos que comprovarem insuficiência de recursos" do final do inciso LXXVI do art. 5º, do Projeto B (2º turno). A emenda foi rejeitada porque "a supressão proposta inviabiliza o texto aprovado em primeiro turno, na medida em que obriga o Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita para todos, independentemente de sua condição econômica".1
Venceu ali, portanto, a ideia sóbria de uma assistência jurídica pelo Estado que beneficie apenas quem efetivamente dela necessita, não a todos indistintamente.
É um tanto óbvio, mas alegar não é o mesmo que provar: "O ônus de afirmar antecede o de provar, uma vez que o objeto do conhecimento do juiz é composto pelas afirmações das partes, e sem que haja estas não haveria sequer o que provar. As afirmações das partes qualificam-se como alegações, quando trazidas como fundamento de pedidos ou requerimentos; daí falar-se também em ônus de alegar com relação às demandas iniciais, recursos, respostas etc." (Candido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil II. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 296)
Quando a Constituição fala em comprovação, exige mais que a simples alegação do interessado. Não há qualquer sentido em se admitir como compatível com aquele dispositivo norma infraconstitucional segundo a qual "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural" (CPC, art. 99, §3º), porque isso nada mais é que um artifício que esvazia aquela previsão. Contorna-se regra constitucional por legislação ordinária, pois a presunção decorrente da mera alegação retira da parte o ônus probatório imputado pela Constituição e - qualquer um que milita no foro sabe - na prática acarreta a concessão indiscriminada do benefício a todos os que se declaram hipossuficientes.
A impossibilidade deste tipo de abuso de formas (norma inferior contornando proibição norma superior) é uma exigência básica de sistematicidade do direito, decorrente da própria lógica implícita em qualquer ordenamento jurídico - ainda que no Brasil este artifício seja bastante aceito - e tem como exemplo mais notório de vedação expressa os arts. 4º, I, e 110 do CTN (o art. 166, VI, do Código Civil é outro exemplo, porém voltado aos negócios jurídicos em geral quando usados para burlar lei de ordem pública).
E constitui artifício do mesmo tipo pretender que o benefício abranja apenas as assistências jurídicas e judiciária, não o benefício da gratuidade da justiça, como se este último, apenas por ser uma versão atenuada de benefícios mais abrangentes, estivesse imune à parte final do art. 5º, LXXIV, da Constituição. Existiu ali uma opção do constituinte que não pode ser ignorada pelo legislador ordinário.
2. É extremamente importante a exigência de comprovação da condição econômica para todas as modalidades de assistência ao jurisdicionado hipossuficiente (gratuidade da justiça, assistência judiciária ou assistência jurídica), não apenas porque esta é interpretação mais adequada do dispositivo constitucional, mas também porque a concessão indiscriminada destes benefícios produz sérias distorções no sistema de justiça, que acabam por afetar negativamente os jurisdicionados em geral, mitigando a o direito da coletividade a um acesso de qualidade à justiça.
Primeiro, as partes com condições de arcar com as despesas e honorários, mas que recebem o benefício por falta exigência de comprovação, fazem com que os serviços judiciários, nestes casos, sejam injustamente financiados pela coletividade, não pelo próprio usuário do sistema de justiça.
Depois, a gratuidade concedida indiscriminadamente acarreta uma absurda situação em que a parte autora litiga com custo e risco zero. Atua na tentativa de obter vantagem patrimonial, ao mesmo tempo em que gera considerável incômodo ao réu, sem que se sujeite a qualquer infortúnio, ainda que mínimo, em caso de derrota...
AGRAVANTE: VALTAIR ANDRADE AGRAVADO: CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S/A - CELESC
DESPACHO/DECISÃO
Valtair Andrade interpôs recurso de agravo de instrumento contra decisão interlocutória (Evento 9 dos autos de origem) proferida pelo Juízo da 1ª Vara da comarca de Trombudo Central que, na ação indenização por perdas e danos autuada sob o n. 50012582020228240074, ajuizada em face de Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC, indeferiu os benefícios da justiça gratuita à parte agravante e determinou o recolhimento das custas iniciais, sob pena de cancelamento da distribuição do feito.
Para melhor elucidação da matéria debatida dos autos, transcreve-se trecho da fundamentação da decisão recorrida:
1. A assistência jurídica pelo Estado, em qualquer de suas formas (isenção de taxas, emolumentos, honorários, indicação de Defensor Público ou patrocínio por advogado dativo), é um benefício assegurado constitucionalmente apenas "aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXIV, da Constituição).
Durante a constituinte, foi rejeitada a emenda 00340, de Mello Reis (PDS/MG), pela qual se propôs a supressão do trecho "aos que comprovarem insuficiência de recursos" do final do inciso LXXVI do art. 5º, do Projeto B (2º turno). A emenda foi rejeitada porque "a supressão proposta inviabiliza o texto aprovado em primeiro turno, na medida em que obriga o Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita para todos, independentemente de sua condição econômica".1
Venceu ali, portanto, a ideia sóbria de uma assistência jurídica pelo Estado que beneficie apenas quem efetivamente dela necessita, não a todos indistintamente.
É um tanto óbvio, mas alegar não é o mesmo que provar: "O ônus de afirmar antecede o de provar, uma vez que o objeto do conhecimento do juiz é composto pelas afirmações das partes, e sem que haja estas não haveria sequer o que provar. As afirmações das partes qualificam-se como alegações, quando trazidas como fundamento de pedidos ou requerimentos; daí falar-se também em ônus de alegar com relação às demandas iniciais, recursos, respostas etc." (Candido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil II. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 296)
Quando a Constituição fala em comprovação, exige mais que a simples alegação do interessado. Não há qualquer sentido em se admitir como compatível com aquele dispositivo norma infraconstitucional segundo a qual "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural" (CPC, art. 99, §3º), porque isso nada mais é que um artifício que esvazia aquela previsão. Contorna-se regra constitucional por legislação ordinária, pois a presunção decorrente da mera alegação retira da parte o ônus probatório imputado pela Constituição e - qualquer um que milita no foro sabe - na prática acarreta a concessão indiscriminada do benefício a todos os que se declaram hipossuficientes.
A impossibilidade deste tipo de abuso de formas (norma inferior contornando proibição norma superior) é uma exigência básica de sistematicidade do direito, decorrente da própria lógica implícita em qualquer ordenamento jurídico - ainda que no Brasil este artifício seja bastante aceito - e tem como exemplo mais notório de vedação expressa os arts. 4º, I, e 110 do CTN (o art. 166, VI, do Código Civil é outro exemplo, porém voltado aos negócios jurídicos em geral quando usados para burlar lei de ordem pública).
E constitui artifício do mesmo tipo pretender que o benefício abranja apenas as assistências jurídicas e judiciária, não o benefício da gratuidade da justiça, como se este último, apenas por ser uma versão atenuada de benefícios mais abrangentes, estivesse imune à parte final do art. 5º, LXXIV, da Constituição. Existiu ali uma opção do constituinte que não pode ser ignorada pelo legislador ordinário.
2. É extremamente importante a exigência de comprovação da condição econômica para todas as modalidades de assistência ao jurisdicionado hipossuficiente (gratuidade da justiça, assistência judiciária ou assistência jurídica), não apenas porque esta é interpretação mais adequada do dispositivo constitucional, mas também porque a concessão indiscriminada destes benefícios produz sérias distorções no sistema de justiça, que acabam por afetar negativamente os jurisdicionados em geral, mitigando a o direito da coletividade a um acesso de qualidade à justiça.
Primeiro, as partes com condições de arcar com as despesas e honorários, mas que recebem o benefício por falta exigência de comprovação, fazem com que os serviços judiciários, nestes casos, sejam injustamente financiados pela coletividade, não pelo próprio usuário do sistema de justiça.
Depois, a gratuidade concedida indiscriminadamente acarreta uma absurda situação em que a parte autora litiga com custo e risco zero. Atua na tentativa de obter vantagem patrimonial, ao mesmo tempo em que gera considerável incômodo ao réu, sem que se sujeite a qualquer infortúnio, ainda que mínimo, em caso de derrota...
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