Decisão Monocrática Nº 8000146-95.2019.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Público, 30-04-2019

Número do processo8000146-95.2019.8.24.0000
Data30 Abril 2019
Tribunal de OrigemConcórdia
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoDecisão Monocrática


Agravo de Instrumento n. 8000146-95.2019.8.24.0000, Concórdia

Agravante : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotor : Mariana Mocelin (Promotora de Justiça)
Agravado : VP Escavações e Terraplanagem Ltda.

Interessado : Sivio Antonio Lemos das Neves
Interessado : Paulo Roberto Trombeta
Interessada : Patricia Junges
Interessado : Vanderlei Biagentini
Interessado : Município de Irani
Advogada : Manuella Mazzocco (OAB: 20490/SC)
Interessado : Estado de Santa Catarina
Procuradora : Celia Iraci da Cunha (OAB: 22774/SC)
Relator: Desa.
Vera Copetti

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Concórdia que, nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada em face de Sílvio Antonio Lemos das Neves, Paulo Roberto Trombetta, V. P. Escavações e Terraplanagem Ltda., Valderlei Biagentini e Patrícia Junges, negou o pedido de aplicação da medida cautelar de proibição de contratar com o Poder Público.

Alega que a prova documental que instrui a inicial apresentou indícios veementes da prática de atos de improbidade administrativa, afirmando ter havido direcionamento ilícito do processo licitatório para a contratação de empresa para recuperação e cascalhamento de estradas no Município de Irani (Processo Licitatório n. 55/2017; Tomada de Preços n. 004/2017), além do recebimento definitivo da obra sem a completa execução (Contrato n. 136/2017), causando prejuízo inequívoco ao erário. Informa que o juízo recorrido acolheu, em parte, o pleito liminar e ordenou a indisponibilidade de bens dos demandados, no montante de R$ 2.468.070,00, negando, porém, a vedação da medida cautelar de proibição da empresa V. P. Escavações e Terraplanagem Ltda. contratar com o Poder Público. Sustenta que as interceptações das comunicações telefônicas, deferidas nos autos n. 0001266-92.2018.8.24.0019 demonstram o "nítido intuito dos representantes da empresa V. P. Escavações em frustrar inúmeros outros processos licitatórios nos Municípios da região, com a prática de condutas ilegais para burlar estes procedimentos" (p. 12) [...], tais como "[...] 1) contatos com agentes públicos, 2) estabelecimento de preços bases para as licitações (ainda na fase interna) e 3) manipulação de documentos e cláusulas inseridas em editais" (p. 18). Aduz que a proibição de contratação com o poder público pode ser deferida antes da sentença de mérito com fundamento no poder geral de cautela (art. 297 do CPC), pois o art. 20 da Lei n. 8.429/92 exige o trânsito em julgado da condenação apenas para a suspensão dos direitos políticos e perda da função pública. Pede, ao final, a antecipação da tutela recursal e o provimento do reclamo. Anexou documentos (pp. 35-274 e 280-551).

É a síntese do essencial.

Decido.

O recurso é próprio e tempestivo, encontrando sua hipótese de cabimento no inciso I do art. 1.015 do Código de Processo Civil, daí porque admito seu processamento.

Para a concessão da tutela antecipada recursal (art. 1.019, inciso I, do CPC), exige-se a demonstração da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme determina o art. 300 do CPC. Os requisitos são cumulativos (STJ, AgInt no TP 1.110/RO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, j. em 15/03/2018, DJe 02/04/2018).

A Lei n. 7.347/85, que regula o procedimento da Ação Civil Pública, prevê, em seu art. 12, caput, a possibilidade de concessão de medida liminar pelo juízo antes da manifestação do demandado; in litteris: "Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo" (grifei).

Já o Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicável de forma complementar à Lei n. 7.437/85 quando da defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais (art. 21), dispõe em igual sentido:

Lei n. 7.437/85:

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Lei n. 8.078/90:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

[...]

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

Nesse sentido, embora a Lei n. 8.429/92 se refira expressamente apenas às medidas cautelares de indisponibilidade de bens (art. 7º), sequestro de bens (art. 16) e afastamento do agente do cargo público (art. 20, parágrafo único), resta evidente que o ordenamento jurídico-processual pátrio reconhece ao juiz, conforme afirmado pelo agravante, o chamado "poder geral de cautela", que lhe permite a adoção de medidas outras que visem garantir o resultado útil do processo ou evitar a prática de novos danos ao erário.

No atual Código de Processo Civil (CPC), o "poder geral de cautela" está materializado no art. 297, com a seguinte redação: "Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória".

Não obstante que a "proibição de contratação pelo Poder Público e recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios" esteja elencada como uma das sanções previstas no art. 12, da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), e, portanto, tenha caráter de "tutela antecipada" e não de "medida cautelar", a partir da vigência do novo Código de Processo Civil os requisitos para concessão de tutela cautelar ou tutela antecipada são os mesmos, diferenciando-se apenas o fundamento: "urgência" ou "evidência".

Assim, preenchidos os requisitos legais, poderá o juiz conceder a tutela provisória de urgência ou de evidência, de natureza cautelar ou antecipada, à parte requerente.

Cabe registrar, ainda, que a Lei de Improbidade Administrativa veda expressamente a concessão provisória de duas tutelas específicas: (i) perda função pública e (ii) suspensão dos direitos políticos. Tais medidas somente poderão ser efetivadas após o trânsito em julgado da ação, consoante disposição do art. 20, do mesmo diploma legal.

Sendo assim, em situações excepcionais e devidamente justificadas, o julgador não está limitado pelas hipóteses previstas nos arts. , 16 e 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, podendo deferir tutelas outras em vista do perigo da ocorrência de danos ou para assegurar o resultado útil do processo; excetuam-se, por óbvio, aquelas já citadas do art. 20, da LIA.

Quanto à plausibilidade do direito invocado, observo que o juízo a quo deferiu a indisponibilidade de bens dos demandados nos termos da fundamentação a seguir declinada, com cujos fundamentos estou de pleno acordo, entendendo estar suficientemente demonstra a prática de condutas que se amoldam às práticas vedadas nos incisos VIII e XII do art. 10 da LIA:

Na hipótese dos autos, pela análise dos documentos que instruem a petição inicial, observo que há provas suficientes para o deferimento da medida de urgência no que se refere ao direcionamento do certame, todas retiradas do Inquérito Civil n. 06.2017.00005527-3, além dos relatórios de interceptação telefônica e da busca e apreensão realizada.

Com efeito, ao que se vê, o primeiro edital lançado pela municipalidade foi "estudado" pela empresa contratada e, assim, justificaram-se as alterações formuladas no último certame (folha 10).

Aliás, cite-se que o documento contendo anotações feitas por funcionário da Ré V.P. Escavações e Terraplanagem Ltda. foi encontrado na residência do Réu Vanderlei Biagentini na busca e apreensão autorizada nos autos n. 0004502-52.2018.8.24.0019 (folha 10).

Convém transcrever que do documento foram verificados:

[...] indicação de "não tem no nosso contrato social", fazendo menção que o edital exige que a empresa contratada seja do ramo de engenharia civil. Há, ainda, a seguinte anotação: "fazendo", o que indica que a empresa V.P. Escavações estaria providenciado a alteração contratual, objetivando adequar ao estabelecimento do edital.

Dessa forma, logo após a deflagração do primeiro processo licitatório, a empresa alterou o Contrato Social (3ª Alteração Contratual), a fim de constar a atividade "construção civil", exigida pelo edital (folha 11), evidenciando o interesse na adequação das exigências feitas pela licitação.

Não fosse o suficiente, outras cláusulas foram "adequadas" para que a Ré V.P. Escavações e Terraplanagem Ltda. pudesse se encaixar nas condições relacionadas, a exemplo da exigência de que o maquinário fosse superior ao ano de 2010, alterado para 2007 (folha 13), dos caminhões (folhas 13/14) e da cláusula de vínculo entre a empresa concorrente e os profissionais/equipe técnica (folhas 15/16).

Verifica-se que, da mesma forma, foi incluída a exigência de que o engenheiro contratado tivesse vínculo há mais de 6 (seis) meses, a pedido do Réu Vanderlei Biagentini que por telefone disse "isso vai retirar mais concorrentes" (folhas 16/17).

A documentação carreada aos autos demonstra todo o "modus operandi" dos Réus V.P. Escavações e Terraplanagem Ltda, Vanderlei Biagentini e Patrícia Junges que, em conluio com os agentes públicos, alteraram o edital para favorecer a contratação (pp. 119-120 - autos de origem).

A proibição de contratação com o Poder Público, por sua vez, foi negada com fundamento exclusivo em...

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