Determinantes macroeconômicos do investimento direto espanhol na América Latina

AutorMarcos Tadeu Caputi Lélis/André Moreira Cunha/Julimar da Silva Bichara
Páginas92-110

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1. Introdução

Uma das características mais significativas do processo de globalização econômica tem sido a ampliação da mobilidade de capitais entre as economias. A literatura recente (RODRIK, 1998; PRASAD et al., 2003; OECD, 2002, MACHINEA; VERA, 2006, ARESTIS E DE PAULA, 2008) tem procurado avaliar os impactos da liberalização financeira sobre as economias receptoras de capitais, destacando a experiência dos países em desenvolvimento. Não obstante os movimentos de capitais estrangeiros mais gerais, costuma-se tratar o caso dos investimentos estrangeiros diretos (IED) como uma modalidade de financiamento mais virtuosa, tanto por seus efeitos diretos quanto indiretos. Assim, ao se examinar a significativa absorção dessa modalidade de investimento pelos países da América Latina, entre 1993 e 2007, destaca-se o notório movimento de internacionalização das empresas espanholas para o espaço econômico latino-americano. No ano de 1993, a participação dos fluxos de IED que se originaram na Espanha em direção às economias latino-americanas apresentava apenas uma proporção de 3% sobre o total recebido por essa última região. Já, em 1999, esse percentual atingiu praticamente 32%, chegando, em 2000, a mais de 35%, solidificando-se em um valor médio em torno de 10% do IED total recebido pelos países da América Latina até 2004, de maneira que, em 2007, esse percentual foi de 4,5%, próximo ao alcançado no primeiro ano do período evidenciado2.

Apesar da considerável afinidade econômica entre a América Latina e a Espanha, aprofundada nos anos 1990 a partir dos movimentos de IED, há poucos trabalhos que buscam delimitar a motivação desse processo de internacionalização das empresas desse país ibérico em direção à região latino-americana. Essa carência torna-se mais relevante quando se observa a especificidade metodológica empregada nesses trabalhos. Ou seja, nota-se que a grande maioria das análises aplicadas ao IED espanhol na América Latina não se utiliza de métodos estatísticos, individualizados em modelos econométricos de dados em painel, incorporando, ainda, a hipótese pull-pushfactors, o que conduz ao exame de três caracterizações: (i) a entrada de investimento direto foi determinada por fatores internos às economias hospedeiras (pull); (ii) ou por aspectos das economias de origem dessas inversões (push); (iii) ou, ainda, por uma combinação de ambos.

Nosso trabalho apresenta resultados potencialmente originais que procuram contribuir para reduzir tais lacunas analíticas. Seu objetivo é identificar os determinantes macroeconômicos do investimento direto espanhol na América Latina, considerando o período entre os anos de 1995 e 2007. A delimitação desses anos é proposta ao se levar em consideração o início do ciclo de IED espanhol na América Latina e seu término, um ano antes da eclosão

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da crise financeira internacional. Para tanto, o trabalho divide-se em duas seções, além desta Introdução e da Conclusão. A próxima seção faz uma breve revisão dos estudos empíricos que tiveram como tema o IED espanhol na América Latina e seus correlatos3.

Em seguida, são apresentados os resultados estatísticos do modelo econométrico proposto e os comentários das respostas econômicas atingidas. Por último, tem-se a conclusão, em que se salientam as principais respostas obtidas e as recomendações para estudos futuros relacionados ao tema.

2. Breve revisão da literatura — investimento espanhol na américa latina

A revisão da literatura proposta nesta seção aborda não apenas trabalhos que tratam unicamente do IED espanhol na América Latina, mas, também, algumas aplicações que visam entender o comportamento do investimento total absorvido pelas economias latino-americanas ou pelos países em desenvolvimento. Para isso, em um primeiro momento, abordam-se apenas os trabalhos que apresentam como tema principal a relação entre a Espanha e a América Latina; logo depois, expõem-se os estudos que observam a dinâmica do IED total nos países latino-americanos; e, por fim, comentam-se os resultados alcançados por alguns autores que têm como objetivo entender os determinantes dos movimentos do investimento estrangeiro em direção aos países em desenvolvimento.

Com respeito aos determinantes do IED espanhol na América Latina, Béjar (2002) destaca a proximidade cultural e a facilidade do idioma. Ao mesmo tempo, esse autor chama a atenção para o desempenho da economia espanhola, mais especificamente para o crescimento da participação do setor de serviços, isto é, sabendo que o IED espanhol na América Latina concentra-se nos setores relacionados a serviços, as firmas da Espanha que se internacionalizaram ganharam dinamismo com os movimentos do mercado doméstico, pontualmente os setores de telecomunicações e financeiros, de tal maneira que, no momento seguinte, moveram-se à competição internacional. Ademais, o potencial de crescimento populacional espanhol limitava o crescimento da empresa local no mercado interno, impulsionando essas firmas a buscarem outros mercados4. Guillén (2005) e Sánchez Díez (2002) apontam na mesma direção.

Com respeito às economias latino-americanas, observava-se uma série de mudanças estruturais — abertura, liberação, desregulamentação econômica — facilitando o acesso ao investidor estrangeiro. Esse clima econômico favorável levou as empresas espanholas a priorizarem essa região nos seus gastos com investimento, escolhendo, preferencialmente, regiões com mercado interno elevado (Brasil e México). Além disso, essa alteração estrutural gerou uma expectativa de elevação do estoque de capital da região, melhorando o comportamento da produtividade total, índice que se encontrava muito deprimido nos últimos anos.

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Além das alterações que estavam ocorrendo nas economias espanhola e latino-americana, outro ingrediente associado à economia internacional é assinalado por Béjar. Tornou-se fundamental às empresas espanholas a necessidade de escala para garantir a sobrevivência em mercados cada vez mais competitivos, especificamente no mercado da Europa. Com efeito, as firmas espanholas foram cooptadas a buscar uma diversificação geográfica da estrutura empresarial, fortalecendo-se contra outros competidores internacionais.

Ruesga e Béjar (2008) apontam cinco fatores para a eleição da América Latina como centro praticamente exclusivo dos fluxos de capitais espanhóis. O primeiro ponto importante encontra-se na necessidade de resposta ao desafio da incorporação da economia espanhola na Comunidade Econômica Europeia. O segundo ponto diz respeito à facilidade do idioma, uma vez que essa proximidade auxiliou no posicionamento estratégico das empresas espanholas, facilitando a transferência de conhecimento, produtos, tecnologia e técnicas empresariais. O terceiro ponto abordado é o tamanho de mercado da América Latina e sua perspectiva de crescimento. Chama-se a atenção para a população latino-americana, que se aproxima de 500 milhões de habitantes com uma demanda reprimida substancialmente elevada. O quarto ponto retorna à argumentação de Béjar (2002), indicando a expectativa de uma elevação nos índices de produtividade da região receptora dos investimentos. Por fim, os autores salientam o alto grau de maturidade dos setores elétrico, bancário e de telecomunicações espanhol.

Ainda com relação às inversões de empresas espanholas, Galán e González-Benito (2001) apresentam um trabalho abordando, principalmente, as seguintes regiões hospedeiras desses investimentos: Comunidade Europeia, América do Norte, América Latina e Ásia. Nesse cenário, a América Latina acaba por se destacar como local preferencial para as inversões originárias da Espanha5. Com efeito, esses autores afirmam que a capacidade de conservar algum ativo específico próprio da empresa é determinante no movimento de internacionalização das firmas espanholas. Já em relação ao mercado hospedeiro da inversão, chama atenção a prática que se pode adquirir por meio da dinâmica de exportação, primeiramente. Ademais, em alguns casos, existe a necessidade de operação direta no mercado estrangeiro, estabelecendo o controle dos recursos naturais, da tecnologia, da imagem da firma ou, até, do conhecimento da operação do processo produtivo. Outro determinante do fluxo de investimento originário na Espanha, no período recente, foi a busca por economias com tamanho de mercado elevado e com vigorosas perspectivas de crescimento econômico. Por fim, o grau de competitividade do mercado hospedeiro, ou seja, quanto menor a probabili-dade de alta competição, mais atrativo o mercado em exame, também foi particularizado como significativo na explicação do IED espanhol.

Partindo-se, agora, para a análise dos fatores de atração do IED total na América Latina, a Unctad (2008) destaca como importantes determinantes locais de atração do IED a procura por recursos naturais, a condição da região de oferecer mão de obra de baixo custo, a expectativa de crescimento econômico, o tamanho do mercado doméstico e

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a capacidade de acesso a outros mercados internacionais. Em um padrão um pouco inferior de atratividade, encontram-se no alcance a mão de obra bem qualificada, a condição de existência de fornecedores de insumos locais, a qualidade da infraestrutura e a qualidade das políticas governamentais. Por sua vez, os fatores de facilitação do investimento na América Latina que se mostram com pouca referência na pesquisa construída pela Unctad são: acesso ao mercado de capitais local, disponibilidade de incentivos governamentais e a intenção de seguir um competidor.

Ainda examinando o IED nos países latino-americanos, Biglaiser e DeRouen (2006) analisam os efeitos das reformas...

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