A dialética do latifúndio e minifúndio: A política agrária boliviana nos últimos 50 anos

AutorAldo Duran Gil
CargoDoutor, Professor Adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas56-76
Aldo Duran Gil
Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.56-76, jul/dez.2016
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A DIALÉTICA DO LATIFÚNDIO E MINIFÚNDIO:
A POLÍTICA AGRÁRIA BOLIVIANA NOS ÚLTIMOS 60 ANOS1
THE DIALECTIC OF LANDLORDISM AND SMALLHOLDINGS: THE BOLIVIAN
AGRARIAN POLICY IN THE LAST 60 YEARS
Aldo Duran Gil 2
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Brasil.
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar uma análise da política agrária boliviana pó s-1953. Para
entendermos o conteúdo dessa política estatal e sua natureza de classe, buscamos caracterizar seus os principais
aspectos estruturais de longo prazo, tomando em conta o contexto de transformações socioeconômicas e políticas
pós-1953, passando rapidamente pelos regimes populista, militar e neoliberal. Partimos da hipótese segundo a
qual a política agrária boliviana adotou um padrão estrutural de Reforma Agrária conhecido como modelo
junker, reproduzindo a longo prazo o grande latifúndio e o minifúndio.
Palavras-chave: Reforma Agrária; Desenvolvimento Capitalista Dependente; Bolívia.
Abstract: The objective of this article is to present an analysis of the post-1953 Bolivian agrar ian policy. In
order to understand the content of this state policy and its class nature, we seek to character ize its main long-term
structural aspects, taking into account the context of post-1953 socio-economic and political transfor mations,
passing q uickly through populist, military and neoliberal regimes. We start from the hypothesis that B olivian
agrarian polic y ad opted a str uctural pattern of Agrarian Reform known as a junker mo del, reproducing in the
long term the large landlordism and smallholdings.
Keywords: Land Reform; Dependent Capitalist Development; Bolivia.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar uma análise da política agrária boliviana do
período pós 1953. Para entendermos o conteúdo dessa política estatal e sua natureza de classe,
buscamos caracterizar seus os principais aspectos estruturais de longo prazo, tomando em
conta o contexto de transformações socioeconômicas e políticas pós-1953, passando
rapidamente pelos regimes populista, militar e neoliberal (1953-2003). Mais especificamente,
a ideia é caracterizar seus traços essenciais ao longo de mais de 50 anos. Partimos da hipótese
segundo a qual a política agrária boliviana adotou um padrão estrutural de Reforma Agrária
1 Parte da primeira versão deste artigo foi disponibilizado nos Anais do V Co ngresso Latino-Americano
de Ciência Política, da Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP), Buenos Aires, 2010. Ele
fez parte da pesquisa realizada em 2 007 e 2008 sobre o governo Morales e publicada nos artigos “Bolívia e
Equador no contexto atual” (DURAN, 2008a), “Bolívia: duas revoluções nacionalistas? ” (DURAN, 200 8b) e “A
política agrária boliviana sob o governo Morales” (DU RAN, 2013). A presente versão do artigo aborda a
primeira parte: a política agrária boliviana pós-1953.
2 Doutor, Professor Adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E- mail: aduran@ufu.br.
Aldo Duran Gil
Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.56-76, jul/dez.2016
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conhecido como modelo junker, reproduzindo a longo prazo o grande latifúndio e o
minifúndio.
2 POLÍTICA AGRÁRIA BOLIVIANA PÓS-1953
A Reforma Agrária boliviana de 1953 foi implementada no contexto de
transformações socioeconômicas e políticas de cunho nacionalista, aqui caracterizada como
um tipo de revolução burguesa de tipo atrasada e periférica no âmbito sul-americano. Embora
tal reforma tenha se apresentado como avançada no contexto latino-americano, o modelo de
reforma aplicado teve sérias contradições e limites estruturais bem definidos.
2.1 TRAÇOS ESSENCIAIS DA REFORMA AGRÁRIA DE 1953
No fundamental, os traços essenciais do modelo boliviano se assemelham a uma
variante de transição ao capitalismo denominada por Lênin como transformação “pelo alto”,
de tipo junker. Seu caráter avançado residiu basicamente em três aspectos.
Primeiro, na tentativa de eliminação parcial (mas não completa) de relações semi-
servis vigentes até então no campo: um tipo de colonato3 conhecido no país como pongueaje:
prestação de sobre trabalho compulsório do indígena-camponês (ou camponês-indígena)4 ao
3 Trata-se de u m fenômeno de exploração de trabalhadores do campo que maioria dos autores no Brasil
denomina colonato (com suas diversas for mas de exploração do trabalho e de formas de prod ução nas distintas
regiões da América Latina), caracterizado p ela prestação de sobre trabalho compulsório e gratuito do trabalhador
direto ao patrão latifundiário, na qual predominam relações de produção semi-servis e semi-assalariadas e de
dependência pessoal do trabalhador diante do patrão (Cf. PRADO JR, 1977; C ARDOSO, C. F. S; BRIGNOLLI,
H. P., 1983; CARDOSO, C. F. S, 1987; SAES, 1985; MARTINS, J. S., 2010; entre outros).
4 Utilizare mos indistintamente o termo composto indígena-camponês e camponês -indígena para
designar, indicativame nte, o camponês. Este tem um caráter étnico e de classe (camponês), ou seja, sua dupla
identidade: indígena e camponês, ou indígena que vira ca mponês ou camponês de origem indígena. Já a
identidade propriamente étnica se articula à comunidade indígena (ayllus), cujos grupos e membros tem, na
década de 1950, pouco contato com as regiões se mi-urbanas e urbanas; embora tal contato tenha mudado e
oscilado ao longo dos últimos 60 anos através dos mercados camponeses e m regiões semi-urbanas e urbanas, dos
programas de colonização promovido p elo Estado no âmbito da reforma agrária, bem como através dos fluxos
migratórios internos (de indivíduos ou famílias camponesas q ue se deslocam às cidades em busca e mprego e de
melhores condições de vida) nas regiões das grandes cidades andinas e sub-andinas. As problemáticas indígena e
camponesa são complexas na Bolívia, um país de maioria indígena. Sabe-se que as forças dirigentes pequeno-
burguesas (partido Movimiento Nacionalista Revolucionario, MNR) na Revolução Nacional de 1952 buscou a
campesinização dos indígenas (predominando as etnias quechua e aymara na concepção do Estado, excluindo as
etnias das terras baixas); ou então, declarar os indígenas trabalhadores (pongos domésticos e de fazendas) em
camponeses. A questão indígena é deturpada aparecendo como p roblemática camponesa. O que significa que os
indígenas foram, no vocabulário sociopolítico dessa revolução, não só excluídos, mas também ignorado s, sendo
imposto pelo Estado formado em 1952 uma identid ade compatível com o nacionalismo revolucionário, de
caráter colonialista e racista co nforme a análise dos autores sobretudo indigenistas bolivia nos (principalmente os
kataristas), como Reinaga (1970), Rivera (1983, 1984, 2012) e Rivera & Santos (2014). Algo diferente ocorrerá

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