Dimensão educativa, Covid-19 e Serviço Social: desafios contemporâneos/Educational dimension, COVID-19 and social work: contemporary challenges.

AutorSantos, Rafael Gonçalves dos
CargoARTIGO

Introdução

A presente reflexão teórica tem como objetivo contribuir para o debate sobre o trabalho profissional de assistentes sociais e de sua relação direta com a dimensão educativa, na perspectiva de construção de uma nova sociabilidade livre de exploração por raça/etnia, classe social, gênero e sexualidade. Nesse sentido, por meio do aporte do referencial crítico e crítico-dialético, os estudos aqui propostos estimulam o debate sobre a educação popular de inspiração freireana enquanto campo central de mediação histórica para a construção de uma nova consciência, de uma nova sociedade e para o processo de formação humana.

A partir das contribuições do pensamento gramsciano para o serviço social, as análises apresentadas pelo presente estudo bibliográfico constituem referência indispensável para a apreensão das relações entre a política e a cultura, com ênfase na dimensão educativa do/a assistente social, de modo a compreender se estes/as assumem o papel de intelectuais orgânicos em oposição à hegemonia do capital. Cabe ressaltar que os intelectuais podem ser interpretados enquanto categoria indispensável que contribui para o processo de formação de um novo pensamento, uma nova mentalidade, uma nova cultura e educação. Esta categoria também está presente nos estudos de Gramsci, em todos os seus planos elaborados para os escritos pré-cárcere e carcerários. Nesse sentido, as suas análises permitem ampliar o conceito de práticas pedagógicas, presentes no interior dos processos de lutas de classes, articuladas à questão de hegemonia (JACINTO, 2017).

Isso posto, o projeto contra-hegemônico defendido pela categoria profissional apresenta um importante papel pedagógico no processo de enfrentamento das relações de exploração agudizadas pelo capital e pelas condições de subalternidade com vistas ao alcance de uma nova ordem social.

Este esboço também analisa os principais desafios intensificados pelo contexto da crise sanitária da pandemia da Covid-19 e de suas consequências no âmbito do trabalho profissional de assistentes sociais enquanto intelectuais orgânicos que atuam tanto nos espaços sócio-ocupacionais de intervengo, quanto no campo das competências e atribuições da profissão em Serviço Social. Ao mesmo tempo, também é preciso elucidar as principais contradições e adversidades que atingem diretamente a categoria trabalho enquanto eixo estruturador da vida e do processo de produção e reprodução social ante a mercantilização das relações sociais acentuadas pela política neoliberal ultrarradical que assola o cenário contemporâneo.

O momento que vivemos é um momento pleno de desafios. Mais do que nunca é preciso ter coragem, é preciso ter esperanças para enfrentar o presente. É preciso resistir e sonhar. É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los dia-a-dia no horizonte de novos tempos mais humanos, mais justos, mais solidários. (IAMAMOTO, 2003, p. 17). Destarte, o tempo presente tem sido alvo de ataques frontais provocados pelo ideário neoconservador e neofascista, que assegura o avanço da extrema direita e que defende o obscurantismo, o negacionismo, a criminalização dos movimentos sociais, além da necropolítica, ao colocar a economia do mercado e a sua eficácia acima de vidas humanas. Não obstante, em oposição a esse movimento de extrema direita, a dimensão educativa apresenta, no interior do trabalho profissional de assistentes sociais, a perspectiva revolucionária de transformar resistências isoladas em movimentos articulados de defesa dos direitos humanos e dos direitos sociais historicamente conquistados.

Análise histórica da relação entre a dimensão educativa e o exercício profissional de assistentes sociais

A retomada do debate sobre a educação popular enquanto estratégia de ação e de formação para o exercício profissional de assistentes sociais se torna indispensável no processo de mobilização e de conscientização dos sujeitos sociais no cenário contemporâneo. Neste espaço de debate, a educação popular é apreendida como um importante paradigma educativo sistematizado pelo nosso patrono da educação brasileira, Paulo Freire.

A dimensão educativa também encontra-se fortemente ameaçada na realidade contemporânea, somada a uma complexa crise de ordem econômica, política, social, ambiental e sanitária, que se intensifica com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e cujos reflexos atingem diretamente as condições de vida, de bem-estar e de trabalho da classe trabalhadora e das classes subalternas do país. Nesse sentido, tais determinações contraditórias são sustentadas pelas sucessivas contrarreformas do Estado e pela redução de sua responsabilidade pública na garantia de políticas sociais amplas e efetivas.

De acordo com Aline Maria Batista Machado (2013), o trabalho desenvolvido com comunidades, em organizações não governamentais (ONGs), além da articulação da mobilização popular, encontra-se presente no campo de intervenção profissional de assistentes sociais, que começam a se aproximar da dimensão educativa freireana a partir do Movimento de Reconceituação Latino-Americano (1965-1975). Esse movimento, somado às lutas históricas reafirmadas pelo Congresso da Virada de 1979, permitiu o rompimento com as influências do imperialismo do sistema capitalista e do serviço social tradicional.

Conforme analisado por Faleiros (2005), ancorado ao pensamento freireano, torna-se indispensável levar em consideração a cultura, os valores e os costumes de um povo em qualquer processo de mudança, de modo a construir um diálogo problematizador. Dessa forma, este pensamento permanece no âmbito de atuação profissional, ocupando diversos espaços coletivos e segmentos organizados da sociedade civil.

No processo de renovação profissional, observa-se que as ideias freireanas foram incorporadas no interior das formulações do denominado Método Belo Horizonte (1972-1975), popularmente conhecido como Método BH, enquanto alternativa ao tradicionalismo no processo de intenção de ruptura. No início da década de 1980, a relação entre o Serviço Social e a perspectiva de educação popular mantém-se contínua, agora enfrentando as ações repressivas e autoritárias da ditadura civil-militar-empresarial.

Em junho de 1986, período posterior à ditadura civil-militarempresarial no Brasil, a Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess), hoje conhecida como Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), realizou, juntamente com as entidades representativas da categoria profissional, o Seminário Nacional sobre Movimentos Sociais, Educação Popular e Serviço Social na cidade de Salvador (BA). Por um lado, o seminário apresentou questões de ordem econômica, social, política e cultural da América Latina, sinalizando as principais perspectivas históricas no Brasil e no continente. Por outro, contribuiu significativamente para a reafirmação do papel dos movimentos sociais e da educação popular. Essa articulação tornou-se imprescindível à prática contraditória dos/as profissionais em Serviço Social no contexto latinoamericano, no esforço articulado para consolidar uma relação orgânica em defesa da construção de um projeto popular...

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