A dimensão investigativa na formação em Serviço Social a partir das Diretrizes Curriculares de 1996/The investigative dimension of social work training in the 1996 Curricular Guidelines.

AutorMaroneze, Luciane Francielli Zorzetti

Introdução

A apreensão da dimensão investigativa na lógica das Diretrizes Curriculares tem-se revelado como um dos pontos fundamentais e desafiadores da formação acadêmico-profissional de assistentes sociais, na perspectiva dos fundamentos da formação e do trabalho profissional. A referência a essa lógica dialética vem com a exigência de se compreender a dinâmica societária. Revelam um modo particular de se apreender a realidade e a profissão, informada por uma perspectiva de totalidade histórica (SANTOS, 2020), incluindo uma concepção de homem e mundo que não se desconecta da perspectiva de classe. Mostram, também, uma nova organicidade de conteúdos constituÃÂdos a partir dos núcleos de fundamentação que contemplam uma direção social que se almeja para a formação. Pressupõem a apreensão do método e exigem um esforço teórico para além dos documentos que expressam o projeto de formação. Sem essa leitura mais adensada, não é possÃÂvel captarmos a relação intrÃÂnseca entre os fundamentos do Serviço Social e a dimensão investigativa.

É preciso ter claro que esta dimensão está no projeto de profissão e se expressa nas atribuições e competências profissionais. Nesse sentido, não basta apenas desenvolver uma sÃÂntese descritiva das diretrizes, expondo seu contexto, princÃÂpios, articulação de conteúdos e as particularidades que revestem a dimensão investigativa na formação profissional. Tratar dessa dimensão a partir da lógica curricular requer, dentre outras questões, capturar e expor, com densidade analÃÂtica, os elementos do pensamento marxista, evidenciando algumas das principais categorias do método crÃÂtico-dialético, no qual se estruturam a proposta curricular e todo o projeto de formação.

Nessa direção, as reflexões e análises contidas neste texto são resultado de revisão teórico-bibliográfica realizada durante a pesquisa de doutoramento desenvolvida entre os anos de 2019 e 2022. Nesta revisão buscamos os autores, especialmente, vinculados àárea de conhecimento do Serviço Social que, ancorados na teoria social crÃÂtica, discutem a formação e o trabalho profissional, evidenciando as dimensões constitutivas da profissão. A primeira trata das Diretrizes Curriculares a partir de sua lógica dialética, a qual, segundo Teixeira (2019), vem com a exigência de apreender os fundamentos como unidade dos núcleos de fundamentação. Compartilhamos a posição defendida por este autor e acrescentamos que é a partir desse entendimento que podemos apreender a investigação no processo formativo e qual o significado tem, para a profissão, interpretar a realidade com a concepção de dimensão investigativa ancorada nessa lógica. A segunda parte traz apontamentos que permitem evidenciar o caráter transversal desta dimensão, explicitando sua concepção na lógica curricular.

As Diretrizes Curriculares de 1996 e a construção de uma nova lógica curricular

Sabemos que a necessidade de reavaliar e redefinir o projeto de formação profissional do assistente social foi conduzido por um processo de avanços nas concepções teóricas acerca da natureza e do significado social da profissão. Processo esse conectado às mudanças na reorganização capitalista de produção que emergia nos anos de 1980, no contexto de crise da ditadura, no qual se confluÃÂam conquistas democráticas e o despontar de novas formas de organização do trabalho, de redefinição do papel do Estado, das polÃÂticas sociais, apontando para a necessidade de novas respostas profissionais. Reconhecer a investigação como componente constitutivo da formação e do trabalho profissional demandou, assim, esforços por parte da categoria em trazer para a discussão as bases que fundamentam a profissão na realidade, o que a faz ser necessária, e em como trabalhar isso na formação acadêmico-profissional.

À medida que essas questões foram sendo debatidas e adensadas teoricamente, a importância da dimensão investigativa foi sendo explicitada com maior clareza no projeto de formação, sendo inserida como componente central e intrinsecamente relacionada ao modo como a formação interpreta e ensina determinada concepção de realidade e de profissão.

Em outras palavras, identificar a realidade social como base de fundamentação da profissão, a partir de conhecimentos que põem como exigência a necessária apreensão das expressões da questão social como totalidade, exigiu um esforço em rever a própria estrutura de organização curricular, apreendendo os conteúdos não de modo dissociado e fragmentado em áreas de conhecimento, mas imbuÃÂdos de uma nova lógica que os expressassem de forma articulada, na relação entre trabalho e formação. Tal proposição possibilitou entender que a investigação que pretende percorrer o caminho da razão dialética apreende o objeto como resultado de determinado processo social, portanto, captar as expressões da questão social, expressos numa determinada realidade social, não supõe apenas relacionar os dados; é necessário desenvolvê-los de um modo crÃÂtico, na articulação a outros complexos da realidade em que seja possÃÂvel refutar os dados, superando sua aparência imediata.

Nessa direção, história, teoria e método foram apreendidos nas Diretrizes Curriculares em uma relação dialética, constituindo os fundamentos do Serviço Social, que se expressam na organização curricular em "núcleos de fundamentos da formação profissional", "fundamentos da vida social", "fundamentos da realidade brasileira" e "fundamentos do trabalho profissional", e perpassam todo o processo formativo (SANTOS, 2020). Assim, "a formação profissional constitui-se de uma totalidade de conhecimentos que estão expressos nestes três núcleos, contextualizados historicamente e manifestos em suas particularidades" (ABESS; CEDEPSS, 1997, p. 63).

A compreensão do objeto do Serviço Social requer um caminho investigativo da realidade de modo a apreender, no movimento mais geral da sociedade capitalista, os processos e as dinâmicas particulares que trazem para a profissão uma série de situações que devem ser problematizadas. Em consonância, afirma-se a importância de qualificar o futuro profissional para apropriar-se dessa totalidade, apreender a dinâmica do processo de reprodução social, particularmente da sociedade brasileira, e como as manifestações e expressões da questão social se concretizam e se expressam na realidade.

Sendo essa a perspectiva, as diretrizes apontam para as instituições de ensino, os princÃÂpios que fundamentam a formação e que preconizam, dentre outras questões, as mediações e as articulações curriculares expressas nas seguintes indicações: flexibilidade na organização dos currÃÂculos, superação da fragmentação de conteúdos na organização curricular, caráter interdisciplinar nas várias dimensões do projeto de formação, garantia da dimensão interventiva e investigativa como condição central da formação, ênfase no ensino, pesquisa e extensão, ética perpassando a formação curricular, relação entre estágio e supervisão, condições de desempenho e qualidade idênticos para os cursos diurnos e noturnos e exercÃÂcio do pluralismo (ABESS; CEDEPSS, 1997).

Como destacam Guerra, Backx e Repetti (2013, p. 227), na análise cuidadosa das diretrizes, o que se observa é que "parte dos princÃÂpios da formação profissional possui a natureza investigativa". Acrescentamos aqui que, além dessa natureza, os princÃÂpios também fortalecem a perspectiva integradora entre os conteúdos que a proposta formativa requisita, a necessária conexão entre as instituições de ensino e os campos de intervenção. São esses espaços de interlocuções com a realidade que dinamizam os conteúdos, potencializam a investigação e dão base e sustentação para retroalimentar a formação em uma perspectiva teórico-prática.

O estudo dos dados empÃÂricos ganha relevância na formulação da proposta, destacando a necessidade de a formação profissional estimular e desenvolver estudos que permitam uma aproximação mais rigorosa das várias dimensões da realidade social. O domÃÂnio do empÃÂrico, não em uma perspectiva empiricista, traz elementos que impulsionam a atitude investigativa, a busca de conhecer e explorar os dados da realidade como potencial para identificar novas estratÃ...

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