O direito e a formação jurídica

AutorGilberto de Castro Rodrigues
Páginas67-117
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O DIREITO E A fORMAçãO JURÍDICA
Quanto mais um ser humano é domesticado como cordeiro, mais
ele fabrica um lobo selvagem, mutilado ou perverso, em sua sombra.
Carlos Byington
O homem é o lobo do homem quando a realização da
sua vida se dá no mundo das sombras, no reino da incons-
ciência. Este homem é o homem comum, das relações coti-
dianas e muito diferente do homem idealizado das teorias
e dos desejos de quem apenas pensa o homem sem mer-
gulhar na busca de compreendê-lo como o é de fato, com
todas as suas características em franco processo de amadu-
recimento sem nunca, porém, atingi-lo.
Da Escola que temos... Para a Escola necessária
Uma reexão, mesmo sem a profundidade convenien-
te, sobre os fenômenos históricos que antecederam à nossa
Capítulo III
da a lma do direito o u a psicologia do direito
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nomeação enquanto nova civilização, com o timbre euro-
peu e o Imaginário Edênico grassando na história do come-
ço da Terra de Santa Cruz, com certeza, será de grande va-
lia para compreendermos por que o nosso Sistema Educa-
cional chegou aonde chegou, como chegou e por que, 500
anos depois, continua como dantes e resiste, com todas as
forças e armas, a mudanças, a inovações, transformações e
recomeços. Carece de profunda e bem-intencionada ree-
xão o fato de que educadores, ou professores, ou prossio-
nais atuantes na educação continuem a tratar alunos como
os tratavam os Jesuítas, primeiros educadores desde o
mundo novo, de forma arrogante, prepotente e desumana,
quando atuavam perante os povos primeiros desta terra,
os povos índios, como se fossem muito superiores a eles.
Em ns do século XV, início do XVI, dava-se na Eu-
ropa o lamentável fenômeno da Santa Inquisição que, com
arbitrariedade, preconceito e condenações diabólicas, cei-
fou da humanidade uma de suas maiores riquezas: a subje-
tividade, seus valores “femininos”, sua anima. Também se
dava, com sucesso, o achamento de novas terras, invasão,
apropriação e colonização, independente da riqueza cul-
tural, étnica e social dos povos que eram, de fato, os seus
verdadeiros donos. Os demônios21 do mundo novo preci-
savam, em nome de Deus, ser exorcizados e extirpados a
qualquer custo para que a civilização ocorresse. Os educa-
dores da época não mediam esforços para discutirem se os
povos das terras brasílicas, os nossos índios, tinham ou não
alma e se conseguiriam ou não compreender e se adaptar
ao mundo civilizado. Em algumas regiões do mundo novo
21 No Novo Aurélio (2001) encontramos que demônio era “nas crenças
da Antiguidade e no politeísmo, gênio inspirador, bom ou mau, que
presidia o caráter e o destino de cada indivíduo; alma, espírito”.
o direito e a for maç ão jurídica
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foram simplesmente exterminados. Cá, em nossa terra, por
acreditarem na conversão daqueles povos para se torna-
rem mão de obra explorável, decidiu-se “generosamente”
educá-los. Os jesuítas vieram para isso. Vieram cheios de
amor, cheios de boas e belas intenções, decididos a pre-
servá-los sicamente, desde que se submetessem às suas
ordens e mandos, porém, sua alma, se é que a concebiam,
seria sacricada em nome da civilização e puricação da
humanidade. Os seus propósitos, seus discursos e sermões
seriam nobres e edicantes se não tivessem sido, com sua
prática, tão cruéis e desumanos. Com certeza o resultado
da catequização, no Brasil, foi muito mais desastroso para
nossos povos e nossa cultura do que os feitos da Inquisição.
Eles queriam alfabetizar o curumim e educar o homem-
-índio porque acreditavam piamente que, ao civilizá-lo, ao
educá-lo, ao ensinar-lhe a língua-boa, o tirariam da con-
dição de pária. Reforçavam ou puniam com ênfase a acei-
tação ou a recusa do que era proposto como processo de
aprendizagem. Seduziam e induziam as tribos. Tentavam
mostrar que o curumim adestrado e “alfabetizado” era
superior aos outros povos da tribo, sem “alfabetização”.
Conseguiram tirar os meninos-índios que se submeteram
ou se seduziram aos desmandos daquela escola jesuíta da
condição de párias. Transformaram-nos em verdadeiros
monstros. Em 15 de março de 1555, o padre José de Anchie-
ta, por comissão do padre Manuel da Nóbrega, escrevia so-
bre a escola de Piratininga: “Temos uma grande escola de
meninos Índios, bem instruídos em leitura, escrita e bons
costumes, os quais abominam os usos de seus progenitores”
(ANCHIETA, 1988, p. 89).
Abominam a própria história, a própria cultura. Pa-
rece-nos que desvestir os povos de sua própria história é
uma estratégia de dominação e controle. Lá, naquela épo-

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