Direito intertemporal processual

AutorNarbal Antônio de Mendonça Fileti - Reinaldo Branco de Moraes
Páginas526-542

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Visão geral do tema

O processo constitui uma sequência de atos predefinidos e sucessivos, relacionados entre si; é um instrumento para fazer valer o direito material perseguido em Juízo, com vista à composição do litígio, para obtenção da paz social.

A regência do processo, por óbvio, é realizada por meio da lei processual vigente.

Sucede que há ocasiões – como a agora vista com a entrada em vigor da Lei n. 13.467/201701 – que a lei posterior passa a reger de forma diferente os atos processuais em face da lei revogada.

Não há dúvida quanto às regras processuais aplicáveis aos processos findos e àqueles que são iniciados já sob o império da nova lei, estes regendo-se inteiramente sob os ditames da novel legislação, aqueles já terminados sob a legislação revogada.

O problema está em definir qual legislação instrumental é aplicável aos processos em andamento quando da entrada em vigor da nova lei. Nesse ponto, de rigor identificar as teorias a respeito da aplicação do direito processual no tempo, e principalmente aquela que incide no processo do trabalho.

Relevante atentar, ainda, que há normas processuais que possuem caráter bifronte ou híbrido (misto de direitos processual e material), identificando aquelas trazidas pela Reforma Trabalhista, máxime em face do tratamento diferenciado a essas normas, aspecto, por vezes, que não tem sido percebido nem respeitado pelos profissionais do direito.

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A Lei Processual e sua Aplicação no Tempo

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece em seu art. 6º que “[a] lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”02. Por sua vez, prevê o inc. XXXVI do art. 5º da CF/1988: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Belmonte, adverte que “[a]s leis processuais têm aplicação imediata, mas devem respeitar o ato jurídico-processual perfeito, os direitos processuais adquiridos e a coisa julgada.”03 A questão relativa à aplicação do direito intertemporal instrumental se resolve por meio de três teorias, a saber:

– sistema da unidade processual: por ser um corpo uno e indivisível, o processo deve ser regido integralmente por uma só lei; é dizer, o processo deverá observar as disposições da lei em vigor no momento do ajuizamento da demanda, conduzindo-o até o final;

– sistema das fases processuais: como o processo está dividido em fases estanques ou concentradas, cada uma dessas fases (postulatória, instrutória, decisória, recursal e executória ou cumprimento de sentença) será considerada de forma isolada, como verdadeira unidade processual; a nova lei somente incidirá sobre a fase seguinte àquela já iniciada sob os auspícios da lei anterior; e

– sistema do isolamento dos atos processuais: cada ato processual é considerado de forma isolada, observando a regência da lei em vigor no momento em que aquele é praticado; em suma, “[i]soladamente considerado, o ato processual deve sempre ser praticado de acordo com a lei em vigor ao tempo de sua realização”04.

Segundo Teixeira Filho, a doutrina inclinou-se para este terceiro sistema05. Essa é a disposição do art. 14 do CPC/2015, segundo a qual “[a] norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”, bem como do caput do art. 1.046 do mesmo Diploma Legal: “[a]o entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.”06 A regra processual comum indubitavelmente se aplica na esfera processual trabalhista por força do princípio da subsidiariedade (art. 769 da CLT e art. 15 do CPC/2015).

O CPC de 1973 já registrava, em seu art. 1.211, que “[e]ste Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro [...]”, e que “[a]o entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes”.

Vê-se, portanto, que, pelo sistema do isolamento dos atos processuais, a lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso, devendo respeitar os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a norma revogada07 (regime do tempus regit actum).

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De forma sumular, cumpre trazer a lição de Teixeira Filho:

Deste modo, embora o princípio seja de que as normas processuais têm vigência imediata, sendo por isso aplicáveis aos processos em trâmite (casos pendentes), os atos praticados anteriormente à modificação do texto legal não podem ser modificados pelo novo texto, pois consubstanciam ato jurídico perfeito ou direito processual adquirido. (itálico no original).

Portanto, no campo do direito intertemporal processual, (a) a norma processual não retroagirá, (b) sendo aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitando (c) os atos processuais praticados e (d) as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

A Lei n. 13.467/2017 trouxe mudanças profundas na CLT e, por consequência, aos direitos material1 e processual do trabalho. Em muitas delas houve, inclusive, a quebra dos alicerces principiológicos, legislativos e doutrinários, o que certamente acarretará a completa mudança de interpretação de alguns institutos lançados no bojo desses direitos.

O TST, na sessão plenária de 6.2.2018, efetuaria reanálise (revisão e cancelamento) de mais de trinta de seus verbetes dentre súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos. Como isso, não foi possível (ver comentários ao art. 702 para detalhes sobre o ocorrido naquele ato), na mesma sessão, o plenário daquela Corte deliberou em editar a Resolução Administrativa n. 1.9532, a fim de constituir Comissão de 9 (nove) ministros “com a finalidade de regulamentar a aplicação da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, aos contratos de trabalho vigentes e processos em curso” (art. 1º).

Impende consignar que o legislador, além das diretrizes do art. 14 do CPC/2015, pode excepcionar a aplicação imediata aos processos pendentes e o fez quando da entrada em vigor da atual Lei Processual Civil – Lei n. 13.105/2015, vigente desde dia 18.3.2016 – quanto aos seguintes assuntos:

a) procedimentos revogados: a fase de conhecimento, no CPC/1973, continha a divisão entre os procedimentos ordinário e o sumário, além da existência de procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e voluntária. No CPC/2015, na fase cognitiva, há apenas o procedimento comum e persistem procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária.3 No entanto, além do procedimento sumário foram revogados alguns procedimentos especiais como o da ação de usucapião. Em consequência, o legislador previu, quanto aos feitos em trâmite sobre aqueles procedimentos que deixaram de existir, a aplicação do CPC revogado quando não sentenciados até o dia 17.3.2016;4

b) direito probatório: nesse ponto o legislador optou em aplicar as disposições sobre esse tema somente às provas requeridas ou determinadas de ofício a contar da vigência do CPC/2015.5 6 A contrario sensu, provas requeridas ou determinadas de ofício até 17.3.2016 observarão o disciplinamento probatório do CPC/1973;

c) questão prejudicial: foi inaugurado desde a vigência do CPC, vigente encaminhamento diverso do modelo processual civil anterior a respeito de questão prejudicial. Com efeito, na vigência do CPC/1973, a questão prejudicial decidida na fundamentação não fazia coisa julgada material, exceto se houvesse pedido específico sobre ela, ainda que mediante da ação incidental (arts. 5º, 325, 469, III e 470). Essa regra permanece hígida para as ações ajuizadas até 17.3.2016. A partir da vigência do atual CPC, quanto às ações em que houver questão prejudicial a

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regra é outra, qual seja, constitui pedido implícito e deve constar do dispositivo justamente para que produza os efeitos próprios da res judicata quando presentes os requisitos legais.7 O legislador reformista, diferentemente do modelo adotado no CPC/2015, não trouxe nenhum regramento de transição na Lei n. 13.467/2017, embora as expressivas alterações havidas em dispositivos de natureza processual.

Exemplos de situações de direito processual intertemporal

1) contagem de prazos em dias úteis: o art. 775 da CLT, em seu caput, previa a contagem dos prazos em dias corridos e desde 11.11.2017 será em dias úteis.8 Se o prazo iniciou até o dia 10.11.2017 deve ser aplicada a lei anterior (e o cômputo restante dar-se-á em dias corridos).

Se começou quando da vigência da nova lei, será em dias úteis. Nesse sentido, enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):

Enunciado n. 267: “(arts. 218, e 1.046). Os prazos processuais iniciados antes da vigência do CPC serão integralmente regulados pelo regime revogado.”

Enunciado n. 268: “(arts. 219 e 1.046). A regra de contagem de prazos em dias úteis só se aplica aos prazos iniciados após a vigência do Novo Código.”9 Não é possível adotar fórmula mista por falta de previsão legal, qual seja, computar em dias corridos os transcorridos até o dia anterior à vigência da nova lei e a partir daí, o prazo remanescente, em dias úteis.

Nesse caminho Souza Júnior et al.: “[...] a nova forma de contagem de prazos em dias úteis somente será adotada aos prazos iniciados na vigência da lei”.10 Felipe Bernandes assim enfrenta a questão:

Embora o tema possa gerar controvérsia, deve-se entender que, uma vez que a parte seja intimada, a contagem do prazo deve ser feita integralmente de acordo com o critério vigente ao tempo da intimação. Isso porque o ato gera situação jurídica consolidada no que tange à contagem do prazo. De fato, o direito a determinado critério de contagem de prazo surge...

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