Direito intertemporal processual

AutorNarbal Antônio de Mendonça Fileti/Reinaldo Branco de Moraes
Páginas560-582
Narbal Antônio de Mendonça Fileti/Reinaldo Branco de Moraes
DIREITO INTERTEMPORAL
PROCESSUAL
Narbal Antônio de Mendonça Fileti/Reinaldo Branco de Moraes
Visão geral do tema
O processo constitui uma sequência de atos predefinidos e sucessivos, relacionados entre si; é um instru-
mento para fazer valer o direito material perseguido em Juízo, com vista à composição do litígio, para obtenção
da paz social.
A regência do processo, por óbvio, é realizada por meio da lei processual vigente.
Sucede que há ocasiões – como a agora vista com a entrada em vigor da Lei n. 13.467/20171 – que a lei pos-
terior passa a reger de forma diferente os atos processuais em face da lei revogada.
Não há dúvida quanto às regras processuais aplicáveis aos processos findos e àqueles que são iniciados já
sob o império da nova lei, estes regendo-se inteiramente sob os ditames da novel legislação, aqueles já terminados
sob a legislação revogada.
O problema está em definir qual legislação instrumental é aplicável aos processos em andamento quando
da entrada em vigor da nova lei. Nesse ponto, de rigor identificar as teorias a respeito da aplicação do direito pro-
cessual no tempo, e principalmente aquela que incide no processo do trabalho.
Relevante atentar, ainda, que há normas processuais que possuem caráter bifronte ou híbrido (misto de
direitos processual e material), identificando aquelas trazidas pela Reforma Trabalhista, máxime em face do trata-
mento diferenciado a essas normas, aspecto, por vezes, que não tem sido percebido nem respeitado pelos profis-
sionais do direito.
1. Segundo o art. 6º da Lei n. 13.467, de 13.7.2017, publicada no DOU de 14.7.2017, “[e]sta Lei entra em vigor após decorridos cento
e vinte dias de sua publicação oficial.” Logo, a novel legislação vigora desde 11.11.2017, segundo as diretrizes dos §§ 1º e 2º do
art. 8º da LC n. 95/1998:
“Art. 8º. [ .]
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da
publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.
§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de)
dias de sua publicação oficial”.”
Godinho, no entanto, aduz que a vigência da Lei n. 13.467/2017 ocorreu a partir de 13.11.2017 pelos seguintes motivos: “[...]
os 120 dias da vacatio legis prevista no diploma legal irão se completar em um sábado, dia 11.11.2017. Entretanto, como a Lei
nova trata de matéria de Direito Processual do Trabalho (ao invés de apenas Direito Material do Trabalho), fica submetida à regra
da prorrogação de prazos para o primeiro dia útil seguinte (a segunda-feira, dia 13 de novembro), uma vez que não se iniciam ou
terminam prazos processuais em sábados. Nesta linha é o que dispõe o art. 216 do novo Código de Processo Civil, que equipara
o sábado, para todos os fins, aos feriados.” (DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista
no Brasil com os Comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 370). Não obstante os ponderáveis argumentos do
renomado doutrinador, data venia, entende-se que a data da vigência de uma lei, pouco importando seu conteúdo (lei material,
lei processual ou híbrida, como é a Lei da denominada “Reforma Trabalhista”), é regrada pela LC n. 95/1998. Por corolário, a
vigência da Lei n. 13.467/2017 dá-se, efetivamente, no dia 11.11.2017. Aliás, ainda que fôssemos analisar o conteúdo da nova lei,
teríamos a seguinte situação: a) lei material: contratos de trabalho, v. g. , firmados nos dias 11 e 12.11.2017, devem seguir o novo
ordenamento jurídico vigente à data do acordo de vontades; b) lei processual: o jurisdicionado pode, por exemplo, praticar atos
processuais em dias não úteis como a protocolização de petição inicial nos dias 11 e 12.11.2017, observando os requisitos previs-
tos na Lei n. 13.467/2017, vigente desde 11.11.2017, pois a Justiça do Trabalho está informatizada em todo o país (PJe – processo
judicial eletrônico).
Direito Intertemporal Processual 561
Narbal Antônio de Mendonça Fileti/Reinaldo Branco de Moraes
A Lei Processual e sua Aplicação no Tempo
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece em seu art. 6º que “[a] lei em vigor
terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”2. Por sua vez,
prevê o inc. XXXVI do art. 5º da CF/1988: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada”.
Belmonte adverte que “[a]s leis processuais têm aplicação imediata, mas devem respeitar o ato jurídico-
-processual perfeito, os direitos processuais adquiridos e a coisa julgada.”3
A questão relativa à aplicação do direito intertemporal instrumental se resolve por meio de três teorias, a
saber:
sistema da unidade processual: por ser um corpo uno e indivisível, o processo deve ser regido integralmen-
te por uma só lei; é dizer, o processo deverá observar as disposições da lei em vigor no momento do ajuizamento
da demanda, conduzindo-o até o final;
sistema das fases processuais: como o processo está dividido em fases estanques ou concentradas, cada
uma dessas fases (postulatória, instrutória, decisória, recursal e executória ou cumprimento de sentença) será con-
siderada de forma isolada, como verdadeira unidade processual; a nova lei somente incidirá sobre a fase seguinte
àquela já iniciada sob os auspícios da lei anterior; e
sistema do isolamento dos atos processuais: cada ato processual é considerado de forma isolada, observan-
do a regência da lei em vigor no momento em que aquele é praticado; em suma, “[i]soladamente considerado, o
ato processual deve sempre ser praticado de acordo com a lei em vigor ao tempo de sua realização”4.
Segundo Teixeira Filho, a doutrina inclinou-se para este terceiro sistema5. Essa é a disposição do art. 14 do
CPC/2015, segundo a qual “[a] norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em
curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma
revogada”, bem como do caput do art. 1.046 do mesmo Diploma Legal: “[a]o entrar em vigor este Código, suas
disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de
1973.”6 A regra processual comum indubitavelmente se aplica na esfera processual trabalhista por força do prin-
cípio da subsidiariedade (art. 769 da CLT e art. 15 do CPC/2015).
O CPC de 1973 já registrava, em seu art. 1.211, que “[e]ste Código regerá o processo civil em todo o territó-
rio brasileiro [...]”, e que “[a]o entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes”.
Vê-se, portanto, que, pelo sistema do isolamento dos atos processuais, a lei processual se aplica imediata-
mente aos processos em curso, devendo respeitar os atos processuais praticados e as situações jurídicas consoli-
dadas sob a norma revogada7 (regime do tempus regit actum).
2. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC) – DL n. 4.657/1942 –, com nomenclatura alterada para Lei de Introdução às
normas do Direito Brasileiro (LINDB) – Lei n. 12.376, de 30.12.2010 (DOU de 31.12.2010) –, define direito adquirido, ato jurídico
perfeito e coisa julgada, respectivamente, nos §§ 1º e 2º do art. 6º, segundo a redação dada pela Lei n. 3.238/1957, verbis:
“§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do
exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”
3. BELMONTE, Alexandre Agra. Impacto da Reforma Trabalhista nos contratos vigentes e ações judiciais pendentes – direito intertem-
poral. Revista LTr, São Paulo, v. 82, n. 03, p. 267, mar. 2018.
4. COSTA, Alfredo Araújo Lopes da. Apud CUNHA, Leonardo Carneiro da. Direito intertemporal e o novo Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 27.
5. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações introduzidas no processo do trabalho
pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 241.
6. A Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, trata-se do CPC/1973.
7. Por situação jurídica consolidada sob a norma revogada, há autores que reconhecem a existência de um direito processual adqui-
rido (TEIXEIRA FILHO, in O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações introduzidas no processo do trabalho pela
Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 45); outros, como Teresa Arruda Alvim Wambier et al., sustentam tratar-se de fenômeno
semelhante e assimilável ao direito adquirido processual, pois “[...] a nova lei, embora se aplique aos processos em curso, não atinge
situações consolidadas, dentro do processo” (destaque no original) (In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia
Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo
Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 73).

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