Direito processual do trabalho

AutorRicardo Calcini, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça
Páginas248-374
248 Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista
Direito Processual do Trabalho
ARBITRAGEM
A arbitragem pode ser pactuada por compromisso arbitral?
Fernanda Muniz Borges
A Reforma Trabalhista inseriu na CLT o art. 507-A o qual dispõe que “Nos contratos individuais de trabalho cuja
remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência
Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante
a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.
Apesar da grande inovação jurídica que expressamente autoriza a utilização da arbitragem em âmbito de Direito
Individual do Trabalho, o que até então era amplamente rechaçado pelo Poder Judiciário trabalhista, o dispositivo é
simplista, trazendo poucas referências ou formalidades para sua implementação, contudo, é expresso em utilizar a
nomenclatura cláusula compromissória”.
Pela análise formal da Lei n. 9.307/1996 (Lei da Arbitragem), há dois tipos de pactos arbitrais: (i) Cláusula
compromissória, na qual as partes ajustam em um contrato que os futuros litígios eventualmente existentes serão
submetidos à arbitragem; e (ii) Compromisso arbitral, pactuado após a celebração do contrato, quando já existente
um litigio, ocasião em que as Partes renunciam à decisão do Poder Judiciário e se obrigam a submeter à arbitragem.
Nesse sentido, muito tem-se discutido sobre a validade do compromisso arbitral diante do teor do art. 507-A da
CLT, ou seja: sem previsão no contrato de trabalho, através da cláusula arbitral, é possível pactuar pela utilização da
arbitragem somente após a existência do litígio?
Em que pese existirem opiniões contrárias, parece-nos equivocado limitar a arbitragem apenas a cláusula arbitral.
Explico:
Inicialmente, mister relembrar a noção de que a subordinação, um dos requisitos mais importantes do vínculo
de emprego (arts. 2o e 3o da CLT), é um conceito amplo e que sofre variações a depender do momento do contrato de
trabalho.
Parece contraditório admitir que no início do contrato, quando talvez o nível de intensidade da subordinação
esteja mais elevado, seja pela vontade do início da relação de emprego, seja pela própria submissão do empregado aos
regramentos ali impostos, ser possível pactuar a submissão de litígio à arbitragem e ao final da relação empregatícia
existente não.
Evidente que após o encerramento do contrato de trabalho, a subordinação resta mitigada ou, ao menos, diminuída,
o que reforça a ideia de ser possível o compromisso arbitral.
Ademais, a Reforma Trabalhista acabou por criar uma nova “categoria” de empregados, aqueles que vêm sendo
denominado de “hipersuficientes”. Neste contexto, para fins gerais da relação de emprego, são os profissionais com
diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios
do Regime Geral de Previdência Social.
Com estas características, o empregado poderá negociar com o empregador, pautado na livre estipulação que
rege os contratos de trabalho (art. 444 da CLT), e com a mesma eficácia legal e preponderância que uma negociação
coletiva, conforme disposto no parágrafo único do art. 444 da CLT.(232)
(232) Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha
às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a
mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba
salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
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Para fins de submissão à arbitragem, a Reforma Trabalhista foi ainda mais simplista, basta perceber salário mensal
igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Com este cenário, inegável que a subordinação existente como premissa de uma relação de emprego foi mitigada
com relação a estes profissionais, não fazendo sentido limitar ao início do contrato de trabalho e a pactuação de cláusula
arbitral a utilização deste instituto.
Note-se que os requisitos da anuência ou iniciativa do empregado nessa pactuação se mantém, seja na cláusula,
seja no compromisso arbitral.
Em defesa da viabilidade do compromisso arbitral, encontramos o entendimento do Professor Estevão Mallet
expresso na Revista do Tribunal Superior do Trabalho(233), na qual traz a coerente observação de que o legislador “falou
menos que provavelmente pretendia”.
De fato, ao se analisar os pareceres anteriores à publicação da Reforma Trabalhista resta evidente que a intenção
do legislador era tão somente “desafogar” o Poder Judiciário, não nos parecendo coerente presumir que a intenção era
limitar a arbitragem apenas à cláusula arbitral.
Nesse sentido, por uma interpretação literal do dispositivo, sustentamos que, apesar da expressa referência a
Cláusula Arbitral, o artigo também menciona a Lei n. 9.307/1996, a qual, como visto acima, traz as duas formas de
pacto arbitral: compromisso e cláusula arbitral.
Não bastasse isso, a lei arbitral e/ou trabalhista, especificamente, nunca vedou expressamente a utilização deste
método de solução de conflitos em âmbito de Direito Individual trabalhista. Tratava-se de posição majoritária doutrinária e
da jurisprudência que rechaçavam esta prática com base na suposta indisponibilidade dos direitos trabalhistas.
Portanto, a atual redação da CLT não veda o compromisso arbitral, pelo que, por conseguinte, entendo permitida
em compasso com os demais argumentos ora apresentados.
As sentenças arbitrais proferidas antes da Reforma Trabalhista e que tenham decidido
a respeito do contrato individual do Trabalho, são válidas?
Márcia Conceição Alves Dinamarco
A arbitragem regulada pelo pela lei n. 9.307/96, nasceu em um momento em que a globalização e as tendências
mundiais convergem para os chamados meios alternativos de solução de conflitos. Fora isso, a arbitragem veio como
solução para a crise que acomete a Justiça brasileira.
Apesar da grande importância dos meios alternativos de solução de conflitos, tanto que o próprio Poder Judiciário
tem estimulado a sua realização, ainda existe uma grande resistência à sua aceitação plena.
A formação acadêmica dos nossos operadores de direito é voltada, fundamentalmente, para a solução contenciosa
e adjudicada dos conflitos de interesses, ou seja, toda ênfase é dada à solução dos conflitos por meio de processo judicial,
onde é proferida uma sentença, que constitui a solução imperativa dada pelo juiz como representante do Estado.
A solução amigável dos conflitos de interesses tem grande vantagem em relação à solução adjudicada por meio
de sentença. Ela pacifica os conflitantes, não se limitando a solucionar o conflito; evita o recurso e também, quando
bem concluída, a execução.
Mas o Judiciário Nacional sentiu de forma gritante esse peso, tendo o legislador instituído conciliações e os Tribu-
nais lançado campanhas e mais campanhas de conciliação, e com isso acabou-se fortalecendo e criando expectativas
de que logo assistiremos ao surgimento de uma nova cultura, qual seja, a cultura da pacificação substituindo a atual
cultura da sentença.
O legislador ciente dessa cultura de sentença, e a resistência em se aceitar os meios alternativos de solução de conflito,
ao instituir a arbitragem criou a figura do juiz de fato e de direito e instituiu que o que for decidido será realizado
através de uma sentença ao dispor, especialmente: (a) quem são as pessoas que poderão valer-se da arbitragem e quais
(233) MALLET, Estevão. Arbitragem em litígios trabalhistas individuais. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 84, n. 2, p. 58, abr./jun. 2018.
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os direitos que podem ser dirimidos nesta sede (art. 1o); (b) quem é o juiz de fato e de direito autorizado a apreciar os
litígios, ou seja, quem pode ser árbitro, e como se dá a sua escolha (arts. 13 a 18); e (c) que a solução dada ao conflito
se dará por meio de uma sentença (arts. 23 a 31).
Assim, em momento algum a arbitragem ofende o princípio Constitucional do controle jurisdicional, já que deixa
às partes a escolha, ou seja, podem optar pela resolução do conflito pelo Poder Judiciário ou pela chamada “Justiça
Privada”, sendo que a primeira fica afastada caso tenham optado pela segunda.
E mais, a arbitragem tem natureza jurídica de jurisdição, por se caracterizar como instrumento de pacificação
social e a decisão é exteriorizada por meio de uma sentença, que inclusive é qualificada como título executivo judicial.
Assim, depois de mais de uma década de existência e já tendo sido, inclusive, objeto de ação direita de inconsti-
tucionalidade que foi afastada (ADI n. 3.003), não há como se negar a sua vigência, validade e eficácia, inclusive tendo
sido reconhecida na esfera trabalhista, conforme previsto no art. 507-A, com a redação dada pela Reforma Trabalhista.
Assim, o dispositivo constitucional que estabelece que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da
apreciação do Poder Judiciário não é incompatível com o compromisso arbitral e os efeitos da coisa julgada de que
E mais, a arbitragem se caracteriza como forma alternativa de prevenção ou solução de conflito à qual as partes
aderem por força de suas próprias vontades, e a Constituição Federal não impõe o direito à ação como um dever, no
sentido de que todo e qualquer litígio deve ser submetido ao Poder Judiciário.
Assim, a arbitragem está incorporada ao direito brasileiro, não só internamente, mas também pela Convenção
sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, conforme Decreto n. 4.311/02.
Nessa linha, as sentenças arbitrais proferidas anteriormente a entrada em vigor da denominada Reforma trabalhista,
são válidas e eficazes, inclusive por se tratar de direito individual e cuja legitimidade para alegar eventual dano é pessoal,
sendo que pela lei de arbitragem existe meio adequado para discutir a validade e eficácia da sentença arbitral.
Portanto, as sentenças arbitrais proferidas antes da Reforma trabalhista são válidas e eficazes, sendo que os únicos
eventualmente prejudicados e que por isso seriam os interessados e legitimados para requererem a anulação das sentenças
arbitrais seriam as partes que se sujeitaram à arbitragem.
A lei de arbitragem dispõe que somente podem ser objeto de procedimentos arbitrais
os direitos tidos como disponíveis. Diante disso, os direitos trabalhistas são disponíveis
ou indisponíveis? O fato de ser possível a transação a esfera judicial, altera a natureza
dos direitos trabalhistas?
Michel Zumerkorn Hassan
O ponto central é traçar uma linha do que se tem por direito indisponível, já que a Lei da Arbitragem dispõe no
art. 1o, que: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis”.
A discussão já chegou a ser objeto de apreciação perante o Tribunal Superior do Trabalho, tendo sido expressa-
mente decidido no RR-144300-800.2005.5.02.0040, publicado em 4.2.2011: “o art. 1o da Lei n. 9.307/96, ao estabelecer
ser a arbitragem meio adequado para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, não se constitui em
óbice absoluto à sua aplicação nos dissídios individuais decorrentes da relação de emprego. Isso porque o princípio da
irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas deve ser examinado a partir de momentos temporais distintos, relacionados,
respectivamente, com o ato da admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior dissolução. Nesse
sentido, sobressai o relevo institucional do ato de contratação do empregado e da vigência do contrato de trabalho,
em função do qual impõe-se realçar a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, visto que, numa e noutra situação,
é nítida a posição de inferioridade econômica do empregado, circunstância que dilucida a evidência de seu eventual
consentimento achar-se intrinsecamente maculado por essa difusa e incontornável superioridade de quem está em vias
de o contratar ou já o tenha contratado. Isso porque o contrato de emprego identifica-se com os contratos de adesão,
atraindo a nulidade das chamadas cláusulas leoninas, a teor do 424 do Código Civil de 2002, com as quais guarda
íntima correlação eventual cláusula compromissória de eleição da via arbitral, para solução de possíveis conflitos tra-
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