Direitos Trabalhistas Mínimos além da Relação de Emprego

AutorAmauri Cesar Alves
Ocupação do AutorMestre e Doutorando em Direito do Trabalho (PUC.Minas)
Páginas277-287

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1. Introdução Expansão de direitos

Historicamente o Estado brasileiro percebeu a construção de regras heterônomas de regulação das relações capital-trabalho sob a ótica quase exclusiva da relação de emprego. É claro que a prevalência da proteção à relação de emprego se justifica histórica, social, política e economicamente, afinal de contas trata-se da “modalidade mais relevante”, do ponto de vista social e econômico, “de pactuação de prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos, desde a instauração do sistema econômico contemporâneo, o capitalismo.”1

O presente artigo pretende demonstrar que, não obstante haja a óbvia e necessária prevalência da proteção da relação empregatícia, há espaço para a tutela mínima de relações de trabalho outras, que não envolvem empregado e empregador, mas merecem a atenção do Estado. Tal compreensão básica, de matriz eminentemente constitucional, se revela, na prática, através da aplicação das Leis n. 12.690/2012 (Trabalho Cooperado), 11.788/2008 (Estágio), 12.023/2009 (Avulsos não portuários, conhecidos como “Chapas”) e 12.619/2012 (Motoristas Profissionais).

A análise aqui será restrita, então, a quatro situações de trabalho e que aprioristicamente não caracterizam vínculo empregatício, mas que receberam recentemente do Estado brasileiro proteção específica e que permitem concluir pela consagração de direitos mínimos a trabalhadores não empregados como estratégia brasileira de valorização social do trabalho: cooperados, estagiários, chapas e motoristas profissionais não-empregados.

A ideia básica a permear o presente estudo é que algumas relações de trabalho sem vínculo empregatício devem também conferir direitos mínimos àqueles que se inserem no mercado produtivo, força da interpretação hodierna do que dispõe a Constituição da República em seus arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso III; e 6º.

De antemão é necessário destacar que não se pretende, aqui, incentivar a criação de subcategorias de empregados, como infelizmente ficou consagrada pela melhor doutrina e pela experiência internacional, por exemplo, a teoria da parassubordinação2.

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O que deve haver, sempre e em cada situação fática, é a percepção de que se trata de trabalhador não-empregado destinatário de tutela específica (cooperado, estagiário, “chapa” e motorista profissional autônomo). Não se trata de referendar fraudes contra a relação de emprego, obviamente. O que se busca é, repita-se, compreender a necessidade de tutela específica e mínima a algumas categorias de trabalhadores não empregados.

O Professor Mauricio Godinho Delgado destaca três possibilidades básicas de expansionismo do Direito do Trabalho: “a crescente e contínua busca de efetividade”, a “ampliação do conceito de relação de emprego”, além da “extensão do Direito do Trabalho a relações de trabalho, ultrapassando o marco clássico da simples relação de emprego”3.

à presente análise interessa compreender, com base na legislação brasileira (constitucional e infra-constitucional), a terceira possibilidade expansionista, que consiste em ampliação da proteção estatal a algumas relações de trabalho que não caracterizam vínculo empregatício. Tal vertente já foi anterior-mente sinalizada na obra “Novo Contrato de Emprego: parassubordinação trabalhista”, como se infere:

“Para um futuro próximo deve-se pensar em uma ampla mudança de paradigmas em direito do Trabalho. A proteção ao trabalho, em todas as suas expressões, poderá ser consagrada expressamente nos textos normativos de Direito do Trabalho. Deve ser criado, então, um novo pensamento, justo e equânime, para a tutela das relações trabalhistas. (...)

Deve-se reconstruir o Direito do Trabalho fundado efetivamente na valorização do trabalho e não somente do emprego”4.

Melhor tratamento recebeu a problemática na obra referencial de Gabriela Neves Delgado “Direito Fundamental ao trabalho digno”, bem como em recente estudo seu em parceria com Mauricio Godinho Delgado, intitulado Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho”, ambos publicados pela LTr, dos quais é possível destacar o seguinte, em apertada síntese:

“A Professora da UFMG, da PUC Minas e da UNB, ciente dos importantes objetivos do ramo justrabalhista na história do capitalismo, como eficiente veículo garantidor de piso de dignidade aos que vivem de sua força laborativa sustenta ... que as relações de trabalho que formalmente não se encontram hoje regidas pelo Direito do Trabalho também precisam ser reconhecidas como objeto de efetiva tutela jurídica, para que o trabalhador que as exerça possa, por meio da proteção jurídica, alcançar o espaço para o exercício de seus direitos”5.

Assim, princípios constitucionais como os da dignidade da pessoa humana (C.R., art. 1º, inciso
III), do valor social do trabalho (C.R., art. 1º, inciso IV), da não discriminação (C.R., art. 5º, caput), da vedação ao retrocesso social (C.R., art. 5º, § 2º), da prevalência dos direitos humanos (C.R., art. 4º, inciso II) e da erradicação da pobreza e das desigualdades sociais (C.R., art. 3º, inciso III) devem, então, doravante, informar a criação da norma justrabalhista, tenha ela alcance restrito ou ampliado.

2. Trabalho cooperado: Lei n 12.690/2012

A inexistência de vínculo empregatício entre o trabalhador cooperado, sua cooperativa de trabalho e o cliente desta é presunção legal (que admite prova em contrário) prevista no parágrafo único do art. 442 da CLT, incluído em 1994.

É claro que tal dispositivo celetista deve ser entendido como presunção legal, sendo certo que se a cooperativa for fraudulenta haverá espaço para o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador e aquele que explorou sua força produtiva.

Tal identificação de mera presunção, inicialmente fruto do entendimento doutrinário e jurispruden-

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cial construído ao longo dos anos, agora é regra por força da Lei n. 12.690, de 19 de julho de 2012, nos termos do parágrafo 2º do seu art. 17, combinado com o disposto no art. 7º, § 6º:

“Art. 17. Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de sua competência, a fiscalização do cumprimento do disposto nesta Lei.

(...)

§ 2º Presumir-se-á intermediação de mão de obra subordinada a relação contratual estabelecida entre a empresa contratante e as Cooperativas de Trabalho que não cumprirem o disposto no § 6º do art. 7º desta Lei.”

“Art. 7º A Cooperativa de Trabalho deve garantir aos sócios os seguintes direitos, além de outros que a Assembleia Geral venha a instituir:

(...)

§ 6º As atividades identificadas com o objeto social da Cooperativa de Trabalho prevista no inciso II do caput do art. 4º desta Lei, quando prestadas fora do estabelecimento da cooperativa, deverão ser submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a 1 (um) ano ou ao prazo estipulado para a realização dessas atividades, eleita em reunião específica pelos sócios que se disponham a realizá-las, em que serão expostos os requisitos para sua consecução, os valores contratados e a retribuição pecuniária de cada sócio partícipe.”

O vínculo cooperativo será preservado íntegro, ou seja, sem que haja o reconhecimento do contrato de emprego, se observados três requisitos, basicamente: a) ausência de subordinação jurídica entre o trabalhador e os gestores da cooperativa ou entre aquele e o tomador dos seus serviços; b) observância ao princípio da dupla qualidade; e, c) observância ao princípio da retribuição pessoal diferenciada.

Ainda restava, até julho de 2012, alguma resistência quanto à percepção lançada acima, até mesmo quanto à impossibilidade de existência de subordinação jurídica na relação cooperativa6. Tal resistência agora deverá se extinguir, força, dentre outros, da regra contida no artigo 5º da Lei n. 12.690/2012:

“Art. 5º A Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada.”

Assim, se houver subordinação jurídica entre o trabalhador cooperado e os gestores da cooperativa, ou, ainda, entre aquele e o tomador dos serviços cooperados, deve ser afastado o vínculo especial trabalhista para que se reconheça, caso haja a confluência dos requisitos do art. 3º da CLT, o vínculo empregatício.

O trabalhador cooperado se insere no mercado de trabalho como autônomo, e não como um trabalhador subordinado a alguém. Ele deve ter o controle de sua disposição de trabalho (horários, intensidade, tarefas, resultados), vez que trabalha por conta própria, reunido com outros profissionais que também por conta própria empreendem no mercado.

O Professor Mauricio Godinho Delgado destaca, com a costumeira precisão, a necessidade da existência, na relação fática, do princípio da dupla qualidade para que se afirme o vínculo cooperativo e se afaste a relação empregatícia:

“...informa que a pessoa filiada tem que ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo as vantagens dessa duplicidade de situações. Isso significa que, para tal princípio, é necessário haver efetiva prestação de serviços pela Cooperativa diretamente ao associado – e não somente a terceiros. Essa prestação direta de serviços aos associados/cooperados é, aliás, conduta que resulta imperativamente da própria Lei de Cooperativas (art. 6º, I, Lei n. 5.764/70)”7.

Ora, o trabalhador cooperado não pode ser mera peça em uma engrenagem empresarial, devendo atuar na gestão de sua cooperativa, vez que dela participa em igualdade de condições com todos os demais associados. Deve, também, dela receber serviços que melhorem a sua inserção profissional autônoma.

Tal princípio foi consagrado pela Lei n.
12.690/2012, inicialmente em seu artigo 3º, que trata dos...

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