Trabalho a Distância e sua Relação com o Sobreaviso Decorrente do Uso de Instrumentos Telemáticos pelo Empregado

AutorGustavo Filipe Barbosa Garcia
Ocupação do AutorProcurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região
Páginas97-103

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1. Introdução

O rápido avanço da tecnologia tem permitido e ampliado o trabalho fora do estabelecimento do empregador, com a manutenção de vínculos de subordinação por meio de recursos eletrônicos, de informática e de telecomunicação.

Além desse aspecto, nas relações trabalhistas, também é cada vez mais frequente a utilização, pelo empregado, de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pelo empregador.

O presente artigo, entre outros aspectos, procura demonstrar que a disciplina jurídica do trabalho a distância (que engloba o teletrabalho), a rigor, não se confunde com a questão, específica, relativa ao tempo de sobreaviso, decorrente da utilização, pelo empregado, de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa.

Com esse objetivo, é necessário, primeiramente, compreender o sentido e o alcance do trabalho a distância (englobando o trabalho em domicílio e o teletrabalho), objeto da atual redação do art. 6º da CLT, bem como, posteriormente, analisar a controvertida questão, diversa e específica, voltada ao uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pelo empregador ao empregado, tema este que é objeto da Súmula n. 428 do Tribunal Superior do Trabalho, alterada na sessão do Pleno, realizada em 14 de setembro de 2012, conforme Resolução n. 185/2012 (DEJT divulgado em 25, 26 e
27.09.2012).

2. Trabalho a distância, trabalho em domicílio e teletrabalho

O teletrabalho é modalidade de trabalho a distância, típica dos tempos pós-modernos1.

A utilização cada vez mais intensa da tecnologia permite a frequente realização do trabalho fora do estabelecimento do empregador, por meio de recur-sos eletrônicos, telemáticos e de informática, com destaque à utilização do computador e da internet2.

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O Código do Trabalho de Portugal, de 2009, no art. 165º, dispõe que teletrabalho é “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitual-mente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”.

Ainda quanto ao tema, Amauri Mascaro Nascimento leciona que o trabalho a distância, no enfoque do teletrabalho, “não é realizado no estabelecimento do empregador, e sim fora dele”, “com a utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo”3.

Embora o trabalho a distância seja normalmente desempenhado na própria residência do empregado, segundo a doutrina, não se restringe a essa hipótese.

Efetivamente, há os chamados centros de trabalho, os quais estão situados fora do estabelecimento do empregador, e que também podem ser considerados “unidades de fornecimento de trabalho a distância”, podendo haver “centros de atendimento de serviços fora das empresas beneficiadas”4.

Conforme explica Esperanza Macarena Sierra Benítez:

“En el caso del teletrabajo en telecentro estamos ante un verdadero lugar de trabajo cuando la titularidad del mismo no recaiga sobre el empresario y, por lo tanto, no exista vínculo jurídico entre los trabajadores en ese lugar de trabajo y el titular del telecentro”5.

Na realidade, pode-se dizer que o trabalho a distância é gênero, tendo como espécies o teletrabalho e o trabalho em domicílio.

Nesse sentido, Esperanza Macarena Sierra Benítez, ao analisar o trabalho a distância, assim observa:

“En este tipo de contratos podemos identificar un rasgo común, y es que la realización de la prestación no se lleva a cabo en el lugar convencional – el centro de trabajo – establecido por el empresario. No obstante, el lugar con-creto de realización de la prestación laboral va a determinar la modalidad de teletrabajo, por lo que no cabe identificar el teletrabajo sólo con el trabajo a distancia, sino también con aquél que se realiza en lugares distintos al convencional (domicilio, telecentro, itinerante). En el teletrabajo queda clarificada la diferencia tradicional entre centro de trabajo y lugar de trabajo: si se trata de teletrabajo a domicilio estamos ante un lugar de trabajo determinado, y si se trata de teletrabajo móvil habría que hablar de distintos lugares de trabajo itinerantes y no de lugares distintos al centro de trabajo”6.

Logo, em termos doutrinários, o trabalho em domicílio, de certa forma, também é uma modalidade de trabalho a distância.

O teletrabalho, por seu turno, como modalidade especial, diferencia-se da figura mais genérica do trabalho a distância, justamente em razão da ênfase na utilização de recursos eletrônicos, de informática e de comunicação7.

Pode-se dizer que incidem ao teletrabalho as normas que disciplinam o trabalho em domicílio, seja em face da atual previsão legal (art. 6º da CLT), seja em razão da nítida semelhança entre essas situações.

Não obstante, há entendimento no sentido de que o trabalho em domicílio é mais frequente em atividades manuais, enquanto o teletrabalho é normal-mente realizado em atividades que exigem conhecimentos mais especializados, como auditoria, gestão de recursos, tradução, jornalismo, digitação8.

O art. 83 da CLT, além de assegurar ao empregado em domicílio o salário mínimo, define essa modalidade de trabalho como aquele “executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere”.

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção n. 177, de 1996, dispõe so-

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bre o trabalho em domicílio9, mas ainda não foi ratificada pelo Brasil.

Nos termos do art. 1º, a, dessa norma internacional, “trabalho em domicílio” significa o trabalho que uma pessoa, designada como trabalhador em domicilio, realiza: em seu domicílio ou em outros locais que escolher, mas distintos dos locais de trabalho do empregador; em troca de remuneração; com o fim de elaborar um produto ou prestar um serviço, conforme as especificações do empregador (independentemente de quem proporcione os equipamentos, materiais ou outros elementos utilizados). Excepciona-se dessa condição aquele que tiver nível de autonomia e de independência econômica suficiente para ser considerado trabalhador independente, em virtude da legislação nacional ou de decisões judiciais.

Ademais, uma pessoa que tenha a condição de assalariado não deve ser considerada trabalhador em domicílio, para os fins da Convenção n. 177 da OIT, pelo mero fato de realizar ocasionalmente o seu trabalho (como assalariado) em seu domicílio, em vez de realizá-lo em seu local de trabalho habitual (art. 1º, b).

O empregador, por sua vez, é entendido como uma pessoa física ou jurídica que, de modo direto ou por um intermediário (esteja ou não prevista essa figura na legislação nacional), oferece trabalho em domicílio por conta de sua empresa (art. 1º, c).

Tendo em vista a já mencionada semelhança entre o teletrabalho e o trabalho em domicílio, cabe ainda ressaltar que, nos termos do art. 4º da referida Convenção da OIT, na medida do possível, a política nacional em matéria de trabalho em domicílio deve promover a igualdade de tratamento entre os trabalhadores em domicilio e os outros trabalhadores assalariados, levando em conta as características particulares do trabalho em domicílio e, se for o caso, as condições aplicáveis a um trabalho idêntico ou similar realizado na empresa.

Portanto, quanto ao tema em estudo, quando presentes os requisitos do vínculo de emprego, deve ser observada a igualdade de tratamento entre os trabalhadores à distância e os demais empregados, com fundamento nos arts. 5º, caput, e 7º, xxxII, da Constituição da República, e arts. e 83 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Em razão da autorização prevista no art. 8º da CLT, no sentido da possibilidade de aplicação subsidiária do Direito comparado, cabe salientar que, em Portugal, o Código do Trabalho de 2009, no art. 169º, n. 1, assim dispõe: “O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”.

3. Particularidades do teletrabalho

No teletrabalho, justamente em razão das peculiaridades quanto à forma de prestação do serviço, é frequente haver certa flexibilização quanto ao horário de trabalho, em especial quando se trata de labor prestado na residência do empregado.

Nessa modalidade de trabalho a distância, assim como no trabalho em domicílio, evita-se a necessidade de deslocamento até o estabelecimento do empregador, o que economiza tempo, principalmente em grandes centros urbanos, permitindo, em tese...

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