Crédito à exportação na américa latina e as regras sobre subsídios da OMC: análise de conformidade e de alternativas

AutorJosé Guilherme Moreno Caiado
CargoMestre em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo ? PROLAM/USP e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Hamburgo, Alemanha
Páginas79-91

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I Introdução

Em setembro de 2006, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) publicou documento em que técnicos do governo brasileiro expressavam grande preocupação com possíveis alterações no atual Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (Acordo SMC) da Organização Mundial do Comércio (OMC). O documento considera, em linhas gerais, que a redefinição do conceito de subsídios, proposta pelos americanos, ou a expansão da lista de subsídios proibidos, defendida pelos europeus, limitaria a ação de bancos de desenvolvimento e de outras instituições públicas de financiamento no mercado de crédito (Fernandes et al., 2006, 4/7).

A intervenção do governo nesse mercado pode ser dividida, grosso modo, em três áreas diferentes: regulação, política monetária e alocação de crédito. A regulação refere-se às regras e instituições públicas voltadas para a preservação do funcionamento do mercado nacional. A política monetária, por sua vez, atua sobre a quantidade de moeda, ou a taxa de juros de curto prazo. Já a alocação de crédito tem como propósito o direcionamento de recursos financeiros para o atendimento prioritário de setores da economia, de regiões do território nacional e de categorias de companhias específicas (Torres, 2007, 277).

A alocação de crédito, por sua vez, possui um caráter determinado, oferecendo recursos públicos a pessoas ou grupos escolhidos pelo governo, que definirá o volume a ser ofertado e também as condições do financiamento como, por exemplo, a taxa de juros e o prazo para pagamento. Por meio desse expediente, o governo procura ofertar fundos a pessoas e setores que, seja pela escassez de crédito do mercado, seja pela alta taxa de juros dos financiamentos disponíveis, não teriam normalmente acesso ao crédito. Dessa maneira, a alocação de crédito é um importante instrumento de política pública, direcionando recursos a setores e pessoas tidos como prioritários pelo governo, seja por motivos econômicos, políticos ou sociais.

Um dos setores que atualmente se beneficia de programas de direcionamento de crédito na América Latina é o das empresas exportadoras, por meio de financiamentos específicos para o comércio internacional. Há três modalidades principais de direcionamento para essa finalidade: (i) financiamento direto; (ii) equalização da taxa de juros1; e (iii) garantia pública ao crédito2.

Na modalidade financiamento direto, o setor público pode financiar tanto a produção de bens destinados à exportação, como pode, também, financiar qualquer uma das partes do contrato de exportação (o exportador ou o importador). Atualmente, há no Brasil dois grandes instrumentos permanentes do governo federal por meio do quais se financiam

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mercadorias dos mais diversos setores da economia, o Programa de Financiamento às Exportações — PROEX Financiamento, de responsabilidade do Banco do Brasil, e o BNDES-EXIM, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)3. Diversos outros países4 da América Latina também oferecem, por meio de bancos estatais, direcionamento de crédito para o financiamento de exportações, como por exemplo o argentino, por intermédio do Banco de La Nación, e o chileno, pela Corporación de Fomento de La Producción (CORFO). Esses programas de direcionamento, por envolverem transferências de recursos do governo para o setor privado, aproximam-se do conceito de subsídio5, cuja concessão é internacionalmente regulada pelo Acordo SMC da OMC.

Esse acordo define subsídios como uma contribuição financeira do estado para a iniciativa privada e que confira uma vantagem às empresas beneficiárias. O conceito de contribuição financeira é suficientemente amplo para abranger diversas formas de ações governamentais, como o financiamento por meio de bancos públicos ou mediante instruções aos bancos privados, e não será objeto de análise mais detalhada. As atenções serão voltadas à existência de concessão de vantagem, e sua eventual justificação por meio do primeiro parágrafo da letra k do Anexo I do Acordo SMC.

Entretanto, o que exatamente significa conferir uma vantagem? Como determinar se há uma vantagem na concessão de empréstimo de bancos públicos a agentes privados? Embora o artigo 1º do Acordo SMC tenha ilustrado certas ações que devem ser consideradas como contribuição financeira, não ofereceu quaisquer exemplos concretos de situações em que uma vantagem seja concedida. Isso ficou a cargo da jurisprudência, que determinou que coubesse à dinâmica do mercado exercer o papel de marco referencial para essa análise6.

Mas qual mercado deve ser usado para determinar se a vantagem foi concedida? E quais elementos devem ser confrontados com esse mercado? E de que maneira?

Ainda que condições subsidiárias de programas de financiamento possam eventualmente ser usadas para conferir vantagens7, nenhuma delas é tão direta como a manipulação das taxas de juros. Assim, será necessário determinar as taxas mínimas oferecidas pelos programas e compará-las às condições de mercado. Mas de qual mercado?

Para prosseguir com nossa análise, é preciso determinar qual será o benchmark usado como referência para a comparação que indicará se há ou não conferência de vantagem por

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meio dos financiamentos do BNDES. No direito da OMC, como será abaixo discutido, a referência para essa comparação são as “condições de mercado”.

Mas de qual mercado? Mesmo que o limitemos a um determinado produto, como o crédito, ainda será possível verificar diferenças acentuadas dependendo do país ou da região em que o crédito foi concedido. Considerando que o investimento em títulos públicos é um dos mais seguros para o investidor, pode-se presumir que o mercado de crédito privado financiaria quaisquer outras atividades a taxas maiores que a taxa básica utilizada como referência pela política monetária. À época deste estudo, as taxas que vigoravam no Brasil, na Argentina e no Chile eram de 8,75%, 9,73% e 0,50% respectivamente.

II Programas nacionais e sua conformidade com o acordo SMC da OMC
1. Brasil

O BNDES possui diversos instrumentos de incentivo às exportações de bens e serviços e à internacionalização de empresas brasileiras. O quadro atual dos incentivos à exportação, previstos no BNDES-EXIM, inclui duas modalidades principais, a PRÉ8 e a PÓS-EMBARQUE9, sendo que a PRÉ-EMBARQUE se subdivide em dois programas (PRÉ-EMBARQUE e PRÉ-EMBARQUE especial), duas linhas (PRÉ-EMBARQUE ágil e PRÉ-EMBARQUE empresa âncora) e, ainda, um subprograma (Programa BNDES de Sustentação do Investimento — BNDES PSI)10.

Tabela 1: Programas BNDES

[NO INCLUYE TABLA]

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2. Argentina

O Banco de La Nación opera linhas de financiamento destinadas a promover a exportação de produtos Argentinos tais como bens agrícolas, manufaturas, serviços e bens de capital11. Dessas, apenas as linhas destinadas aos bens de capital possuem prazo de pagamento superior a 18 meses, as quais serão analisadas.

A taxa de juros dessas linhas é fixa e determinada da seguinte maneira: em operações maiores que US$ 100,000, a taxa é de 7% a.a.; em operações até US$ 99,999, a taxa é de 8% a.a.; e, para operações realizadas pelo Sistema de Pagamento e Crédito Recíproco da ALADI, a taxa é de 6,50% a.a..

Tabela 2: Programas Banco de La Nácion

[NO INCLUYE TABLA]

3. Chile

O Chile, por meio da CORFO, oferece programas destinados ao financiamento das exportações chilenas. O objetivo do programa Crédito CORFO Exportación é “financiar até 100% das exportações chilenas” de bens de capital, entre outros bens e serviços12. O programa beneficia empresas chilenas exportadoras, inclusive trading companies, cujas vendas anuais não sejam superiores ou equivalentes a US$ 30,000.0013. O financiamento é conce-dido por intermédio de instituição financeira autorizada pela CORFO14, com prazo de financiamento de até 15 anos. A CORFO repassa os valores em moeda local ao intermediário15, que deve, então, efetuar o empréstimo ao exportador em dólares americanos16.

Há dois tipos de taxas de juros pelos quais podem optar os intermediários financeiros: a taxa fixa; e a taxa flutuante, que terá por base a LIBOR17. Os valores exatos são determinados pela CORFO e as taxas atualmente em vigor para os contratos de financiamento de 5, 10 e 15 anos são, respectivamente: taxa fixa: 3,45% a.a.; 3,55% a.a. e 3,70% a.a.; e taxa flutuante: LIBOR, acrescida de 2,85% a.a.; 2,95% a.a.; e 3,10% a.a. Assim, considerando a LIBOR a 0,84% a.a., temos que:

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Tabela 3: Programas CORFO

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Os quadros acima demonstram que dos financiamentos analisados, aqueles concedidos pelos governos do Brasil e da Argentina são inferiores às condições de mercado, o que sugere que tais financiamentos concedem uma vantagem e são, portanto, subsídios nos termos do artigo 1º do Acordo SMC. A ausência de um componente relacionado ao risco do tomador nas taxas finais apenas agrava essa inconsistência, e não será objeto de uma análise mais detalhada18. Além disso, como as regras analisadas determinam as taxas finais, não conferindo discricionariedade ao agente de governo para negar concessões que possam conferir uma vantagem ao exportador, elas deverão ser consideradas per se inconsistentes com o Acordo SMC, a não ser que possam ser justificadas por alguma exceção.

Por sua vez, os financiamentos concedidos pelo governo chileno por intermédio da CORFO são inferiores às condições de mercado. Isso significa que esses financiamentos não concedem uma vantagem e não são, portanto, subsídios nos termos do artigo 1º do Acordo SMC. No caso dos financiamentos em até cinco anos, verificou-se que as taxas são superiores à CIRR. Isso significa que esses financiamentos não concedem vantagem nos termos...

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