A doação eleitoral como ato de lavagem de dinheiro

Em um regime democrático o exercício do poder passa pelo crivo popular. Mas se eleger não depende apenas de boas ideias, competência e capacidade de articulação. São necessários recursos para o pagamento da propaganda, do estúdio de televisão, do marqueteiro, do advogado e de toda uma estrutura para fazer chegar ao eleitor a mensagem, o plano político e o pedido de votos.

Uma parte desse dinheiro vem do Fundo Eleitoral. Outra de doações de cidadãos dispostos a disponibilizar parte de seu patrimônio para ajudar certo candidato. Uns o fazem por ideologia, outros por amizade, e há quem o faça com o interesse de aproximação, de compartilhar um pedaço do poder adquirido.

Nesse último caso, se a doação tiver por contrapartida a prática de um ato de ofício pelo candidato tão logo assuma o cargo, será indevida, pois decorrente de uma mercancia do futuro posto. Em outras palavras, será um ato de corrupção. A doação é ato lícito, mas o motivo é reprovável.

Mas, para além deste crime, discute-se a existência de lavagem de dinheiro nesse contexto. Há quem entenda que o pagamento da vantagem indevida - típica da corrupção – feito por meio da doação eleitoral será um ato de ocultação porque confere uma aparência de licitude ao recurso. O registro na prestação de contas, no imposto do doador, e nos recibos confeririam uma formalidade à transferência que em realidade tem por objetivo a compra de um ato de ofício daquele que pretende ser alçado ao cargo eletivo.

O Min. Edson Fachin, em seu voto nos autos da Apn 996, reconheceu a doação eleitoral proveniente da corrupção como lavagem de dinheiro porque nesses casos não há predisposição do corruptor de efetuar a doação – que só existe em decorrência da corrupção - , e com tal prática o agente corrompido passa a ter a livre disponibilidade da vantagem indevida negociada, com a chancela da Justiça Eleitoral, tornando desnecessário o autofinanciamento ou a obtenção de outros recursos para a campanha1.

No mesmo sentido, o Min. Celso de Mello, em voto proferido nos autos do Inq.3982 também admitiu que a doação eleitoral pode caracterizar lavagem de dinheiro porque a prestação de contas seria um típico expediente de ocultação da natureza das quantias doadas em caráter oficial, pois confere aparência de legitimidade a bens manchados em sua origem2.

A nosso ver, a lavagem de dinheiro não existe nesses casos.

Esse crime pressupõe a ocultação de produto de crime. E o produto da corrupção passiva só existe quando o funcionário público recebe os recursos ilícitos. Este é o ato que transforma...

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