Dos fatos e negócios jurídicos

AutorNehemias Domingos de Melo
Páginas139-258
Lição 12
DOS FATOS JURíDICOS
(OU JURíGENOS)
Sumário: 1. Conceito de fato jurídico – 2. Nem todo fato da vida é fato jurídico – 3.
Classicação dos fatos jurídicos; 3.1 Fatos naturais ou fatos jurídicos em sentido
estrito (stricto sensu); 3.1.1 Ordinários; 3.1.2 Extraordinários; 3.2 Fatos humanos ou
fato jurídico em sentido amplo (lato sensu); 3.2.1 Atos lícitos; 3.2.2 Atos ilícitos – 4.
Modos de aquisição de direitos; 4.1 Originários; 4.2 Derivados.
1. CONCEITO DE FATO JURÍDICO
Fato jurídico é todo acontecimento do mundo que seja relevante para
a vida humana e encontre suporte no ordenamento jurídico, tanto o evento
natural quanto o fato de animal ou mesmo a conduta humana.
2. NEM TODO FATO DA VIDA É FATO JURÍDICO
Existem fatos da natureza ou mesmo humanos que ocorrem e continuarão
a ocorrer sem nenhuma relevância para o mundo jurídico.
Por exemplo, a chuva que cai é um fato natural que ocorre e continuará a
ocorrer sem, necessariamente, ter importância para o mundo do direito. Da
mesma forma, algumas ações humanas podem não ter relevância para o direito,
como o ato de dormir, acordar, banhar-se ou mesmo alimentar-se.
Contudo, pode ocorrer que estes fatos que são comuns no cotidiano possam
ter relevância para o direito quando deles decorrerem alguma agressão a bens ou
direitos da própria pessoa envolvida ou de outrem. Se chover e por causa disso cair
um muro, causando danos ao seu vizinho, estaremos diante de um fato que deveria
ser corriqueiro, mas, como houve agressão a um bem juridicamente protegido,
estaremos agora diante de um fato jurídico. Da mesma forma, o fato de a pessoa
LIÇÕES DE DIREITO CIVIL – VOLUME 1 • Nehemias DomiNgos De melo
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se alimentar pela manhã e, em razão disso vir a ter uma indigestão, tendo que ser
hospitalizada pelo fato de a comida estar estragada, signicará um fato jurídico.
Assim, um fato que poderia ser algo perfeitamente corriqueiro deixa de ser
simples fato para adentrar no mundo do direito, autorizando a pessoa prejudicada
a buscar amparo no ordenamento jurídico.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS
Os fatos jurídicos podem ser classicados em fatos naturais, também cha-
mados de fatos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu), e fatos humanos ou
fatos jurídicos em sentido amplo (lato sensu) e, em ambos os casos, há subdivisões
importantes. Vejamos:
3.1 Fatos naturais ou fatos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu)
São os fatos jurídicos que não dependem da vontade humana para produzir
efeitos, e dividem-se em:
3.1.1 Ordinários
São fatos em que a vontade humana concorre de forma indireta para a
sua ocorrência, mas que independem de qualquer vontade; se o mesmo ocorrer,
gerarão efeitos jurídicos, tais como o nascimento, a morte, a maioridade, a pres-
crição, a decadência, dentre outros.
Explicando melhor: ainda que o nascimento de uma pessoa seja algo que
decorre da vontade de seus pais em ter uma prole, o fato de ela nascer cria
direitos e obrigações que independem da vontade humana, tais como o
direito ao nome, aos alimentos, à sucessão de seus pais etc. Quer dizer,
a criança pode ter nascido por vontade dos pais, porém os direitos que
ela adquire ao nascer independem da vontade dos pais, que não podem
se furtar de uma série de obrigações.
3.1.2 Extraordinários
São os fatos decorrentes da natureza, que se caracterizam pela imprevisi-
bilidade e inevitabilidade, aos quais o direito chama de caso fortuito ou de força
maior (CC, art. 393, parágrafo único),1 tais como o terremoto, o maremoto, a
tempestade, a enchente, o raio etc.
1. CC, Art. 393 (Omissis).
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verica-se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir.
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LIçãO 12 • DOS FATOS JURÍDICOS (OU JURÍGENOS)
3.2 Fatos humanos ou fato jurídico em sentido amplo (lato sensu)
São fatos que dependem da ação humana (voluntária ou mesmo involuntá-
ria) para produzir efeitos, abrangendo tanto os atos lícitos que criam, modicam,
transferem ou extinguem direitos, bem como os atos ilícitos, que ao invés de
direitos geram obrigações para o agente causador do dano. Vejamos:
3.2.1 Atos lícitos
São ações humanas cujo resultado é desejado pelo agente e, desde que
praticados segundo o ordenamento jurídico, produzirão os efeitos jurídicos
almejados, dividindo-se em:
a) Ato jurídico em sentido estrito ou stricto sensu:
É o efeito de uma determinada ação do agente que, independentemente
de sua vontade, produz efeitos porque encontra previsão em lei. Embora o
reconhecimento de um lho possa decorrer da vontade do pai em fazê-lo,
por exemplo, gera diversas consequências que independem da vontade
dos envolvidos, tais como o direito recíproco a alimentos e o direito à
participação na eventual herança, dentre outros. Outras situações se
enquadram nessa categoria, como a mudança do domicílio, a tradição,
a percepção dos frutos, a ocupação, a posse, o perdão, a conssão etc.
b) Negócio jurídico:
É uma espécie de ato jurídico que vai se originar de uma vontade decla-
rada a que o direito reconhece validade. É o meio pelo qual a autonomia
da vontade se manifesta. Nesse caso exigem-se uma ou mais vontades
qualicadas, manifestadas sem vícios, quer dizer, livre e consciente, com
o m de adquirir, transferir, resguardar, modicar ou extinguir direitos.
Por exemplo, no contrato de compra e venda de um imóvel, temos duas
vontades qualicadas; de um lado o vendedor quer vender e de outro o
comprador quer adquirir.
c) Ato-fato jurídico:
É o efeito do ato nem sempre buscado, nem imaginado pelo agente,
mas que, independentemente de sua vontade, intenção, consciência
ou capacidade, vai gerar consequências jurídicas. Exemplo: aquele que
achar um tesouro torna-se proprietário de metade dele, mesmo que seja
incapaz (CC, art. 1.264).2
2. CC, Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será
dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.

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