Divergências doutrinárias

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas167-179

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São rarefeitos os fundamentos e simples os argumentos esposados pelos articulistas e acórdãos jurisprudenciais contrários à desaposentação. Diante do silêncio normativo, por se tratar de entidade nova, várias elucubrações didáticas se permitiram no afã de compreender o que, por algum tempo, terá de ser intitulado como fenômeno jurídico, mas que não passa de um instituto técnico em construção.

Com sua extraordinária relevância, obrigará, com algum cuidado e sem precipitação, o aplicador a estudar os aspectos jurídicos que o envolvem.

Do que foi dado a observar em relação à contestação de eventuais pedidos, na órbita doutrinária e processual, é perceptível a perplexidade de quem antes não havia pensado na possibilidade, às vezes, opondo-se sob simples exercício da surpresa que a novidade costuma defiagrar entre os idosos.

Algumas oposições são fundadas e merecem respeito; outras apenas devem ser agradecidas, porque tornaram possível melhorar a ideia. A maioria, nem tanto, porque é fruto de outra ordem de raciocínio. Em raros casos, a indisposição se apoia em posturas necrosadas pela realidade.

A solicitação, instrução do pedido, concessão e manutenção de um benefício previdenciário não escapa do controle administrativo da moralidade. Em todos os casos, a prestação tem de ser regular, legal e legítima, atendendo ao interesse público. Igual se passa com a desaposentação, que não pode ser concebida ao arrepio desse postulado de Direito Administrativo.

Diz a justificativa do Projeto de Lei n. 7.154/02 que: "A renúncia é ato unilateral que independe de aceitação de terceiros, e, especialmente, em se tratando de manifestação de vontade declinada por pessoa na sua plena capacidade civil, referentemente a direito patrimonial disponível. Falar-se em direito adquirido ou em ato jurídico perfeito, como tem sido alegado por aquele instituto, é interpretar erroneamente a questão. Nesse caso, a garantia do direito adquirido e da existência de ato jurídico perfeito, como entendido naquele instituto, só pode operar resultado contra o Poder Público, sendo garantia do detentor do direito".

Após citar dois acórdãos - o primeiro sustentando: "Não pode o autor requerer um benefício, dele usufruindo por vários anos, até preencher os requisitos de outro, mais vantajoso financeiramente" (Proc. N. 1997.10004887, da 5a Turma do TRF da 4a Região, in: DJU de 31.1.01) e o segundo, asseverando: "Ao optar pelo regime de aposentadoria da previdência social, a autora renunciou, expressamente, a todo pretenso direito estatutário, razão por que não pode pretender exercer reopção pelo referido regime, que

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se torna mais vantajoso com o advento da Lei n. 6.073/79" (Proc. N. 1992.01.12895/MG relatado pelo juiz federal Amilcar Machado, in: DJU de 19.8.99), e mais dois acórdãos favoráveis à restituição do recebido - Tarsis Nametala Jorge Carl põe-se contra a pretensão da desaposentação e (1) garante que o direito adquirido pode ser invocado pelo Estado contra o particular e (2) ainda lembra que "não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro" (Direito adquirido e ato jurídico perfeito no direito previdenciário - abordagem tópica. Disponível em: ).

O art. 5º da Carta Magna é designado como "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", fazendo parte do Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º ao 17), antes do Título III - Da Organização do Estado. Logo, trata dos direitos do indivíduo em face da Instituição e não da Instituição em relação ao cidadão. Afirmar-se que o tempo consumido num regime não pode ser aproveitado noutro, além de obviedade gritante, significa que descabe utilizá-lo duas vezes, em dois regimes, sendo errôneo pensar que isso suceda na desaposentação. Ninguém renuncia a um direito previdenciário, isso é impossível lógica, factual e juridicamente; abstém-se, isso sim, à manutenção da prestação, ao pagamento das mensalidades.

Interessante é a opinião da Consultoria Jurídica de um Estado brasileiro, ab initio quando diz estranhar o pedido de renúncia de um servidor aposentado aprovado em concurso público com proventos mais vantajosos (como se isso fosse pecado). Diz ela que "renúncia não se requer. O renunciante, apenas pela declaração de vontade, extingue uma relação jurídica, para início de argumentação; renúncia é ato unilateral, não receptício (independe de concurso de outrem), através do qual o titular do direito expressamente o rejeita".

A seguir, acresce: "Logo, a partir do momento em que o requerente submete a sua renúncia à apreciação da Administração Pública, esvazia-se o conceito de renúncia, com a retirada de sua principal característica - a unilateralidade. Se há necessidade do deferimento do órgão público para que seja viabilizada a ‘renúncia à aposentadoria’ é porque estaremos diante de uma impropriedade jurídica. Caso não fosse, bastaria a declaração do interessado expressando sua vontade".

Por fim, ela conclui: "Se houvesse a possibilidade de renúncia, se não se tratasse de direito irrenunciável, quantas pessoas que tomassem conhecimento do fato voltariam atrás em suas aposentadorias já publicadas, toda vez que lhe surgisse uma oportunidade mais vantajosa. Seria um verdadeiro caos. Direito é bom-senso e não mixórdia".

Estranhar um pedido de renúncia é não estar bem informado da jurisprudência; na desaposentação, impõe-se a participação da Administração Pública, sem a qual não é possível a desconstituição do ato jurídico. De regra, quem requer uma renúncia pretende aproveitar o tempo de serviço em regime instituidor, implicando em vários atos internos do regime de origem. Um deles, como tem sido comum, o indeferimento da pretensão.

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Somente será ato unilateral se o aposentado apenas desejar se desaposentar e mesmo assim, com vistas ao seu desiderato, ele precisará de um documento emitido por quem o desaposentar.

Não existe nenhuma impropriedade jurídica em um órgão gestor admitir um pedido de renúncia. Ele é obrigado a protocolar o requerimento e, então, conforme a sua inteligência dar-lhe a solução.

No fenômeno da desaposentação inocorre qualquer renúncia ao direito ao benefício, que permanece íntegro, embora inerte; o que pretende o requerente é a sustação dos seus efeitos jurídicos (pagamento das mensalidades) e isso não tem sido compreendido. Não é o caos, mas fato novo que um dia será assimilado em sua essência elementar. Querer levar "vantagem", se não causar prejuízo a ninguém, inclusive ao autor, e inexistindo vedação moral, institucional, constitucional ou legal, é permitido (Renúncia à aposentadoria. Disponível em: ).

Hugo Frederico Vieira Neves, entre outros aspectos divergentes, arrolou: a) ato jurídico perfeito; b) restituição; c) enriquecimento ilícito do segurado; d) possibilidade jurídica do pedido (Aspectos controvertidos do instituto da desaposentação no regime geral de previdência social. São José: tese disponível na internet em 10.12.08 apresentada na Universidade Vale do Itajaí).

Ato jurídico perfeito

A par da ausência de autorização legal, da moralidade do ato e do custo administrativo (razões que não podem ser desprezadas), presencia-se a alegação de que a aposentação deu-se sob o império e a fortaleza constitucional do ato jurídico perfeito. Destarte, a administração, ainda que quisesse, sponte propria não poderia desrespeitá-lo e desfazer o ato vinculado de concessão.

Com efeito, ao lado da coisa julgada e do direito adquirido, institutos magnificamente enquistados no art. 5º, XXXVI, da CF, a serem defendidos e resguardados a todo custo pelos operadores do Direito, o ato jurídico perfeito é garantia da Lei Maior. Não pode ser constrangido por norma posterior como por qualquer ato ou negócio jurídico superveniente a sua consumação, em cada caso.

Na órbita previdenciária, representa extraordinária defesa do homem em face do Estado, que diz respeito à tranquilidade, ao conforto e à segurança jurídica. Historicamente surgiu em virtude de ameaças da ordem geradora da Justiça social. Daí, a despeito de sua obviedade, ainda ser invocado tantas vezes.

Se a seguradora legítima, legal e regularmente concedeu o benefício sob o império da lei vigente, o ato não poderia ser desfeito (ainda mais na ausência de permissão legal).

O argumento, entretanto, não procede. Se a concessão fosse absoluta, unilateral, caso o procedimento burocrático atribuísse validade, propriedade e substância ao ato jurídico que nasceria do deferimento, talvez se pudesse alegar os postulados do ato jurídico

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