Editorial.

O Brasil, com pouco mais de cento e trinta anos de República, possui uma trajetória histórica marcada por mudanças de regime, transições, rupturas e continuidades. No decurso do processo sócio-histórico, fica patente, contudo, a complexidade das transformações e suas inflexões, a capacidade de conservação, no novo regime, de componentes da ordem anterior e, acima de tudo, os obstáculos que impedem a construção de um regime poltico efetivamente democrático. Essa é uma constatação que se aplica àhistória do paÃÂs, já que todas as formas do Estado brasileiro reiteram e denotam a permanência de soluções autoritárias, expressas a partir de transições "pelo alto" ou "àprussiana" (1), que direcionam a ação estatal segundo os interesses dominantes. Processo esse que, ao longo da história, sempre obstruiu a participação popular nos projetos de nação.

As transformações econômico-polÃÂticas e socioculturais da formação social brasileira foram efetuadas mediante um processo de "modernização conservadora" (2), com a introdução de relações novas no arcaico, que liberou força de trabalho para suportar a acumulação industrial-urbana e, também, com a manutenção das relações arcaicas no novo, que preservou o potencial de acumulação liberado, de modo exclusivo e singular, para a expansão capitalista. De sua condição colonial, marcada pela ofensiva contra povos originários, pelo escravismo e por uma não efetiva reforma agrária, foram limitadas as possibilidades efetivas de compatibilizar--se possÃÂvel fosse--democracia e capitalismo. Deste modo, a passagem para o capitalismo ocorreu sem alterações na estrutura agrária preexistente e, em lugar de uma "autêntica" revolução burguesa "de baixo para cima", realizaram-se arranjos entre frações oligárquicas e burguesas de "cima para baixo", em que sempre estiveram presentes os interesses imperialistas, com o alijamento dos trabalhadores e a utilização dos aparelhos repressivos, ideológicos e de intervenção econômico-polÃÂtica do Estado, configurando uma "revolução passiva" (3) ou "contra-revolução burguesa permanente" (4).

Através da conciliação entre frações das classes dominantes, de medidas aplicadas "de cima para baixo" com a conservação das relações de produção arcaicas e sob forte conservadorismo, vinculadas ao latifúndio, e com a reprodução ampliada da dependência ao capitalismo internacional; essas transformações "pelo alto" impediram a participação popular nas grandes decisões polÃÂticas nacionais. Isto produziu uma enorme concentração da renda, da propriedade e do poder no paÃÂs, tornando frágeis quaisquer possibilidades de desenvolvimento e/ou consolidação da democracia.

A fragilidade da formação social brasileira em suas especificidades e particularidades, aliada às chagas abertas por regimes profundamente antidemocráticos e ditatoriais, coloca como tarefa fundamental, para qualquer avanço democrático, a construção de formas de luta e mobilização social, capazes de alçar conquistas para as classes subalternas e, ao mesmo tempo, galgar caminhos que ultrapassem os limites da democracia burguesa-liberal.

Nesse sentido, é primordial distribuir a riqueza econômica para enormes parcelas da população que, hoje, sobrevivem em condições de trabalho e vida desumanas e, desse modo, atingir o cerne dos processos de expropriação, que caracterizam a "antidemocracia" capitalista e conformam as refrações da questão social nas quais intervém o Serviço Social. Mas, para isso, é imprescindÃÂvel o aprofundamento polÃÂtico da participação popular com a incorporação das grandes massas na vida polÃÂtica nacional, pois a socialização da polÃÂtica é uma das vias fundamentais para combater as forças conservadoras e...

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