O elemento confiança na contratação direta do advogado pela administração pública e seu fundamento jurídico
Autor | REINALDO BELLI |
Páginas | 91-106 |
REINALDO BELLI | 91
4.
O ELEMENTO
CONFIANÇA
NA CONTRATAÇÃO
DIRETA DO ADVOGADO PELA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA E SEU FUNDAMENTO JURÍDICO
Em 2019, assistindo a uma sessão de julgamento no Egrégio Tribunal
de Justiça de Minas Gerais enquanto aguardava ser apregoado o pro-
cesso para o qual estava inscrito para proferir sustentação oral, ouvi de
Eminente Desembargador ao julgar recurso de apelação que apreciava
a contratação direta de Advogado por Município, algo como os se-
guintes dizeres: “[…] não existe fundamento jurídico que dê sustentação
ao elemento ‘confiança’ na contratação do Advogado pela Administração
Pública, já que inexistente previsão legal.”.
Da ementa do indigitado acórdão120, posteriormente publicado, se
leem os seguintes dizeres:
[…] o aspecto da confiança para a prestação de serviços advocatícios não
se encontra contemplado entre os requisitos legais exigidos para justificar
Esta respeitável fundamentação dirige o intérprete às seguintes in-
dagações: O que é confiança? Como o Direito trata da confiança? O
Direito brasileiro prescreve ou não o elemento confiança para a contra-
tação de Advogado particular pela Administração Pública?
A primeira questão que se coloca é muito mais complexa do que
se poderia supor, não podendo ser aprofundada nesta oportunidade,
quer por deficiências do autor, quer pela objetividade que se pretende
atribuir a este texto.
Apoiando-nos em Niklas Luhmann, sociólogo e jurista alemão que
tanto se dedicou ao tema, e certamente uma das mais autorizadas vo-
zes sobre a matéria, ainda em um sentido sociológico e não jurídico,
120 TJMG – Apelação Cível 1.0702.14.024787-6/002, Relator(a): Des.(a) Sandra
Fonseca , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/12/2019, publicação da súmula
em 13/12/2019.
92 | A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DO ADVOGADO E A CONFIANÇA
a confiança constitui alternativa ao caos e ao temor paralisante,121 ar-
tifício para que o convívio social se faça possível. No contexto dos
sistemas sociais, com apoio ainda na teoria de Parsons, a confiança
desempenha papel de aderência dos sujeitos sociais aos meios de co-
municação que permitem a redução da complexidade122 do ambiente
do sistema para o interior de cada sistema social.
Diz Luhmann que onde há confiança há aumento de possibilidades
para a experiência e a ação,123 na medida em que o sujeito que con-
fia se permite reduzir a complexidade do ambiente do sistema social,
e tem condições de tomar decisões mais equilibradas. Sem depositar
confiança, o sujeito fica paralisado, não consegue conviver na multi-
dão de informações e estímulos que a vida, principalmente nas socie-
dades complexas contemporâneas, provoca.
Se um homem não confia que receberá seu salário no fim do mês,
não toma a decisão de ir ao trabalho. Se não confia que o dinheiro
que receberá será instrumental apto à aquisição de bens de consumo
para seu próprio sustento, não buscará amealhá-lo. Se o motorista não
confia que o caminhão que traça a rodovia no sentido contrário se
manterá em sua pista, e não avançará para cima de seu automóvel, não
sairá de carro pelas estradas. Se a família que reside no centro urbano
não confiar que o alimento vendido no supermercado é idôneo ao con-
sumo humano, não poderá continuar a viver na cidade.
Se não existir um mínimo de confiança, sistêmica, nas mais diversas
convenções sociais de um corpo coletivo local, regional, nacional ou
internacional, a vida em coletividade se revela absolutamente inviável.
Por isso “con el aumento de la complejidad, existe un crecimiento corres-
pondiente en la necesidad de garantías, por ejemplo, tal como la confianza
acerca del presente”.124
Daí já se denota, de modo ainda muito superficial, que a confiança é
um elemento próprio da vida humana em sociedade.
Mas tais características não servem ainda para se conceituar o que
vem a ser confiança. Neste desiderato, diz Luhmann:
121 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tít. orig.: “Vertrauen”. Introducción de Daío
Rodríguez Mansilla. 1ª reimpresión. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial,
2005, p. 6.
122 LUHMANN, 2005, p. 10.
123 LUHMANN, 2005, p. 14.
124 LUHMANN, 2005, p. 22.
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