A execução provisória e a liberação de dinheiro à luz da Constituição Federal

AutorPaula Oliveira Cantelli
Páginas252-256

Page 252

1. Introdução

Pandora era filha de Hefesto - deus do fogo - e de Atena - deusa da sabedoria, da justiça e da habilidade -. Cada um dos deuses deu à Pandora uma qualidade, deixando-a linda e cheia de virtudes. Vênus deu-lhe a beleza; Mercúrio, a persuasão; Apolo, o dom da música. No entanto, Hermes colocou em seu coração a traição, a mentira e a curiosidade. Depois de receber todos os dotes das divindades gregas, Zeus enviou Pandora à Terra, entregando-a a Epimeteu, que, encantado com sua beleza, aceitou-a como esposa.

Epimeteu tinha uma caixa onde eram guardadas todas as espécies de artigos malignos; por isso, advertiu Pandora que ela jamais poderia abri-la. No entanto, a esposa, extremamente curiosa, não resistiu e destampou a caixa. Percebendo o erro que havia cometido, rapidamente a fechou. Mas todo o conteúdo maligno já havia escapado, permanecendo somente um único bem: a esperança.

Uma das mensagens desta passagem da mitologia grega é que, mesmo diante das piores situações, a esperança sempre está e estará presente.

No processo do trabalho, a execução provisória, muitas vezes, quando bem utilizada, funciona como uma espécie de esperança, permitindo a efetividade da jurisdição e, de certa forma, a concretização do princípio da duração razoável do processo.

Evidentemente, para que a execução provisória exerça este papel, devemos analisá-la à luz da Constituição Federal, dos princípios da dignidade humana, da vedação ao retrocesso social, da efetividade e da duração razoável do processo. Além disso, não se pode perder de vista que o objetivo maior da execução é a satisfação de um crédito de natureza alimentar, por isso que, de forma geral, o princípio da proteção deve ser sempre observado.

Seja como for, para garantir a satisfação deste crédito alimentar, a execução provisória não pode ser utilizada com tantas barreiras impostas por conceitos arcaicos. Deve-se sempre buscar meios que assegurem a celeridade de sua tramitação.

Assim, o que se propõe é que a execução provisória seja desnudada, desfazendo-se de velhos limites "malignos" para, em seguida, assumir o seu verdadeiro papel, revestindo-se de esperança. E esta deve acompanhá-la sempre, mesmo nas piores e mais difíceis situações, assim como se passou com a caixa de Pandora.

Um dos limites que deve ser banido é a proibição de liberação de dinheiro, como a seguir veremos.

2. Execução provisória de título judicial e liberação de dinheiro

O título executivo judicial pode ser executado de forma definitiva (se fundado em sentença transitada em julgado) ou provisória (se fundado em sentença condenatória que ainda não tenha transitado em julgado).

Dispõe o art. 899 da CLT que "Os recursos serão inter-postos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora". Diante dessa redação, surgem dois questionamentos: quais os atos processuais podem ser praticados na execução provisória? A penhora é o marco final da execução provisória?

Uma primeira leitura poderia até nos fazer concluir que a execução provisória encontra seu limite final no ato da penhora. No entanto, uma análise cuidadosa do ordenamento jurídico aponta noutra direção. De fato, aquela interpretação não é a que melhor se encaixa nos princípios do Direito Processual do Trabalho e no caráter teleológico das normas trabalhistas, conforme será a seguir demonstrado.

Page 253

O art. 899, por força do art. 769, também da CLT, deve ser interpretado à luz do art. 475-O, caput, do CPC, que dispõe que a execução provisória deverá ser feita, no que couber, do mesmo modo que a definitiva. Além disso, esse último artigo, em seu inciso III, prevê a possibilidade de levantamento de depósito em dinheiro, bem como a prática de atos que importem alienação de propriedade, mediante caução prestada nos próprios autos. No entanto, vale destacar que a referida caução poderá ser dispensada quando: a) se tratar de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário mínimo; e b) se o exequente se encontrar situação de necessidade. Ressalte-se que, presumido o estado de necessidade do exequente, tendo em vista o caráter alimentar do crédito e o reconhecimento de seu estado de miserabilidade legal, é dispensável a caução a que se refere aquele artigo. Em outras palavras, quando se trata de créditos de natureza alimentar, que, neste caso, são decorrentes da relação de trabalho, a situação de necessidade do exequente será presumida, autorizando a aplicação da referida norma processual.

Seja como for, observa-se que a penhora é tão somente um marco referencial para a execução provisória - e não um limite, como ensina Manoel Antonio Teixeira Filho1:

Não cremos que a regra contida no art. 899, da CLT - segundo a qual a execução provisória se detém na penhora - seja obstáculo a este nosso entendimento, porquanto a referida norma geral aceita a exceção pre-vista no art. 475-O, § 2º, I, do CPC.

E acrescenta o mesmo autor2 que é possível aplicar a regra disposta no art. 475-O ao processo do trabalho, porque há previsão legal expressa e inequívoca neste sentido, bem como porque o risco de o exequente ter que devolver o que recebeu é muito pequeno:

Igualmente no processo do trabalho será possível autorizar-se, em execução provisória de sentença ou de acórdão, a liberação de dinheiro de quantia depositada, até o limite de sessenta salários mínimos, seja porque há previsão legal expressa e inequívoca, quanto a isso (CPC, art. 475-O, § 2º, I), seja porque o risco de o credor ter que devolver essa quantia é não muito acentuado, levando-se em conta o fato de a sentença exeqüenda haver julgado o mérito em seu benefício.

Verifica-se, portanto, que as inovações inseridas no CPC relativas à execução provisória aplicam-se ao processo trabalhista, sendo perfeitamente possível a liberação de dinheiro.

Corroborando o entendimento supra, o Enunciado n. 69, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília em 23 de novembro de 2007, também estabelece que é admissível a penhora e a liberação de dinheiro na execução provisória:

Execução Provisória. Aplicabilidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT