Basileia II e exigencia de capital para risco de credito dos bancos no Brasil.

AutorYanaka, Guilherme M.
CargoTexto en Portuguese
  1. Introdução

    O presente artigo, apesar de estreitamente ligado à gestão de risco de crédito, foca em um ponto específico da regulação bancária: a exigência de capital. O capital mínimo exigido (CME) pelo regulador impõe limites à alavancagem dos bancos e funciona como um "colchão" para absorver perdas, como, por exemplo, grandes prejuízos em operações de crédito. Caso a perda seja maior que o "colchão", o banco se torna insolvente, gerando prejuízos para os depositantes e para toda a sociedade no caso de uma crise sistêmica.

    Em situações de normalidade, o CME, dependendo do conservadorismo do regulador e da metodologia de cálculo, pode gerar incentivos na alocação de ativos pelos bancos, com impactos potenciais no volume total de crédito concedido pelo sistema financeiro. Além disso, caso esta metodologia seja diferente para diferentes tipos de instituições financeiras (por exemplo, grandes bancos versus pequenos), pode haver impactos na concorrência bancária.

    A exigência de capital é calculada a partir das exposições a riscos de crédito, de mercado e operacional. Atualmente, todos os bancos brasileiros devem mensurá-la de acordo com normas padronizadas para os três riscos. Porém, em breve, o Banco Central do Brasil poderá autorizar o uso de metodologias baseadas em modelos internos, voltadas principalmente para os grandes conglomerados bancários.

    O modelo interno de Basiléia II para risco de crédito (IRB) já foi adotado na Europa, em seus bancos internacionalmente ativos, acarretando em redução do requerimento de capital. No Brasil, as grandes instituições financeiras ainda estão em fase de implementação de toda infra-estrutura necessária para tanto. Entender o impacto destes modelos no capital exigido é de interesse tanto dos bancos como do regulador. Uma possível implicação é a mudança no perfil da carteira dos bancos, em direção àqueles ativos que exigirem menor capital relativo. Neste contexto, este trabalho pretende apresentar as possíveis variações no CME dos grandes bancos caso estes utilizem o modelo IRB, em comparação com a atual abordagem padronizada.

    A metodologia consiste na utilização de matrizes de migração, disponibilizadas pelo Banco Central do Brasil, para estimar probabilidades de inadimplência (PD) para cada modalidade de crédito. Os resultados indicam aumento da exigência de capital, devido, principalmente, à carteira de Varejo.

    As duas próximas seções apresentam o arcabouço que permite compreender o modelo de risco de crédito de Basiléia II, bem como as normas e conceitos relevantes. A seção quatro consiste na apresentação da metodologia e das bases de dados utilizadas. A seção cinco apresenta os resultados e, finalmente, a seção seis faz as considerações finais.

  2. Risco de Crédito e Basiléia II

    O Comitê da Basiléia (BCBS) publicou, em 2004, o documento "Novo Acordo de Capital da Basiléia" ("International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A Revised Framework) ou simplesmente Basiléia II. O Novo Acordo é mais amplo que Basiléia I, pois além dos riscos de crédito e mercado, trata do risco operacional. Além disso, procura ser mais sensível ao risco, possibilitando aos bancos escolherem entre abordagens padronizadas e modelos internos.

    Os modelos internos deverão seguir certas diretrizes. Para risco de mercado, os bancos deverão calcular um Value-at-Risk (VaR), com bastante liberdade em relação ao tipo de modelo (histórico, paramétrico etc.) e em relação aos métodos para estabelecer correlações entre os fatores de risco (juros, câmbio, ações etc). Já para o risco operacional, devido à modelagem ainda ser recente nesta área, os bancos terão uma liberdade ainda maior para decidir que tipo de modelo irão utilizar, em geral, a indústria caminha para a adoção da metodologia LDA (loss distribution approach), baseada na literatura relacionada à indústria atuária. Em relação ao risco de crédito, o modelo de Basiléia II, chamado IRB (internal ratings based approach), é muito mais restritivo, pois impõe uma fórmula para o cálculo do CME, baseada nos dados de inadimplência e recuperações da carteira de crédito.

    Em relação às normas brasileiras, está em vigor atualmente uma adaptação da abordagem padrão simplificada de Basiléia II. (1) De acordo com a Resolução CMN 3.490 de 2007 as instituições financeiras deverão manter capital (2) acima de um valor mínimo. Este capital mínimo exigido (chamado na norma de PRE (3)) é composto por parcelas de risco de crédito, mercado e operacional, de acordo com a seguinte fórmula:

    PRE = PEPR + (PC AM + PJUR + PCOM + PACS) + POPR (1)

    onde:

    PRE = Patrimônio de Referência Exigido (CME);

    PEPR = Parcela referente a risco de crédito (exposições ponderadas pelo risco);

    PCAM + PJUR + PCOM + PACS = Parcelas referentes a risco de mercado: risco cambial (PCAM), risco de taxa de juros (PJUR), risco de commodities (PCOM) e risco de ações (PACS), e;

    POPR = Parcela referente a risco operacional.

    As fórmulas para cómputo de cada parcela são fornecidas em diversas Circulares. A parcela responsável pela maior parte da exigência de capital é aquela relacionada a risco de crédito (PEPR), sendo sua fórmula dada pela Circular 3.360/07:

    PEPR = 11% [SIGMA] FPR (2)

    onde FPR = Fatores de Ponderação de Risco.

    No caso geral em que o FPR é igual a 100%, o capital mínimo é de 11%. As principais exceções são operações de crédito consideradas como "Varejo" e de crédito imobiliário residencial. O "Varejo" tem ponderação (FPR) de 75% O financiamento habitacional tem ponderação de 35%, quando o valor contratado é inferior a 50% do valor da garantia, ou FPR de 50%, quando o valor financiado fica entre 50% e 80% do valor de avaliação da garantia.

    A principal norma vigente sobre risco de crédito é a Resolução 2.682. (4) Segundo esta, os bancos devem classificar as operações de crédito em níveis de risco, sendo que em cada nível, deve ser feita uma provisão mínima conforme tabela abaixo. As instituições devem também efetuar reclassificações pelo menos de acordo com o número de dias de atraso das operações, conforme tabela 1.

  3. Modelo Interno de Risco de Crédito de Basiléia II

    De acordo com o BCBS (2000), o "risco de crédito pode ser definido de uma maneira simples como a possibilidade de um tomador ou contraparte de um banco não homar suas obrigações nos termos pactuados". (5) Segundo o Novo Acordo ([sección] 452), o principal indicador de inadimplência é o atraso de mais de 90 dias por parte do tomador, definição que seguiremos neste artigo.

    Uma vez definida a inadimplência, é possível segregar o risco de crédito em dois componentes: a probabilidade de inadimplência (PD) e a perda dada a inadimplência (LGD). (6) A PD mensura a probabilidade, em um determinado horizonte de tempo (1 ano, segundo critério de Basiléia II), de o cliente, em determinada operação, entrar em inadimplência. Após uma inadimplência, o banco consegue recuperar uma parte da dívida através de pagamentos atrasados, renegociação ou garantias. Na nomenclatura do Novo Acordo, chamamos de LGD a "perda dada a inadimplência", ou seja, a proporção que não é recuperada.

    Para gerenciar o risco de crédito de uma carteira com diversas operações, o banco deve considerar, além do risco de cada tomador, a correlação entre os eventos de inadimplência. Segundo BCBS (2000), os "bancos devem gerir o risco de crédito de toda sua carteira de forma conjunta assim como suas exposições individuais". Em geral, esta gestão do risco conjunto da carteira é feita através de modelos baseados em uma metodologia VaR. (7) A fórmula IRB de Basiléia também segue um modelo tipo VaR. A abordagem IRB tem as seguintes características: alocação das exposições em classes de ativos, utilização de um Sistema Interno de Classificação, mensuração dos componentes de risco (PD, LGD etc) e finalmente cálculo do capital exigido através da fórmula IRB.

    São cinco as "classes de ativos": (i) Atacado (Corporate), (8) (ii) Soberano, (iii) Bancos (Interbancário), (iv) Varejo e (v) Participações acionárias (Equity). As definições estão no Novo Acordo ([sección] 218 a [sección] 238) e no Comunicado 18.365 do Bacen. Dentro do "Atacado" há ainda a subdivisão "pequenas e médias empresas" (SME). (9)

    Um Sistema Interno de Classificação de risco de crédito "compreende todos os métodos, processos, controles, coleta de dados e sistemas de TI que auxiliam a mensuração do risco" (BCBS, 2006a, [sección]394). A estrutura principal deste sistema consiste na classificação das exposições em faixas de risco e a partir daí a quantificação do risco de crédito (PD e LGD). De forma bastante simplificada, (10) o sistema classifica o risco dos tomadores, agrupa-os em faixas com risco similar, monitora a freqüência de inadimplência ao longo do tempo e finalmente associa uma PD para cada faixa de risco. Em geral, no Varejo a classificação é feita através de modelos estatísticos (credit scoring etc.) e, no Atacado, através da análise julgamental.

    A LGD também é calculada a partir do sistema de classificação e deve levar em conta, além da classificação de risco, o tipo de garantia da operação. A dificuldade conceituai desta etapa consiste no fato de que a LGD deve ser calculada em termos econômicos, e não contábeis, devendo ser líquida de todos os custos diretos e indiretos e o fluxo de caixa de recebimentos deve ser trazido a valor presente (sendo a data inicial o momento do default) através de uma taxa de desconto adequada.

    No modelo IRB, o capital exigido é calculado com base em um modelo VaR, com nível de confiança de 99,9% e horizonte de tempo de um ano. Caso a provisão seja igual à Perda Esperada (EL), o capital deve ser suficiente para cobrir a Perda Não Esperada (UL), conforme figura abaixo.

    [FIGURA 1 OMITIR]

    A fórmula geral de cálculo de capital (para UL) é dada por:

    [EXPRESIÓN MATEMÁTICA IRREPRODUCIBLE EN ASCII.]

    sendo EL = PD.LGD, onde UL(%) = Capital Exigido para Perdas Não Esperadas (Unexpected Loss); PD(%) = Probabilidade de Inadimplência; LGD(%) = Perda dada a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT