Florescer e murchar dos laranjais: Reforma e contrarreforma agrária numa fazenda peruana (1958-2005)

AutorVanderlei Vazelesk Ribeiro
CargoProfessor Doutor junto à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
Páginas136-153
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
Cadernos Prolam/USP, v.16, n.30, p.136-153, jan./jun.2017
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FLORESCER E MURCHAR DOS LARANJAIS: REFORMA E
CONTRARREFORMA AGRÁRIA NUMA FAZENDA PERUANA (1958-2005)
BLOOM AND WITHER OF THE ORANGE TREES: REFORM AND AGAINST
AGRARIAN REFORM IN A PERUVIAN FARM (1958-2005)
Vanderlei Vazelesk Ribeiro1
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo: Neste trabalho discutiremos a formação da Fazenda Huando em Huaral Peru,
a luta do sindicato campesino pela realização de uma reforma agrária no início dos anos
1970 e as dificuldades da cooperativa de produção ali formada. Também, avaliaremos o
processo de parcelação das terras e sua reconcentração, que neste momento segue em
marcha acelerada.
Palavras-chave: Reforma Agrária; sindicatos campesinos; Fazenda Huando.
Abstract: In this work is discussed the formation of Huando Farm in Hural, Peru; the
struggle of the peasant syndicate for the making of an agrarian reform in the first years
of the 1970’s and the there founded cooperative’s hardship. It is also evaluated the land
division process and its reconcentration, which at this point runs rapidly.
Keywords: Agrarian Reform; Peasant Syndicate; Huando Farm.
1. INTRODUÇÃO
“Os pobres descendem dos Incas, os muito pobres dos
povos pré-incaicos, os ricos dos espanhóis e os muito ricos
dos aviões. Sua pátria é o dinheiro”.
Zózimo Torres, dirigente sindical da Fazenda Huando e de
sua cooperativa, organizada depois da reforma agrária
(BURENIUS, 2001).
Analisar processos históricos de ampla magnitude deixa muitas vezes o
pesquisador com a impressão de que está sempre num balão, realizando um voo
panorâmico em torno de seu objeto. O autor destas linhas tem-se dedicado a quase uma
década ao estudo da Reforma e contrarreforma agrária peruana, que se desenvolveu
entre as décadas de sessenta e noventa do século passado. Processos iniciados a partir da
emergência de importantes movimentos campesinos, como a histórica greve
insurrecional liderada por Hugo Blanco em La Convención em 1962, que ganhou
impulso a partir da lei de reforma agrária aprovada num resistente congresso em 1964,
decolando em 1969, sob o influxo dos tanques de guerra do general Velasco Alvarado,
1 Professor Doutor junto à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO. E-mail:
vazelesk@uol.com.br.
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
Cadernos Prolam/USP, v.16, n.30, p.136-153, jan./jun.2017
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que, numa atitude raríssima em Nuestra América, conquistavam fazendas a partir do
decreto-lei nº 17.716, promulgado neste ano.
A reforma foi extremamente bem-sucedida do ponto de vista quantitativo: em
sete anos, nove milhões de hectares foram transferidos a trezentos e setenta mil famílias
e quinze mil propriedades viram-se afetadas (ÁGUILA, 2010, p. 5). Entretanto, seus
resultados seriam extremamente contraditórios: rompeu relações seculares de
dependência dos camponeses face aos terratenentes, promovendo o deslocamento do
eixo de poder no meio rural, mas ao mesmo tempo não significou o salto de quantidade
e qualidade na produção que dela se esperava. Representou, em princípio, maior
autonomia para o camponês, mas quando este se viu a braços com um mercado que não
controlava, as dificuldades foram imensas (RIBEIRO, 2014a, p. 265; MEJÍA, 1990, p.
37). Nos anos 1990, em plena emergência da ditadura fujimorista, o processo, que já
perdera estímulo desde a volta de Fernando Belaúnde Terry ao poder em 1980,2 sofreu
seu golpe definitivo, com a permissão da venda de terras em área reformada a partir de
1991, e em 1995, quando se reorganizou o mercado de terras.
Se o olhar sobre o nacional nos deixa a impressão do sobrevoo, neste trabalho
buscaremos colocar os pés na terra: vamos observar um processo de reforma e
contrarreforma numa fazenda: Huando. Avaliar o micro como tantos autores já fizeram,
desde Carlo Ginzburg (1987) em seu clássico, O Queijo e os Vermes, possibilita
aprofundar um pouco reflexões já esboçadas em outros trabalhos. Sem o brilhantismo
do historiador italiano, o que pretendemos fazer, é uma discussão a respeito da luta em
torno da fazenda Huando, localizada na cidade de Huaral, província do mesmo nome3,
departamento de Lima, na costa norte peruana. Podemos, neste trabalho, perceber
Huando como um ponto importante de observação das esperanças em torno da luta por
reforma agrária no Peru, do florescimento desta esperança, quando da ascensão do
governo militar do general Velasco Alvarado, em 1968, e das expectativas em torno da
organização da cooperativa em 1972-1973. Posteriormente, vemos as dificuldades
crescentes da cooperativa, a ponto de, para a maioria dos cultivadores, parecerem
incontornáveis a partir dos anos de Fujimori, levando-os a parcelar as terras da
cooperativa. Ainda poderemos observar o depois da parcelação, quando os dois grupos
estarão a postos na reivindicação de seu passado, os que apostaram na conservação de
2 Fernando Belaunde Terry foi eleito pela primeira vez em 1963, e em seu governo foi aprovada a lei de
reforma agrária no parlamento. Foi deposto e m 1968, no golpe militar desfechado p or Velasco Alvarado
(COTLER, 2006, p. 257).
3 A província de Huaral se chamou Chancay até 1976.

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