Formacao profissional e debate sobre a questao racial no curso de Servico Social da UnB: percepcao das/os formandas/os e egressas/os do curso/Professional training and debate on racial issues in the social work course at the University of Brasilia: perception of graduates and alumni.

AutorSouza, Dyana Helena de

Introdução

Para estudar a formação da sociedade brasileira faz-se necessário desmistificar a democracia racial, pois ela utiliza um discurso da "junção/mistura" de vários povos, buscando justificar o argumento da inexistência do racismo no Brasil, uma vez que todos são o "mesmo povo" e têm o "mesmo sangue". Sabemos que esse mito mascara a essência racista da sociedade brasileira e que ainda fecha os olhos diante da discriminação racial (PEREIRA, 2016).

A branquitude se beneficiou da construção do mito da democracia racial, ignorando a dívida histórica que este país tem com a população negra e indígena. Invisibilizam o legado da Escravidão, negam os privilégios que a branquitude conquistou e permanece conquistando e justificam as políticas compensatórias ou de ação afirmativa como privilégio dos negros que querem se beneficiar sem "esforço e mérito" (BENTO, 2002). Portanto, a branquitude age de forma deliberada e atua com estratégias para manutenção da sua supremacia, como por exemplo a manutenção do racismo institucional. Sobre isso, Werneck (2016, p. 542) diz que o racismo institucional atua de forma a "induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas--atuando também nas instituições privadas--produzindo e reproduzindo a hierarquia racial".

Portanto, a branquitude se considera um grupo padrão a ser seguido, ditando as regras que acabam "fortalecendo a autoestima e o autoconceito do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social" (BENTO, 2002, p. 5).

A partir dessa configuração, Ribeiro (2017, p. 48) considera que "os conhecimentos transmitidos nas universidades carregam a herança colonial e contribuem para reforçar a hegemonia cultural, econômica e política da modernidade/colonialidade". Dessa forma, "os saberes locais e, principalmente, aqueles que se originam de grupos subalternos, são excluídos do debate acadêmico, mantendo a colonialidade do saber, do ser e do poder" (RIBEIRO, 2017, p. 48). Após fazer crítica ao modo como as universidades estão organizadas, a autora sugere que:

Por isso, decolonizar a universidade é necessária para construir uma sociedade outra. Para decolonizar a universidade é preciso transdisciplinaridade, que não se limita a articular duas ou mais disciplinas, mas sim a considerar o terceiro elemento, ou seja, conectar os diversos elementos e formas de conhecimento. Diferentes formas culturais de conhecimento devem poder conviver no mesmo espaço universitário, sem o parcelamento do conhecimento e a recusa da experiência, da doxa. (RIBEIRO, 2017, p. 48). É preciso refletir sobre a estrutura das universidades como espaços que reproduzem o pensamento do "sistema-mundo capitalista, patriarcal, ocidental, cristão, moderno e colonialista" (COSTA; GROSFOGUEL, 2016, p. 31), mantendo um ensino fragmentado, hierarquizado e muitas vezes descontextualizado da realidade social. Destarte, as entidades representativas do Serviço Social necessitam estar em constante diálogo sobre o processo de formação profissional nas instituições de ensino superior.

No que se refere à questão racial, as entidades têm se posicionado a partir de documentos de domínio público, nos sites oficiais, e em congressos e encontros da categoria, tanto sobre aspectos relacionados à sua compreensão na sociedade brasileira quanto à necessidade de inserção da temática no ensino e na atuação profissional.

A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS, 2017, p. 1) faz orientações sobre as cotas na pós-graduação, afirmando que "as políticas afirmativas devem desconstruir práticas que por séculos reproduzem o racismo institucional". Dessa forma, a nota disponibilizada demarca o posicionamento da entidade, assumindo o compromisso ético-político e acadêmico-histórico "com a defesa da superação de todas as formas de exploração e opressões", afirmando que a questão étnico-racial não deve ser "desvinculada dos processos de produção e reprodução da vida social" (ABEPSS, 2017, p. 1).

Destaca-se também uma importante iniciativa organizada pela Abepss (2018) de elaboração de documento intitulado Subsídios ao debate da questão étnico-racial na formação em Servic'o Social, construído coletivamente. O objetivo é oferecer elementos para o debate eìtnico-racial no âmbito das unidades de formação da graduação, pós-graduação e nos espaços de educação permanente. O documento traz elementos que contribuem tanto para o fortalecimento da discussão do eixo na formação profissional como também para ampliar ações de combate ao racismo.

O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) tem criado uma série de campanhas e cadernos educativos sobre a atuação da/o assistente social no combate ao preconceito e às discriminações. Um desses cadernos contextualiza o racismo na história brasileira, bem como os seus reflexos na vida social da população negra e indígena. Situando a luta contra o racismo como uma exigência ética e política para a atuação profissional, o caderno aponta ainda "que contribui para o enfrentamento da desigualdade e da barbárie produzidas pela sociabilidade burguesa" (CFESS, 2016, p. 9). Além disso, em algumas edições do CFESS Manifesta (CFESS, 2011, 2013), a entidade trouxe seu posicionamento frente à questão racial, reforçando a necessidade de a categoria profissional se envolver em questões de combate ao racismo, considerando a "perspectiva da defesa dos direitos humanos e da luta para desvelar que é uma falácia a existência da democracia racial no Brasil" (CFESS, 2011, p. 243).

É importante destacar, ainda, a contribuição dos dois eventos centrais do Serviço Social, nos quais são apresentados trabalhos de docentes, estudantes e profissionais. São eles: Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social (Enpess) e Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS). Ramos (2016, p. 58) estudou as edições dos dois eventos para analisar "os temas referentes à questão racial para abordar como a discussão temática tem sido feita na e para a categoria". A autora observou que a questão racial é um subtema encontrado nos eixos que "unem a questão racial à questão de gênero, orientação sexual e/ou geração" (RAMOS, 2016, p. 62). No Enpess, essa questão está incluída no eixo "Serviço Social, relações de exploração/opressão de gênero, raça/etnia, geração, sexualidades"; no CBAS, no eixo "raça, etnia, gênero e sexualidades".

Apesar da relevância que os eixos têm, a autora identificou que nos trabalhos analisados "a questão racial é situada como recorte dos temas gerais" (RAMOS, 2016, p. 63), reduzindo o racismo ao estudo do negro, quando mais uma vez o torna objeto de estudo.

A denúncia do racismo reduzido ao estudo do negro limita a luta antirracista a uma luta que permanece na defensiva: ela se volta para o negro, enquanto aquilo que lhe imputa este lugar subalterno, permanece ileso na dicotomia racial: o branco. O problema racial é a branquitude. Esta quem deve ser estudada, desvelada e posta em xeque. (RAMOS, 2016, p. 63). A autora afirma que os trabalhos ligados à temática refletem as reivindicações dos movimentos negros, sendo essenciais para embasar e direcionar uma prática profissional qualificada e que "venha a...

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