From representation to control: transformations of trade unionism within capitalist development /Da representacao ao controle: transformacoes do sindicalismo no decurso do desenvolvimento capitalista.

AutorPecanha, Valeria Lopes
CargoTexto en portugues

Introducao

Os sindicatos, como sujeitos de acao da classe trabalhadora, estiveram profundamente atrelados as ideologias proletarias, tendo-as como matriz de sua orientacao politica. O sindicalismo, como base de organizacao do movimento operario, apresenta distintas variacoes quanto a sua concepcao, natureza e funcionalidade, segundo as vertentes politicas pela qual se orientam os agentes politicos da classe trabalhadora em cada momento historico. Este fato revela a determinacao da praxis sindical pela praxis politica e ideologica da classe trabalhadora (ALVES, 2000).

Dos arranjos entre as concepcoes ideologicas e as acoes politicas do movimento operario, projetam-se tipos distintos de sindicalismo. Ao observarmos as formas de luta ja desenvolvidas pela classe trabalhadora na defesa de seus interesses, encontramos o ludismo, o boicote, a greve e, por fim, os sindicatos. Cada uma destas formas de se organizar e agir representa uma forma singular da consciencia e das praticas de luta das classes trabalhadoras, que se desenvolvem em face das relacoes sociais postas pela etapa de desenvolvimento do modo de producao capitalista com que se defronta.

Embora seja possivel falar de uma natureza sindical, devemos levar em consideracao que a apropriacao feita do sindicalismo pelas classes sociais e seus segmentos atraves da historia nos revela um carater subjetivocoletivo. Este determina componentes centrais do movimento sindical: suas caracteristicas, seus objetivos e, por consequencia, seus resultados. Isto nos alerta para o fato de que a praxis politica e ideologica da classe trabalhadora determina, em grande medida, a praxis sindical.

Cabera ao presente artigo analisar as transformacoes do sindicalismo decorrentes do progressivo empoderamento do capital que, escamoteado pela democracia participativa do Estado Burgues no seculo XX, passa a exercer controle institucional sobre as organizacoes da classe trabalhadora. Partindo deste referencial historico, busca-se explicitar as tensoes, os limites e as possibilidades do sindicalismo, que se formam como resposta e resultado mediante a uma complexa estrutura socioeconomica historicamente determinada, sobre a qual se ergue, assumindo formas especificas. Buscaremos explorar os nexos existentes entre a praxis politico-ideologica e a praxis sindical, tendo em vista que estes constituem elementos centrais na direcao que toma a luta de classes.

Para lancar luz sobre tais questoes, sao utilizadas fontes bibliograficas secundarias com enfoque na teoria marxista dos salarios e nos apontamentos mais diretos de Karl Marx sobre as organizacoes sindicais, presentes principalmente nas obras Trabalho assalariado e capital e Salario, preco e lucro.

Os efeitos da intervencao dos sindicatos na relacao entre capital e trabalho: contribuicoes da obra marxiana

Em Trabalho assalariado e capital, Marx (2006) traz amplas contribuicoes sobre as relacoes sociais da producao capitalista, terreno em que se desenvolve a luta de classes, que se expressa, dentre outras formas, tambem atraves das lutas sindicais. Partindo da elucidacao acerca do salario, afirma Marx (2006, p. 36) que este e o "nome particular dado ao preco da forca de trabalho", utilizado como mediacao na relacao de troca que envolve trabalhadores e capitalistas, com suas distintas mercadorias. O modo de producao capitalista se fundamenta sobre a exploracao do trabalho humano fonte da criacao do valor--sob a forma de trabalho assalariado. Portanto, da conversao da forca do trabalho em mercadoria "que seu possuidor, o assalariado, vende ao capital" para viver.

Marx (2008a) afirma que existem duas formas de capital empregadas na producao: o capital constante, que resulta do trabalho ja acumulado anteriormente e encarnado nos proprios meios de producao--tais como a maquinaria, a materia-prima, dentre outros--; e o capital variavel, que e a parte do capital empregada em forca de trabalho e que constitui a real forca criadora de novos valores. Ele revela, portanto, a fonte da mais-valia capitalista, ja que, embora o capitalista obtenha forca de trabalho a custos socialmente estabelecidos segundo as leis de valor que regem as mercadorias --que, no caso da forca de trabalho, constitui os salarios--, a mercadoria forca de trabalho, ao ser utilizada, revela seu carater particular dentre todas as demais mercadorias: gerar valor.

No contrato firmado entre capitalista e trabalhador, a compra da forca de trabalho e baseada numa remuneracao fixada em funcao da medida de tempo de vida do trabalhador cedida ao capitalista--a jornada de trabalho. Durante essa medida de tempo, o capitalista adquire o direito de utilizar, na producao, todas as energias fisicas e psiquicas do trabalhador (MARX, 2006). Tais limites fixados no tempo dedicado a producao, e nao em seu volume, abriram precedentes para a intensificacao do uso da forca de trabalho e, portanto, para a alteracao da composicao organica do capital gerador de mais-valia. A alteracao da relacao entre capital constante (trabalho morto) e capital variavel (trabalho vivo), utilizados na producao, incide em novas formas de extracao de mais-valia: a absoluta e a relativa (MARX, 2006). Disto decorre que, quanto mais o capitalista empreende esforcos pelo consumo cada vez mais eficaz desta forca de trabalho na producao de mais-valia, e quanto mais exploracao desta forca criadora, maior o exito do capitalista do ponto de vista dos lucros: forca motriz do modo de producao capitalista (MARX, 2008b).

Estes elementos da relacao entre capital e trabalho desenvolvidos na obra marxiana sao de imensuravel importancia para a compreensao da sociedade capitalista e das relacoes sociais as quais todos os individuos estao submetidos. Considerando o salario como o preco da mercadoria forca de trabalho, Marx (2006) aponta similaridades entre a determinacao do preco da forca de trabalho e as leis do mercado que regem as demais mercadorias. A determinacao dos salarios na obra marxiana se articula com base nos seguintes elementos: i) modo de acumulacao; ii) oferta e demanda de forca de trabalho; iii) composicao demografica da populacao; iv) parametros de subsistencia; e v) organizacao politica dos trabalhadores em sindicatos (ROWTHORN, 1980).

Segundo Marx (2006, p. 38), o que determina o preco de uma mercadoria "e a concorrencia entre os compradores e os vendedores, a relacao entre a solicitacao e a disponibilidade, a oferta e a procura", tendo como referencia o "custo de producao". Portanto, os salarios podem se elevar ou mesmo se depreciar segundo a concorrencia que se estabelece tanto entre a classe trabalhadora, para vender sua forca de trabalho, quanto entre a classe capitalista, para compra-la. Ambas as classes se contrapoem em barganha; uns para vender mais caro e outros para comprar mais barato. Contudo, o custo da producao da forca de trabalho orbita ainda em torno do "custo necessario para conservar o operario como tal e para formar um operario" (MARX, 2006, p. 44).

Em decorrencia do excesso de mao de obra, produzido pelas inovacoes das tecnologias de producao e de gestao do trabalho no desenvolvimento do modo de producao capitalista, sao estabelecidos niveis salariais minimos proximos ao nivel de subsistencia (MARX, 2006). Sendo assim, o salario seria determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a forca de trabalho, tendo dois aspectos essenciais: i) o da natureza fisica, que implica no reconhecimento de um nivel minimo de subsistencia necessario a producao e reproducao da forca de trabalho; e ii) o da natureza historica, ligado ao padrao tradicional de vida determinado culturalmente em cada tempo historico (ROWTHORN, 1980, p. 192).

Deste modo, vemos que as condicoes de vida e empregabilidade da classe trabalhadora estao em estreita relacao com a acumulacao de capital, num processo de influencia mutua que conforma o modo de acumulacao historicamente correspondente. Uma vez que, segundo Marx (2006, p. 51), toda acumulacao de capital provem do trabalho e e "trabalho acumulado", na medida em que o capital cresce, cresce tambem o trabalho assalariado e as possibilidades de melhoria das condicoes de vida da classe trabalhadora aumenta. Este crescimento no capitalismo, no entanto, traduzse numa "forca hostil" ao trabalho vivo (o criador de toda riqueza), uma vez que o "aumento do poder do trabalho acumulado [morto] sobre o trabalho vivo significa o aumento do dominio da burguesia sobre a classe trabalhadora" (1) (MARX, 2006, p. 51).

Neste sentido, os interesses do capital e do trabalho assalariado encontram-se "diametralmente opostos", em permanente disputa pela reparticao da riqueza socialmente produzida. Na ordem capitalista, ha uma lei de relacao inversa entre salario e lucro; quanto mais o operario trabalha, "mais aumenta o capital produtivo". Este, por sua vez, consolidando-se em "divisao do trabalho" e "emprego da maquina", intensifica a "concorrencia entre os operarios" e a produtividade do trabalho, resultando em baixa dos salarios (MARX, 2006, p. 64).

Em Salario, preco e lucro, Marx (2006) retoma e aprofunda a relacao entre os salarios e o processo de acumulacao do capital. Em sintese, os movimentos entre estes limites ocorrem da seguinte maneira: em periodos de expansao, quando crescem a producao e a acumulacao de capital, a demanda por mao de obra cresce mais rapidamente que a oferta; em consequencia, os salarios tendem a subir. Em periodos de recessao, quando a acumulacao de capital se reduz, o exercito industrial de reserva tende a aumentar, criando obstaculos a luta sindical atraves da concorrencia entre trabalhadores empregados e desempregados que, diante da reducao de seu poder de barganha, tem dificuldades de se opor a queda do nivel dos salarios (2).

Ao longo da acumulacao capitalista, as inovacoes tecnicas no processo de producao tem apresentado a tendencia de substituicao do trabalho vivo pelo trabalho morto. Na medida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT